Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 28 de março de 2010
Reflexão do dia – Ferreira Gullar
O exemplo de Lula:: Merval Pereira
O descaso com que o presidente Lula trata as condenações que recebeu do Tribunal Superior Eleitoral resume bem o estado de complacência moral em que o país se debate, gerando o esgarçamento de seu tecido social com graves repercussões.
Está se impregnando na alma brasileira uma perigosa leniência com atos ilegais, que acaba tendo repercussões desastrosas no dia a dia do cidadão comum, que passa a considerar a esperteza como um atributo importante para vencer na vida.
Em vez de usar seu imenso prestígio junto ao eleitorado para dar o exemplo de cidadania, de respeito às leis, o presidente Lula vem, não é de hoje, confrontando publicamente as instituições que considera obstáculos a seus objetivos políticos, não apenas os meios de comunicação, a chamada mídia, mas principalmente órgãos encarregados da fiscalização dos atos governamentais.
Já em 2008, em Salvador, chegou a dizer um palavrão em público criticando a lei eleitoral que dificulta suas viagens pelo país.
Àquela altura, ele já desdenhava das possíveis punições, fingindo ensinar ao povo como deve se comportar para não ferir a lei eleitoral.
Quando a torcida organizada começa a gritar o nome da ministra Dilma, ele se faz de desentendido: (...) a gente não pode transformar num ato de campanha.
É um ato oficial, é um ato institucional. (...) vocês viram que eu, por cuidado, não citei nomes. Vocês é que, de enxeridos, gritaram nomes aí. Eu não citei nomes.
Igualzinho ao que continua fazendo, mesmo depois de multado.
Nos comícios, não é raro o presidente criticar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público, por supostos entraves que imporiam à execução de obras, e chegou até mesmo a defender a alteração da Lei das Licitações, uma legislação que foi criada depois dos escândalos do governo Fernando Collor, exatamente para coibir a corrupção.
Aqui no Brasil se parte do pressuposto de que todo mundo é ladrão, disse o presidente certa vez, com a mesma atitude complacente com que trata os mensaleiros e os aloprados.
Lula se incomoda quando os organismos institucionais atuam para fazer o contraponto exigido pela democracia, que é o sistema de governo de pesos e contrapesos para controlar o equilíbrio entre os poderes.
Se existe uma legislação que impede um determinado ato seu, ele tenta superá-la com a maioria parlamentar que obteve à custa da divisão do governo em verdadeiros feudos partidários.
O exemplo mais recente é o projeto de lei que transforma os recursos do programa Territórios da Cidadania, que leva a regiões do interior projetos de educação, saúde, saneamento básico e ação fundiária, em transferência obrigatória da União para cidades com menos de 50 mil habitantes, mesmo havendo inadimplência financeira com o governo federal, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O caráter político da medida pode ser compreendido quando se sabe que 90% das Câmaras de Vereadores estão instaladas em municípios de menos de 50 mil habitantes.
O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vítima recorrente da obsessão de Lula, que o acusa constantemente de atrasar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Para Lula, de fato quem governa é o TCU, que diz que obra pode ser realizada.
O incômodo é tão grande que chega a existir no Congresso, incentivado pelo governo, um projeto que reduz os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização, com o objetivo de impedir que o TCU paralise obras públicas, mesmo que a fiscalização encontre indícios de irregularidades graves.
Enquanto não consegue seu objetivo de neutralizar a ação do TCU, Lula vai desmoralizando suas decisões.
Recentemente inaugurou a primeira parte da ampliação e modernização da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), obra apontada pelo Tribunal de Contas da União(TCU) como suspeita, um dos quatro empreendimentos da Petrobras que não poderiam receber dinheiro público em 2010 por possíveis irregularidades.
A impugnação do TCU foi incluída na Lei Orçamentária para 2010, mas recebeu o veto presidencial, que garantiu a continuidade das obras. A maioria governista na Câmara dos Deputados aprovou o veto.
Na ocasião, fez comício e tudo, com sua candidata Dilma Rousseff a tiracolo, como sempre, e usando os trabalhadores como desculpa para ter ultrapassado a decisão do TCU.
Quem vai assumir as responsabilidades e explicar para as famílias dos 24 mil trabalhadores que tudo bem, a obra foi suspensa e a gente volta mais tarde?,discursou Dilma, defendendo a decisão do chefe, de quem não discorda nem que a vaca tussa, como já disse uma vez.
Foi o TCU, um órgão do Poder Legislativo, por exemplo, que levantou os gastos exorbitantes dos cartões corporativos e exigiu maior transparência nas prestações de contas.
Outro órgão que se defronta com sérias críticas presidenciais é o Ibama.
Ainda em 2007 aconteceu a citação aos bagres, que ficaria famosa com o demonstração da veia ecológica do presidente Lula.
Em reunião com o Conselho Político, o presidente não escondeu a sua irritação com o Ibama por causa da demora na concessão de licença ambiental para construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira.
Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente.
O que eu tenho com isso? Tem que ter uma solução.
Dois anos depois, Lula estava em Copenhague, na reunião do clima, no papel de defensor da ecologia.
Mas esta é uma outra história de esperteza dessa autoproclamada metamorfose ambulante.
Um País de todos:: Dora Kramer
Até agora o presidente Luiz Inácio da Silva jogou sozinho em campo. À vontade, sem oposição, sem entraves judiciais, com popularidade em alta, apoio político para dar e vender, bajulado em toda parte, falando o que lhe vem à cabeça, uma beleza.
Tão favorável é o ambiente que nem o principal opositor se anima a lhe fazer oposição. Prefere contemporizar e dizer que o presidente está terminando o governo "muito bem".
Claro, José Serra não menospreza as pesquisas: um terço das pessoas que avaliam bem o governo federal votam na oposição para presidente. Então, para que brigar se não é Lula o candidato?
Aparentemente o presidente está com a vida ganha. Sua candidata saiu do ostracismo para a situação de quase empate com o há dois anos favorito Serra e dizem por aí que agora a franca favorita é ela, Dilma Rousseff.
Portanto, melhor não poderia estar. Mas o presidente parece que precisa que esteja tudo como ele quer, sem revezes, sem um mínimo de contestação ou contrariedade.
Bastou a Justiça Eleitoral dar um pequeno sinal de vida nas preliminares da partida para Lula perder a esportiva do dia anterior, quando fazia piadas com multas judiciais. Não parece lógico acreditar que um político com a experiência dele imagine que possa jogar sozinho o tempo inteiro sem adversário.
Sua reação na sexta-feira à multa de R$ 10 mil aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral foi de quem supõe que a oposição vá disputar uma eleição presidencial parada.
"O fato concreto é que todo esse barulho é feito pela oposição por razões políticas", indignou-se em tom de transcendental revelação.
Óbvio que as razões são políticas. Assim como são políticas as razões que o levam a transgredir sistematicamente não só a Lei Eleitoral como a Constitucional no que tange ao princípio da impessoalidade na condução da máquina pública.
Ou do que se trata quando Lula diz que sua prioridade agora é eleger a sucessora?
Quanto ao "barulho" trata-se do legítimo recurso à Justiça facultado também ao governo e aos partidos governistas sempre que achar que seus adversários extrapolaram os limites legais nas atividades de campanha.
Ou o presidente vê alguma deformação em ações judiciais?
Ademais, a única novidade são as decisões em si, porque as ações vêm sendo apresentadas pela oposição há muito tempo sem que o presidente reclamasse enquanto não eram julgadas procedentes. A queixa real, portanto, não é contra os oponentes políticos, mas contra o Judiciário.
Só que isso Lula não faz. Porque pode provocar mais problemas à frente no tribunal e porque não lhe rende dividendos eleitorais. Não se presta ao plebiscito "nós contra eles" em cujo modelo ele, no controle da máquina de governo, uma estrutura de comunicação monumental, redes sociais com cobertura em todo o País, sindicatos e ONGs é quem representa a vítima fraca e oprimida contra a força dos poderosos.
Ainda outro dia o presidente pregou civilidade na campanha. Referia-se à conduta entre candidatos. Mas o conceito vale também, ou principalmente, em relação ao respeito às regras, à obediência à lei propriamente dita.
O ideal seria que a campanha tivesse uma levada de classe. Se não for possível, compreender que se trata de uma disputa em que todos têm direito e às vezes encarar as coisas um pouco na esportiva já ajudaria muito a preservar o País de um tipo de luta a que os brasileiros não estão acostumados.
Cerco. Os sindicatos filiados à CUT negam motivação eleitoral nas greves e manifestações de protesto contra o governo de São Paulo, embora tenham deixado para explicitar de forma assertiva suas questões com o Estado depois que José Serra confirmou a candidatura a presidente.
Enquanto existia uma tênue esperança de que ele pudesse desistir para disputar a reeleição em São Paulo nada era tão urgente em termos de reivindicações trabalhistas.
Nesse aspecto, já se comprova o acerto da resistência do governador em não antecipar o anúncio da candidatura. Teria antecipado o cerco e alongado o período de protestos, sem necessariamente recolher benefícios em forma de pontos nas pesquisas.
Cara a cara:: Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA - O Datafolha de ontem é um susto para o governo e um alívio para a oposição, mas apenas confirma o principal dado da campanha: o governo tem as melhores condições, e a oposição, o candidato mais sólido. Dilma Rousseff, apesar de tudo, oscila um ponto para baixo e está com 27%. Serra, apesar de todos, recupera quatro pontos e volta aos 36%.
A campanha fecha março e chega a abril tensa, nervosa, quente. Na quarta, 31, Dilma sai da Casa Civil e Serra deixa o Bandeirantes, preparando-se para o lançamento público em 10 de abril, em Brasília. Os dois vão se enfrentar cara a cara pelo Brasil afora, com Ciro Gomes encrencado no seu próprio PSB e Marina Silva e o PV tentando ganhar fôlego e musculatura.
O melhor exemplo da premissa de que o governo ganha nas condições e a oposição ganha no candidato é o confronto entre a popularidade de Lula e a oscilação negativa de um ponto percentual de Dilma. Ele sobe para 76% e é o recordista entre os presidentes desde 1990. Mas Dilma, em vez de acompanhar o movimento, estaciona.
Planalto e PT têm Lula e estão mais organizados, com mais estrutura, um leque muito maior de alianças partidárias, mais tempo na TV. Mas José Serra, mesmo quando balança, não cai. Mantém-se teimosamente acima dos 30%.
Mesmo agora, a previsão era a de que as linhas se cruzassem -com Serra caindo e Dilma chegando à liderança-, o que não se confirma.
Ao contrário, Serra abre 28 pontos de vantagem no Sul, que, ao lado de São Paulo, neutraliza Norte e Nordeste. Os holofotes, portanto, concentram-se em Minas, onde a partida tende a ser decidida.
Neste momento, o que o Datafolha diz aos adversários é simples: a oposição tem de criar a estrutura e fortalecer as condições do seu candidato, enquanto ao governo convém o contrário: melhorar a imagem, a desenvoltura e a empatia da sua candidata com o eleitor.
Havana não é só de Fidel::Luiz Sérgio Henriques
As "Damas de Branco" - umas poucas dezenas de mães e mulheres de prisioneiros de consciência deliberadamente espalhados por vários cárceres - são o mais recente índice de uma situação que evoca a queda do Muro de Berlim e o colapso de um certo "socialismo de caserna". Uma situação que, previsivelmente, ou evolui no sentido de algum tipo de transição para a democracia, assegurando aquilo que for razoável do impulso igualitário inicial da revolução, ou está condenada a apodrecer, arrastando a sociedade e o Estado cubano para o beco sem saída de um enrijecimento das atuais instituições totalitárias - o que seria, diga-se de passagem, só a antessala de uma restauração selvagem da economia de mercado.
"As ruas são de Fidel", é o que lhes gritavam, numa das recentes aparições das "Damas de Branco", manifestantes e agentes de segurança, de resto, em número muito superior ao daquelas mulheres. Fácil demais para esses agentes interromper o protesto pacífico em dias sucessivos, usando violência física e simbólica que, a esta altura, deveríamos considerar intolerável do próprio ponto de vista do socialismo.
Talvez tenha até passado o tempo de replicar de modo inequívoco, ainda que sem nenhuma vontade de provocação ou de "épater le proletaire": as ruas de Havana pertencem a todo o povo cubano, sem exceção, inclusive à diáspora. Ruas e praças pertencem tanto aos apoiadores quanto aos oposicionistas do regime, e todos fariam muito bem em se preparar o quanto antes para a convivência segundo os princípios da dialética democrática, que, mesmo sendo dura e conflituosa, em princípio não exclui ninguém.
O tratamento da questão cubana supõe, da parte das nossas esquerdas, um rigoroso autoexame, que muitos ainda se mostram obstinadamente incapazes de fazer. Não raramente, adotam-se procedimentos que equivalem a contornar o problema ou lhe dar um perfil fantasioso. De nada adianta agitar o espantalho do imperialismo, álibi já envelhecido. Pode-se muito bem ser contra o histórico de intervenções dos Estados Unidos na América Central e, particularmente, o anacrônico bloqueio a Cuba, e, mesmo assim, denunciar um igualmente envelhecido padrão socialista de matriz stalinista. Um padrão que, em última análise, é o responsável pela contínua negação dos direitos civis e políticos, tal como, aliás, ocorria no "socialismo real".
Guantánamo e seu papel na "guerra" americana contra o terror são indefensáveis. Mereceram, e merecem, o repúdio de todos os democratas, nisso respaldados por instituições conhecidas e admiradas pelos brasileiros desde o tempo dos nossos anos de chumbo. É o caso, por exemplo, da Anistia Internacional ou da Human Rights Watch, que, entre outras, são os olhos e ouvidos de uma novíssima "sociedade civil internacional", atenta ao desrespeito dos mais básicos direitos, onde quer que esse desrespeito se manifeste - inclusive nas celas improvisadas de Guantánamo, para mencionar uma situação frequentemente agitada por quem procura pretexto para desculpar a longeva ditadura de Fidel e Raúl Castro.
O certo é que parte considerável da esquerda brasileira resiste a uma abordagem mais contemporânea da questão cubana. Cabe perguntar por que isso acontece, para além dos laços afetivos que prendem essa mesma esquerda às vicissitudes do socialismo - dessa forma primitiva de socialismo - na ilha.
Uma primeira constatação diz respeito à insistência em manter o paradigma da "revolução" - um evento mítico, explosivo, que traria a regeneração social de alto a baixo e, por definição, requer formas extremadas de poder -, desprezando ou mesmo recusando o paradigma da "democracia", o único no qual uma esquerda moderna se pode mover, por assegurar estavelmente a presença dos "de baixo" nos processos de democratização.
Mas não só disso se trata. Existem laços afetivos, existe a recusa a aderir ao paradigma da democracia, mas também podemos ir adiante. Considerando a acidentada história do socialismo no século 20, a partir de um certo momento, em meados dos anos 1950, abriu-se a possibilidade da superação do stalinismo: das suas categorias, do seu lodo de fazer política, do tipo de Estado que havia gerado.
Começou-se a falar de uma "via pacífica" para o socialismo - o que, apesar de recuos e contradições, parecia inaugurar um modo novo de pensar a mudança social. Salvador Allende, no Chile, também desbravava um caminho inédito, tragicamente interrompido em 11 de setembro de 1973. E nesse panorama, que sugeria o desbloqueio de velhos hábitos, Cuba repropunha a luta armada, tratada como "forma superior" de luta, incendiando - romanticamente - parcela da juventude politizada.
Não tinha nada de "universal" aquela revolução. Adotar seus procedimentos e até seus símbolos, como se fez generalizadamente, não constituiu só um erro de oportunidade, uma avaliação tática equivocada: constituiu um erro de princípio. O método era equivocado e previsivelmente desembocaria em outro tipo de autoritarismo. Em vez de ser uma "revolução na revolução", o exemplo cubano e as tentativas da sua exportação contribuíram para impedir o aggiornamento da esquerda, de que tanto nos ressentimos ainda hoje.
Por isso, para muitos, distanciar-se do mito cubano é também distanciar-se do próprio passado, romper com dogmas quase religiosos, abandonar a pequena navegação de cabotagem e lançar-se - teórica e politicamente - em mar aberto. Criticar a situação a que Cuba se reduziu é dispor-se a um doloroso processo de autorrenovação que nos afaste da vocação ditatorial de certos socialismos, mesmo os que, hoje, se querem "do século 21". Uma tarefa que não é fácil. Sem realizá-la, porém, testemunharemos a emergência de um falso "novo", contaminado patologicamente por aquilo que não tem mais razão de existir.
Tradutor, é editor de "Gramsci e o Brasil" (www.gramsci.org)
O espelho no banco dos réus :: Alberto Dines
O presidente Lula tem sido o mais assíduo e exaltado crítico da imprensa. Na condição de Grande Narrador (um dos novos atributos dos chefes de estado na Era da Informação), sente-se permanentemente desafiado a desqualificar os demais narradores para impor a sua versão dos fatos. Compreensível. E perigoso: um crítico contundente incomoda mas é inofensivo. Já um crítico contundente e poderoso torna-se ameaçador. Mesmo involuntariamente.
A última intervenção presidencial na seara da mídia na última quarta, em Brasília, soou como intimidação. Ao avaliar o trabalho da imprensa como fruto de "má-fé" o presidente da República deixa de ser um observador privilegiado e supremo magistrado para converter-se em litigante. Jamais se permitiu denunciar em termos tão candentes o trabalho do Judiciário, Legislativo ou do Ministério Público como o fez agora com o chamado Quarto Poder.
Qual a justificativa para a furibunda agressão - a mídia estaria obsessivamente privatista, obediente à Opus Dei ou muito tucana? Menos: para o presidente, a mídia insiste em ignorar as "coisas boas" (duas mil casas inauguradas), preferindo destacar um casebre que desaba. E revelou a sua estratégia: "Se você se acovardar, eles [jornais e jornalistas] vêm para cima..." Só as pesquisas de opinião reproduzem a verdade, completou.
Amigos e assessores do presidente minimizam tais acessos de cólera contra a imprensa. É possível que seja mais um truque do grande prestidigitador, mas como o presidente mostra-se tão preocupado com o que escreverão os historiadores no futuro ao compulsar os jornais de hoje, deveria pensar duas vezes antes de desancá-los. Sua popularidade hoje é espetacular, mas a sua imagem em 2030 será a definitiva.
Mais velho e teoricamente mais escolado, o chefe do Poder Legislativo, o senador José Sarney, cavalga no mesmo trote: cada vez que a imprensa escancara outra trapalhada financeira de Fernando Sarney, gestor do clã, solta o verbo contra a imprensa. No mesmo dia em que a Folha de S.Paulo jornal que acolhe as suas baboseiras semanais revelou que o governo suíço bloqueou uma conta de US$ 13 milhões remetidos ilegalmente por seu filho, o senador atacou a imprensa acusando-a de pretender substituir-se ao Legislativo na condição de "porta-voz da opinião pública". Confundiu tudo: o Congresso não é porta-voz de ninguém, é o representante da sociedade. E a imprensa cuida de fiscalizar estes representantes para que não metam a mão no erário. Uma coisa é certa: quando José Sarney põe-se a teorizar sobre a mídia é sinal de que a imprensa desvendou mais uma de suas trapalhadas.
O governador José Serra fez a opção pela discrição: bom enxadrista, montou uma estratégia visando a evitar desgastes desnecessários. Procura o caminho da urbanidade, aparece muito a vontade ao lado do presidente Lula e da sua futura rival, Dilma Rousseff quando inauguram obras em São Paulo. É possível que, por delicadeza ou solidariedade tenha aderido ao azedume presidencial contra a mídia. Designou-a como "leviana" por informar que inaugurou obra inacabada quando, na verdade, teria inaugurado uma "obra prontinha".
Jornais podem ser levianos, jornalistas podem ser acusados de leviandade, mas se a imprensa é apresentada genericamente como leviana em quem deverá o eleitor acreditar na propaganda oficial? Uma pesquisa de opinião solta, descontextualizada, sem o contrapeso de informações, vale tanto quanto um anúncio de pasta dental.
Este é o ponto: o ressentimento indiscriminado e indistinto contra os meios de comunicação deixa a sociedade órfã de referências. A mídia erra, sobretudo quando se assume como corporação monolítica, indiferenciada. Parece um espelho inconfiável. Virá-lo para a parede é a pior solução.
» Alberto Dines é jornalista
A cara do cara:: Ferreira Gullar
Teríamos que ver Lula não como o estadista, que pretende ser, e, sim, como um espertalhão?
Devo admitir que, de algum tempo para cá, a personalidade de Lula tornou-se, para mim, motivo de surpresa e indagação. Trata-se, sem dúvida, de um personagem inusitado na história política do país. Contribui, para isso, obviamente, sua origem social, a condição de líder operário que, embora pouco afeito aos estudos e à leitura, chegou à mais alta posição que alguém pode alcançar no Estado brasileiro.
A trajetória que ele percorreu é, no entanto, compreensível, se se levam em conta os fatores que determinaram o processo político brasileiro durante os anos do regime militar. A repressão que a ditadura exerceu sobre os trabalhadores organizados, alijando dos sindicatos às lideranças surgidas do getulismo e do janguismo, propiciou o surgimento de uma liderança sindical, desvinculada tanto do peleguismo quanto dos comunistas que, por isso mesmo, prometia uma nova era na luta dos trabalhadores.
A figura principal desse movimento era Luiz Inácio Lula da Silva que, envolto nessa aura, fez renascer a esperança de velhos militantes incompatibilizados com o comunismo soviético, como também o entusiasmo de uma nova geração que se inspirava na Revolução Cubana. Não por acaso, Lula passou a usar a mesma barba que caracterizava as figura de Fidel e Guevara.
Enquanto durou a ditadura militar, ele e seu partido, o PT, mantiveram-se na luta pela restauração da democracia, ao lado do partido de oposição e de outras forças de esquerda. Finda a ditadura, Lula e seu grupo começaram a mostrar sua verdadeira face: tornaram-se adversários de todos os governos que se formaram, a partir de então. A própria Constituição de 1988 não contou com seu apoio, pois se negou a assiná-la.
De 1990 a 98, Lula fracassou em três tentativas de eleger-se presidente da República. Em 2002, deu um ultimato ao PT: para perder de novo, não se candidataria e, com isso, o partido abriu mão da postura radical, permitindo a Lula, inclusive, adotar como vice um empresário e comprometer-se com a política econômica de FHC, que haviam combatido ferozmente. Eleito, Lula repeliu a aliança com o PMDB e aliou-se a partidos menores, que seriam comprados com o mensalão. Quando o escândalo estourou, disse que não sabia de nada e obrigou seus auxiliares mais próximos a assumirem a culpa.
Depois, os absolveu e, recentemente, afirmou que o mensalão foi fruto de uma conspiração contra seu governo. Não houve.
A coragem de fazer tal afirmação, quando a denúncia daquelas falcatruas foi feita pelo procurador-geral da República e aceita pelo Supremo Tribunal Federal, é quase inconcebível em alguém que ocupa a Presidência da República. Mas esse é o Lula que, após assumir o governo, afirmou nunca ter sido de esquerda e, enquanto abre o cofre do BNDES à grandes empresas, alia-se ao antiamericanismo de Chávez e Ahmadinejad e abraça-se a Bush, a Fidel e Sarkozy. Dá seu apoio às eleições corruptas do Irã e se nega a reconhecer o presidente legitimamente eleito de Honduras.
Mas nada chocou tanto a opinião pública, dentro e fora do Brasil, quanto sua afirmação de que é inaceitável que alguém se deixe morrer numa greve de fome. E, como se não bastasse, comparou os prisioneiros políticos, condenados por delito de opinião, aos criminosos comuns, presos por roubar ou matar. O ministro Amorim tentou defendê-lo, dizendo que Lula, por já ter feito greve de fome, estava agora fazendo uma autocrítica.
Na verdade, Lula fingiu fazer greve de fome, em 1980, pois, como se sabe, comia escondido. Não se trata, pois, de autocrítica, mas da tentativa de desqualificar quem demonstrou a grandeza moral que ele não teve. Teríamos que vê-lo, não como o estadista, que pretende ser, e, sim, com um espertalhão, capaz de qualquer coisa que sirva a seus objetivos?
Seria, talvez, simples demais afirmar que sim. No entanto, como entender sua atitude, na visita recente ao Oriente Médio, quando se ofereceu, publicamente, para mediar o conflito entre judeus e palestinos, tarefa já entregue a um "quarteto" de alto nível composto pelos EUA, a comunidade europeia, a Rússia e a ONU? Como era de esperar, o oferecimento foi rejeitado pelos dois lados.Lula certamente não contava com isso, mas, esperto como é, tampouco se julgaria capaz de resolver tão complexo problema. O que lhe interessava era posar de estadista preocupado com as grandes questões mundiais. É o mesmo cara que inaugura obras não concluídas e acha que só um retardado mental faz greve de fome para valer.
Teme a era pós-Lula.
PSDB terá palanque próprio em 15 Estados
Contando com o apoio de candidatos da base aliada, tucanos garantem apoio a Serra em 24 dos 27 Estados brasileiros
Christiane Samarco
O PSDB nunca disputou uma eleição presidencial com estrutura política tão ampla Brasil afora. José Serra apresenta sua candidatura no Encontro Nacional que o PSDB, o DEM e o PPS promoverão em Brasília, no dia 10, com um trunfo inédito entre os presidenciáveis tucanos dos últimos 21 anos: palanques competitivos para sustentar a candidatura em 24 dos 27 Estados.
O PSDB já construiu candidaturas próprias em 15 Estados e costurou parcerias com aliados de outras nove unidades da federação.
"Teremos o melhor resultado eleitoral de todos os tempos para governos estaduais", prevê o deputado Jutahy Júnior (BA). Linha de frente da campanha de Serra ao Planalto, Jutahy lembra que, quando Fernando Henrique Cardoso concorreu à Presidência em 1994, só contou com o apoio de um governador tucano: Ciro Gomes, do Ceará. Mas no embalo do real e com a bandeira forte do fim da inflação, seis tucanos elegeram-se com FHC para comandar Executivos estaduais.
A maior bancada de governadores do PSDB teve sete integrantes, eleitos em 1998, façanha repetida pela legenda em 2002. Na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, apenas quatro tucanos venceram nos Estados e um deles - Cássio Cunha Lima, da Paraíba -, ainda acabou cassado em novembro de 2008, por abuso de poder econômico na campanha.
Desafio. Guerra avalia que a primeira etapa da corrida presidencial está cumprida, com a montagem das alianças, mas alerta que ainda é cedo para comemorações. "Falta a segunda etapa, que é a mais difícil e resume o grande desafio que teremos à frente: fazer com que todos esses palanques trabalhem para Serra nas áreas de grande influência do presidente Lula, onde a ministra Dilma tem mais força eleitoral."
Em se tratando de uma adversária cujo padrinho desfruta da simpatia de 80% do eleitorado, resta ao tucano o consolo de saber que ao menos não há brigas entre os aliados onde a força política do presidente petista é maior. Na eleição passada, o candidato do PSDB teve de enfrentar o favoritismo de Lula no Nordeste, em clima de guerra na aliança em Estados como o Ceará e a Bahia, agora pacificados.
No Rio Grande do Norte, onde o DEM do senador José Agripino vem de uma vitória sobre Lula na eleição municipal, quando ajudou a eleger Micarla de Sousa prefeita de Natal, o tucano Geraldo Alckmin também não teve nenhuma estrutura de campanha. O PSDB local chegou a declarar neutralidade na corrida presidencial.
Sem palanque. Os três Estados em que ainda não há palanque montado para Serra são Ceará, Amazonas e Distrito Federal. Mesmo assim, a cúpula do PSDB está convencida de que, no conjunto, a situação eleitoral do tucano é bem melhor agora, do que foi na candidatura presidencial de 2002. "Se palanque em si ganhasse eleição, Lula e Fernando Collor não teriam ido para o segundo turno em 1989 e a batalha final teria sido travada entre Ulysses Guimarães (PMDB) e Aureliano Chaves (PDS)", argumenta o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM).
A seu ver, a tese de que não existe palanque onde não há candidato a governador está velha e ultrapassada. "Isto é coisa dos anos 50 e a política mudou muito desde os tempos de JK. O palanque do Serra no Amazonas sou eu, pedindo votos a ele onde quer que eu vá", diz Virgílio.
A grande diferença agora, em relação à candidatura de 2002, é que, naquela ocasião, Tasso Jereissati não pediu votos para Serra. A cúpula tucana afirma não ter dúvidas de que, desta vez, ele vai se engajar na campanha. Além disso, o tucanato aposta nas dificuldades que a adversária terá no Estado graças à operação Ciro Gomes, em que o Planalto o pressionou a mudar o domicílio eleitoral para São Paulo.
"Ciro deve estar percebendo que não está no meio de amigos", afirma Virgílio. O senador está convencido de que o candidato do PSB foi "usado, e não valorizado" pelos petistas do Congresso e do Planalto, que preferiram "a invenção Dilma" ao "candidato real".
Palanques pelo País
PSDB terá candidatos próprios na maioria dos Estados
15 Estados terão candidatos tucanos na corrida eleitoral estadual deste ano
9 Estados terão chapas encabeçadas por aliados, na maioria pelo DEM, que devem garantir palanque a Serra
Serra abre 9 pontos de vantagem sobre Dilma
Em pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial, governador de São Paulo sobe e atinge 36% das intenções de voto, contra 27% da adversária
Daniel Bramatti
Na primeira pesquisa feita após assumir que é candidato à Presidência, o tucano José Serra ampliou de quatro para nove pontos porcentuais a vantagem sobre a petista Dilma Rousseff.
Em um mês, as intenções de voto no governador de São Paulo subiram de 32% para 36%, em um cenário que inclui ainda Ciro Gomes (11%) e Marina Silva (8%), segundo os números do instituto Datafolha. Já o índice de preferências pela ministra da Casa Civil parou de subir - passou de 28% para 27%.
O levantamento foi feito entre os dias 25 e 26 de março. Na semana anterior, em entrevista de grande repercussão no programa de José Luiz Datena, na TV Bandeirandes, Serra falou como candidato. Confirmou, por exemplo, a saída do cargo de governador "no começo de abril". Disse ainda que a escolha de seu companheiro de chapa seria feita "no fim de maio, junho".
Na divisão do eleitorado por regiões, foi o Sul o principal responsável pela ascensão do governador paulista. Lá, ele subiu de 38% para 48%, enquanto Dilma caiu de 24% para 20%. No Nordeste, única região em que a petista lidera, sua vantagem caiu de 14 para 10 pontos.
O grande trunfo de Serra em relação a Dilma ainda é o eleitorado feminino. Entre as mulheres, ele lidera com 15 pontos de vantagem (37% a 22%), seis a mais do que em fevereiro. Entre os homens, o tucano está apenas três pontos acima da adversária (35% a 32%). No eleitorado de renda mais baixa, que recebe até dois salários mínimos, Serra também avançou. Saiu de uma situação de empate técnico para uma vantagem de nove pontos porcentuais (35% a 26%).
A pesquisa espontânea, na qual os entrevistados citam suas preferências antes de ver um cartão com a lista de candidatos, confirma a tendência de redução da parcela do eleitorado que cita o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como opção de voto.
Lula - que não pode se reeleger - tinha 20% das preferências em dezembro, caiu para 10% em fevereiro e oscilou para 8% em março. Dilma, na espontânea, aparece com 12%, à frente de Serra, com 8%.
Segundo o Datafolha, 14% dos eleitores dizem querer votar no candidato apoiado por Lula, mas ignoram que Dilma cumpre esse requisito.
Repercussão. José Serra não quis se manifestar sobre o levantamento. "Não vou ficar comentando cada pesquisa. Pesquisa é uma coisa que vai e vem."
Ao comentar os números, Marina Silva acusou Dilma e Serra de usar suas estruturas de governo para se promover. "Há desequilíbrio na divulgação. A Justiça já disse que a máquina está sendo utilizada."
Líderes tucanos comemoraram a pesquisa. "É fantasia do PT achar que as coisas estavam todas resolvidas para o lado da Dilma", disse o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
"A pesquisa é muito positiva para nossa campanha porque desmistifica a ideia de que havia uma tendência de queda de Serra e de um crescimento de Dilma", disse o deputado Jutahy Magalhães (PSDB-BA), um dos coordenadores da campanha presidencial tucana.
Governistas também avaliaram como "positiva" a pesquisa Datafolha. Na opinião do deputado José Genoino (PT-SP), os números mostram que o nome de Dilma está consolidado entre o eleitorado. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), destacou o "potencial de crescimento" da ministra revelado pela pesquisa espontânea.
Colaboraram Eugenia Lopes e Rafael Moraes Moura
Serra abre nove pontos sobre Dilma
O governador de São Paulo e pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, voltou a crescer e tem 36% de intenções de voto, nove pontos à frente da pré-candidata petista Dilma Rousseff, que está com 27%, segundo pesquisa Datafolha
Pesquisa mostra Serra com 9 pontos à frente de Dilma
Segundo Datafolha, tucano tem 36% e petista, 27%
Luiza Damé
BRASÍLIA. O tucano José Serra abriu nove pontos de vantagem sobre a petista Dilma Rousseff, na disputa pela sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem, se a eleição fosse agora, Serra teria 36% dos votos, contra 27% de Dilma, no cenário com Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV). Serra subiu quatro pontos em relação à pesquisa anterior, realizada há um mês, e Dilma oscilou um ponto para baixo. A margem de erro é de dois pontos percentuais parar mais ou para menos.
A pesquisa foi realizada nos dias 25 e 26 de março, com 4.158 eleitores. Ciro teria 11%, e Marina, 8%. Votos em branco e nulos ou não sabe somariam 18%. A recuperação de Serra se deu principalmente na Região Sul, no eleitorado mais pobre e entre as mulheres.
A candidatura de Dilma, que na pesquisa de fevereiro registrara crescimento nas cinco regiões do país, neste levantamento perde para Serra nos principais critérios. O tucano lidera em todas as regiões, nas cinco faixas salariais pesquisadas, por escolaridade e por sexo. Num eventual segundo turno, o tucano venceria com 48% . A petista teria 39%.
Tanto o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), como o do PT, José Eduardo Dutra, consideraram bom o resultado do levantamento.
O líder tucano disse que a pesquisa Datafolha confirma pesquisas feitas pelo PSDB.
O tucano destacou o crescimento de Serra no Sul e no Sudeste, além do fato de Dilma ter estacionado no Nordeste. E afirmou que a candidatura de Serra nem foi lançada oficialmente, o que ocorrerá em 10 de abril. Para Guerra, a tendência é de crescimento maior da candidatura de Serra, assim que o debate eleitoral passe a ser entre ele e Dilma, sem a presença de Lula.
A notícia é boa, mas a melhor de todas é que a alegria do PT está furada. O viés de crescimento (da candidatura Dilma) não se confirmou. E nós ainda nem lançamos a candidatura do Serra. A lógica é que ele cresça mais e consolide mais sua posição comemorou Guerra.
Já Dutra ressaltou a liderança de Dilma na pesquisa espontânea quando não é apresentada a lista de candidatos aos eleitores. Segundo o Datafolha, Dilma teria 12%, seguida de Lula e Serra, com 8% cada. O candidato de Lula teria 3%. Ciro, Marina e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, foram lembrados por 1% dos entrevistados.
O petista disse que o resultado da pesquisa está dentro do previsível e que, a seis meses do pleito, o levantamento serve mais para mostrar se o rumo da candidatura está certo.
Dutra afirmou que mantém a previsão de que Dilma e Serra chegarão empatados na eleição de outubro: Nosso trabalho está no rumo certo. Temos uma candidata competitiva, mas esta será uma eleição disputada. Quem achar que a eleição será fácil para um lado ou para o outro vai dar com os burros nágua.
No cenário sem Ciro, os três principais candidatos sobem: a vantagem do tucano para a petista passaria para dez pontos percentuais. Serra teria 40%, Dilma, 30% e Marina, 10%.
Serra e Dilma empatam na base lulista
Entre os eleitores que aprovam o governo, 33% votam na petista, e 32%, no tucano
Só 58% dos eleitores sabem que Dilma é a candidata de Lula; Serralidera com folga entre quem julga o governo regular, ruim ou péssimo
Fernando Rodrigues
No levantamento realizado nos dias 25 e 26 deste mês, Dilma registra 33% de intenção de votos entre os eleitores que dão 76% de aprovação ao governo Lula. Já Serra obtém 32% dos votos nesse segmento. Ciro Gomes (PSB) recebe 11% dos votos dos eleitores que aprovam Lula, e Marina Silva (PV), 7%.
A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Esses números do Datafolha mostram que ainda está longe de se concretizar a transferência automática dos votos de Lula para sua candidata. Também fica mais nítida a estratégia de Serra, cujas declarações públicas têm sido elogiosas em relação ao atual presidente.
Outro dado relevante é o desempenho de Dilma entre os que consideram o governo Lula apenas regular (20% dos eleitores). Nesse grupo de eleitores não há empate: o Datafolha detectou uma grande vantagem de Serra, que recebe 51% das intenções de voto, contra apenas 9% da petista. Com 10% cada um, Ciro e Marina estão numericamente à frente de Dilma.
Entre os 4% que consideram o governo Lula ruim ou péssimo, Serra lidera com folga, atingindo 48%. Nesse segmento, Marina vem a seguir (11%), seguida por Ciro (8%) e Dilma, que está em quarto lugar (5%).
O Datafolha mostra também que Dilma não se ressente mais de ser uma pessoa pouco conhecida dos eleitores: 87% já dizem conhecê-la de alguma forma, ainda que apenas de ter ouvido falar a seu respeito. Ou seja, não é por ser desconhecida dos eleitores que a petista estaria impedida de melhorar sua taxa de intenção de votos.
Serra tem um percentual mais alto, com 97% dos eleitores dizendo conhecê-lo. Ciro tem 93%, e Marina, 52%.
Um fato a contribuir para Dilma estar agora estacionada na pesquisa é que só 58% dos eleitores sabem que ela é a candidata de Lula; 5% acham que o atual presidente apoia Serra. Esses percentuais pouco se alteraram de dezembro para cá.
Por uma cabeça:: Rubens Ricupero
As lições do Plano Cruzado no governo Sarney serviram, oito anos depois, para ajudar no êxito do Plano Real
Faltou muito pouco para que o governo Sarney derrotasse a inflação logo no início da Nova República. Ao lado do presidente assisti, do ônibus que nos conduzia à comemoração do primeiro aniversário da morte de Tancredo em São João Del Rey, à alegria da multidão cansada de sofrer que ocupava cada palmo da estrada desde o aeroporto de Barbacena. Não foi daquela vez, mas, como de tudo fica um pouco, as lições do Plano Cruzado serviram, oito anos depois, para ajudar no êxito do Plano Real.
Sarney foi audacioso com a inflação e voltaria a sê-lo ao suspender o pagamento da dívida. É fácil hoje dizer que não se deveria ter chegado a tanto. Os tempos eram, porém, heroicos e havia poucas alternativas. No recém-publicado diário da viagem de Tancredo, pode-se ver que ele mesmo, a encarnação da prudência, admitiu que poderia ser obrigado, contra a vontade, a romper com o sistema financeiro internacional.
Foi em Washington, quando o secretário de Estado Shultz lhe comunicou que o FMI (Fundo Monetário Internacional) ia denunciar o acordo com o governo Figueiredo, impedindo que se concluíssem as negociações com os bancos privados e o Clube de Paris. O presidente tomaria posse com tudo em aberto e a dívida externa desestabilizaria um governo que, em vez de atender um mínimo de expectativas de país estagnado há anos, teria de sacrificar ainda mais as pessoas para pagar aos banqueiros.
Na época, o Departamento do Tesouro do governo Reagan é que ditava a política do FMI para a América Latina, e a orientação era sempre a mesma: extorquir o máximo para satisfazer aos banqueiros. Já tinha começado o domínio dos bancos sobre o governo dos Estados Unidos, que acabou dando nesta crise pavorosa. Um após outro, Argentina, Peru, Brasil, todos tiveram de pagar sua libra extra de carne fresca aos Shylocks da banca de Wall Street.
De Tancredo a Sarney, é nítida a continuidade. Não bastasse a dívida, Sarney teria o choque, no seu primeiro Sete de Setembro no Planalto, de saber que os Estados Unidos se aprestavam a aplicar sanções ao Brasil devido à Lei de Informática. A total ausência de colaboração não evitou que se aprovasse a Constituição mais democrática e avançada de nossa história, nem impediu que se desenvolvesse política exterior inventiva, base do melhor que se fez até agora: o reatamento com Cuba, resgate da última hipoteca da diplomacia ideológica do regime militar, a adesão a todas as convenções internacionais de direitos humanos, a prioridade não apenas retórica mas de realizações com a Argentina e a América Latina.
O eixo Sarney-Alfonsín permitiu concluir acordos de integração graduais e equilibrados (elaborados por Samuel Pinheiro Guimarães), cuja preservação teria evitado as distorções do atual Mercosul. Contudo o principal foi criar uma diplomacia de paz cuja força provinha da defesa firme da democracia e dos direitos humanos que ambos acabávamos de recuperar. Seu legado mais perene foi gerar as condições para liquidar os sinistros e insensatos programas nucleares secretos de militares dos dois países.
Nas condições adversas da Guerra Fria, da crise da dívida, do agravamento da inflação, venceu-se o desafio da morte de Tancredo e criou-se a base institucional e diplomática para o que hoje se colhe. Com um pouco mais de apoio, inclusive externo, talvez a colheita pudesse haver começado mais cedo.
Rubens Ricupero , 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
Em festa na Baixada, Gabeira ataca Cabral
Pré-candidato diz que região será decisiva nas eleições e ironiza viagens do governador
Cássio Bruno
Em ritmo de campanha, o deputado federal Fernando Gabeira lançou ontem, em Nova Iguaçu, a sua pré-candidatura ao governo do Rio pelo PV na Baixada Fluminense, região composta por 13 cidades e com cerca de3, 5 milhões de eleitores. No evento organizado por aliados da coligação PV/DEM/PPS/PSDB, Gabeira atacou o adversário e governador Sérgio Cabral (PMDB), que concorrerá à reeleição em outubro.
Há um governador que vai para Paris e que não vem à Baixada Fluminense. Eu não preciso ir para Paris, já vivi muito por lá. Eu vou estar na Baixada, com vocês prometeu o deputado, que esteve na capital francesa durante a ditadura militar.
O encontro foi realizado no estacionamento de uma casa de festas e contou com a presença de pelo menos 500 pessoas, que exibiam camisetas e bandeiras com as inscrições Vem ser Gabeira. Movimento Nova Iguaçu abraça Gabeira.
No discurso, o pré-candidato destacou que a Baixada será decisiva para eleger o novo governador fluminense.
Estamos iniciando um momento de campanha eleitoral em que o poder vai ser julgado.
E qual é o fiel da balança? Onde vão se ganhar e perder as eleições? Na Baixada Fluminense. Quem conseguir a admiração, o apoio e a confiança da Baixada vence as eleições. Mas não se conquista isso para depois dar as costas.
Tem que ter compromisso com esse povo afirmou.
Gabeira lembrou a polêmica envolvendo a Emenda Ibsen, que retira do Rio uma arrecadação, oriunda da exploração do petróleo, de R$ 7 bilhões: O governo do estado está lutando, e eu também, mas queremos transparência. Queremos saber onde está sendo gasto (os royalties).
Deputado fará reunião hoje para minimizar crise Participaram do ato os deputados estaduais do PSDB, Luiz Paulo Correa da Rocha e Mario Marques, e o deputado federal Otávio Leite, do mesmo partido, além de dirigentes do PV e do PPS da Baixada e do interior do estado.
O evento contou ainda com aliados do deputado federal e ex-prefeito de Nova Iguaçu Nelson Bornier, do PMDB de Sergio Cabral, entre eles o ex-vice-prefeito Eduardo Gonçalves.
No fim, a jornalistas, Gabeira disse que terá hoje um encontro com integrantes da coligação que resistem a sua aproximação com o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM), pré-candidato ao Senado. O objetivo da reunião será tentar minimizar a crise
União não fiscaliza mais de R$ 17 bi em repasses
Para TCU, atraso nas prestações de contas favorece a corrupção
O governo federal não sabe o destino de R$ 17,3 bilhões repassados a estados, municípios, ONGs e centrais sindicais.
Levantamento do Tribunal de Contas da União mostra que, em outubro de 2009, 44.819 prestações de contas sobre o dinheiro aguardavam o exame de órgãos federais, informa REGINA ALVAREZ. O volume de recursos sem fiscalização subiu 30% em relação a 2008, quando projetos com prestações de contas abertas somavam R$ 13,342 bilhões. Sem fiscalização, é impossível saber se a verba foi aplicada corretamente nos projetos financiados pela União, assim como punir eventuais desvios.
O TCU vem alertando para o problema, afirmando que ele põe em risco os convênios e favorece a corrupção.
R$ 17 bi sem fiscalização
TCU aponta atraso em 44,8 mil prestações de contas de repasses feitos pela União
Regina Alvarez
BRASÍLIA - As promessas do governo de melhorar a fiscalização dos recursos públicos repassados a estados, municípios e entidades do terceiro setor ONGs, sindicatos e centrais sindicais, entre outras permanecem no discurso. Em outubro de 2009, o estoque de prestações de contas de convênios sem análise por parte do governo chegava a R$ 17,352 bilhões, 30% acima do valor de 2008 R$ 13,342 bilhões. Um levantamento inédito do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que em outubro passado44. 819 prestações de contas aguardavam exame de órgãos federais repassadores dos recursos, relativas a convênios encerrados até 2008. Esses órgãos teriam obrigação de fazer a fiscalização.
Sem essa análise, não dá para saber se os recursos foram aplicados corretamente nas obras e projetos financiados com recursos da União, nem punir eventuais desvios. A falta de fiscalização do uso desses recursos as chamadas transferências voluntárias favorece a corrupção, como no caso do escândalo das ambulâncias, em 2006, quando foram desviados bilhões dos cofres federais.
Em junho passado, o TCU aprovou as contas do governo Lula de 2008 com ressalvas, alertando que a demora no exame das prestações de contas das transferências voluntárias resultava em um quadro de grave risco para a celebração de convênios.
O Tribunal vem alertando para o alto número de prestações de contas sem exame desde 2006. Em resposta à cobrança do controle externo, o governo anunciou, em 2008, a criação de um sistema informatizado de controle e fiscalização dos convênios, o Siconv.
Em fevereiro de 2008, portaria interministerial assinada pelos titulares das pastas do Planejamento, Fazenda e Controladoria Geral da União (CGU) determinou o arquivamento de prestações de contas com mais de cinco anos e em valores abaixo de R$ 100 mil. E, no mesmo ato, criou uma força tarefa estabelecendo prazo de dois anos para o exame do estoque de prestações de contas em atraso, que, em dezembro de 2007, chegava a 37.949, totalizando R$ 8,4 bilhões.
O prazo de atuação da força-tarefa encerrou em fevereiro deste ano, mas os técnicos do TCU constataram que o problema ficou ainda mais grave, já que o estoque de prestações de contas cresceu substancialmente nesse período.
TCU quer saber motivo do atraso
Em julho de 2009, o plenário do TCU já havia aprovado proposta do ministro Raimundo Carreiro determinando que só os órgãos públicos com condições técnico-operacionais para analisar as prestações de contas poderiam formalizar novos convênios, mas a determinação foi ignorada pelo Executivo.
Agora, o ministro Carreiro decidiu encaminhar pedido de informações aos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e Controladoria Geral da República (CGU), encarregada geral da fiscalização, cobrando justificativas para os atrasos. Se os órgãos federais não conseguirem dar explicações convincentes podem ser multados.
Se os órgãos têm estrutura para analisar os convênios na hora de liberar os recursos, têm que ter estrutura para analisar as prestações de contas dentro do prazo diz Carreiro.
Internamente, a avaliação dos técnicos do TCU é que a fiscalização dos convênios nãoé uma prioridade do governo, que mantém o foco na liberação dos convênios.
O portal dos convênios (Siconv) apresentado como alternativa para dar transparência e agilidade à fiscalização dos convênios, não está funcionando como deveria, dizem os técnicos.
O funcionamento do sistema, com implantação de todos os módulos, vem sendo adiado desde 2008. O último prazo apresentado pelo governo encerra em julho de 2010.
Técnicos que atuam na Comissão Mista de Orçamento e acompanham o repasse de verbas por meio de convênios consideram que o Siconv criou, na prática, mais dificuldades para a fiscalização das contas, pois retirou do Siafi acessos que permitiam um acompanhamento mais transparente dos repasses. O TCU também tem recebido reclamações de prefeitos que não conseguem acesso ao sistema.
Esperávamos que, uma vez implantado, fosse aberto e transparente, mas até agora só recebemos reclamações afirma o ministro Raimundo Carreiro, a respeito do Siconv.
Um estudo do especialista Romiro Ribeiro, da Consultoria de Orçamento da Câmara, mostra as várias falhas no controle e fiscalização das transferências voluntárias, como também nos critérios de liberação dos recursos. O estudo destaca, por exemplo, que prevalecem critérios políticos na liberação, feita, em muitos casos, por meio de emendas parlamentares.
No governo atual, tal controle centralizado está evidenciado na existência de órgãos estrategicamente situado na estrutura organizacional da Presidência da República com o objetivo de acompanhar, apoiar e recomendar medidas quanto à execução de emendas parlamentares, nos termos do artigo 6° do decreto 6.207/2007, diz o estudo, em referência à subchefia de Assuntos Parlamentares situada na Casa Civil, que coordena a liberação de recursos do Orçamento por meio de emendas.
Hora do futuro:: Míriam Leitão
A disputa eleitoral vai ocorrer numa economia crescendo, criando emprego, ampliando renda e crédito. O quadro favorece todos, principalmente o governo. Dilma poderá dizer que tudo é graças aos PACs; José Serra pode lembrar que foi mantida a política econômica do PSDB; Ciro Gomes foi ministro no começo do Plano Real; e Marina tem dito que sua proposta é consolidar os acertos de 16 anos.
A inflação está subindo e ameaçando pular para outros patamares, a atividade está aquecida: perigo numa economia que ainda não se livrou dos juros cronicamente altos. O câmbio está baixo, alimentando os discursos dos exportadores.
Os juros, pela ata do Copom, vão subir. Henrique Meirelles provavelmente terá encerrado seu longo período como presidente do Banco Central e será um teste interessante saber se o Copom continuará usando a mesma lógica para a sua tomada de decisões. Mas tudo isso não altera que o quadro é muito favorável.
O curioso é que a única que defendeu os fundamentos da política econômica, até agora, foi a candidata do Partido Verde, Marina Silva.
O governador José Serra discordava da política monetária e cambial desde que o PSDB era governo. O senador Sérgio Guerra deixou claro, em entrevista recente, que num eventual governo tucano haveria mudança da política monetária e cambial.
Mas só José Serra poderá dizer que cabe a seu partido a exclusividade na elaboração do plano que conseguiu vencer a inflação. A ministra Dilma Rousseff não deu jamais qualquer demonstração de apreço pela atual política econômica. Ela discorda da política fiscal, que é o ponto que José Serra não apenas manteria, como reforçaria.
Dilma é a favor da ampliação do gasto público, desconhecendo os riscos que isso representa. Confia que está baseada na doutrina vencedora do Keynesianismo e ignora o fato de que o economista inglês defendeu o gasto público em momentos específicos, e não o gasto pelo gasto, assim sem limites e sem controle.
Quando Antonio Palocci ainda era ministro da Fazenda, ele fez a proposta de se atingir o déficit nominal zero.
Dilma recusou a ideia acusando-a de rudimentar, e dizendo que antes seria preciso combinar com os russos.
Na verdade, a ideia continua sendo excelente, e esta é uma boa hora para combinar qualquer coisa com os brasileiros sobre esse assunto: poupar mais quando o país está crescendo e a arrecadação subindo é política anticíclica. No discurso de campanha, ela pode até defender a política econômica, mas estará se referindo não ao kit metas de inflação-câmbio flutuante-Banco Central independente-superávit primário.
Estará se referindo ao aumento dos gastos públicos, presença crescente dos bancos públicos na economia, empréstimos abundantes do BNDES para a formação dos campeões nacionais, criação de novas estatais, tudo aquilo no qual realmente acredita.
O candidato Ciro Gomes poderá dizer que está na origem do Real porque foi o ministro que assumiu o cargo num momento de extrema dificuldade do plano econômico: com meses de vida e uma crise de credibilidade.
Mas também poderá criticar os pontos que considerar pouco populares. As críticas aos juros altos são sempre um sucesso de bilheteria, mas se fizer isso, Ciro ficará no mesmo campo do seu arqui-inimigo José Serra, que tem criticado os juros desde sempre.
Ciro está numa posição confortável: foi ministro no começo do real, foi ministro do governo Lula; pode elogiar o que deu certo nos dois governos. Pode também criticar, porque hoje ele é o único que tem feito isso, dado o estranho comportamento do candidato do maior partido de oposição.
José Serra, prisioneiro do dilema criado pela alta popularidade do presidente, decidiu abdicar das opiniões próprias sobre qualquer assunto que não seja a dupla juros-câmbio. Não se sabe o que o candidato de oposição pensa da política externa conflituosa e confusa do governo Lula, ou da mudança de um modelo de exploração de petróleo que deu certo por 10 anos, ou do excessivo crescimento do gasto público, do aumento da carga tributária, ou qualquer erro cometido pelo governo. É da natureza da democracia que a oposição registre seus pontos de discordância e apresente seu projeto para o futuro, para que o eleitor possa, comparando, decidir. A campanha tucana está tão perdida que uma das ideias é usar como mote a defesa do emprego. Fará isso em meses nos quais o Brasil estará com problemas pela falta de mão de obra em vários setores.
Seria melhor mostrar os erros cometidos na tortuosa política educacional do governo Lula. É isso que nos faz chegar ao ponto de faltar trabalhador, com o país ainda com 7% de desemprego.
Quem terá menos espaço para fazer essas críticas e que talvez mais queira fazê-las será a ministra Dilma Rousseff. Ela terá que seguir na linha ilusionista do presidente Lula de atribuir ao governo tudo o que deu certo na história deste país e culpar os governantes dos últimos 500 anos pelos erros e falhas do atual governo.
Marina Silva tem dito que é preciso consolidar o que deu certo na área econômica e social dos governos anteriores e fazer uma proposta para o futuro, onde ela tem uma ideia forte, construída em 30 anos de defesa das bandeiras ambientais. De qualquer maneira, será provocada a detalhar melhor o que apoia em cada parte do passado. Uma das bases da estabilidade econômica foi conseguida com leis contra as quais votou, como a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O melhor da economia este ano é que ela não será fator de perturbação do debate político. Nem inflação descontrolada, nem dólar em disparada, nem país à beira de algum colapso. Momento mais que perfeito para discutir o futuro. Será uma pena se for feito um plebiscito entre o passado e o passado pretérito.
Emoções do dia-a-dia::Graziela Melo
Que
Não foram
Ditas
Abraços
Que
Não foram
Dados
Beijos
Hipotéticos
Apenas
Imaginados
Palavras
Tantas vezes
Repetidas...
Gestos doces
Quase tímidos
Desarmados...
Figuras
Tão sombrias
Lembranças
Tão tardias...
Saudades tantas
Agonia...
Emoções
Do dia-a-dia!
Não há Justiça sem poder:: Amartya Sen
Pouco explorada atualmente, temática da falta de representação e capacidade de ação das pessoas nos rumos da sociedade é o grande empecilho que a Justiça precisa eliminar
As teorias vigentes sobre a Justiça na filosofia política dominante de hoje são muito dependentes de uma maneira de pensar iniciada por Thomas Hobbes no século 17, concentrada excessivamente num hipotético "contrato social" que pessoas de um Estado soberano tenham endossado. Esse contrato supostamente identifica as "instituições justas" necessárias. A abordagem "contratualista" é a influência dominante na filosofia política contemporânea e seu foco limitado estreitou indevidamente a análise da Justiça ? e distanciou a teoria do real.
Ao contrário da tradição contratualista, outros teóricos iluministas (Adam Smith, o marquês de Condorcet, Mary Wollstonecraft, Karl Marx e John Stuart Mill, por exemplo) adotaram uma diversidade de abordagens que compartilhava um interesse comum, centrado na vida real.
O que ocorre às pessoas depende não só de instituições, mas também de outras influências - em particular, o comportamento e as interações sociais dessas pessoas.
Essa abordagem alternativa tem muito a oferecer à filosofia política contemporânea e também a nossas práticas e políticas reais.
Se nossa atenção deve ser nas vidas das pessoas, a questão que imediatamente surge é como compreender a riqueza e a pobreza. A perspectiva que tentei seguir se concentrou, sobretudo, nas várias formas de liberdade de que as pessoas desfrutam. Isso difere enormemente de outras abordagens para avaliar as demandas de Justiça: por exemplo, olhar o cumprimento de certos direitos formais que as pessoas deveriam ter e se esses direitos são ou não realmente exercidos.
Muitos desses direitos podem ter uma regra instrumental para promover vidas sociais mais livres. No entanto, a busca de Justiça certamente não deveria parar por aí.
As liberdades individuais podem ser vistas como um compromisso social. E isso requer que o Estado desempenhe um papel realmente ativo na promoção da liberdade, para as pessoas fazerem o que valorizam.
Liberdade e potencialidades. Se é importante não se restringir à leitura da liberdade dentro do libertarismo, a necessidade de ir além do pensamento utilitário para satisfazer prazeres ou desejos não é menos forte. Mesmo que pessoas cronicamente carentes - os irremediavelmente pobres ou os que estão há muito tempo desempregados - aprendam a aceitar e a se acomodar alegremente a seus estilos de vida carentes, essa alegria cultivada não eliminará a privação real de liberdade que continuam a padecer.
Um sistema de eliminação da pobreza que se concentre apenas no baixo nível da renda, em particular se a renda de uma pessoa - ou de uma família - está abaixo da linha de pobreza, considerará a limitação de ganho, mas não a limitação de conversão. Isso poderá comprometer basicamente o programa de alívio da pobreza.
O que dizer do poder, conceito que se relaciona estreitamente à ideia de liberdade?
Dizer que uma pessoa é desprovida de poder para reverter o tipo de negligência que vem sofrendo também pode ser expresso numa linguagem de potencialidade: ela não é capaz de reverter a negligência que sofre.
Mas há algum vigor evocativo e força retórica na linguagem do poder, particularmente ao tratar da falta de poder, à qual a palavra "potencialidade", que é realmente um termo da arte, não consegue se equiparar. Analisar "poder" e "falta de poder" deve ajudar a se alcançar uma melhor compreensão do mundo dividido em que vivemos.
A ira e amarga ironia de Mary Wollstonecraft sobre a submissão de mulheres complementou seu raciocínio frio contra a hierarquia de gênero em seu clássico A Vindication of the Rights of Woman ("Em defesa dos direitos da mulher", em tradução livre), de 1792.
Ou tomem-se as observações de Steve Biko sobre "falta de poder" na África do Sul refém no apartheid nos anos 1970. "A falta de poder produz", disse Biko, "uma raça de mendigos que sorri para o inimigo e o xinga no santuário de seu banheiro. Que grita "Baas" (senhor) voluntariamente durante o dia e chama o homem branco de cachorro em seus ônibus quando vai para casa."
Se a falta de potencialidade de qualquer tipo é motivo de preocupação, as relacionadas à incapacidade da pessoa de agir livremente ou falar abertamente por causa do poder alheio têm uma urgência especial. Essa é uma preocupação importante na promoção de liberdade e potencialidade, pois as sociedades envolvem conflitos além de camaradagem e apoio mútuo. A busca de justiça na promoção de liberdades e potencialidades nas vidas das pessoas precisa estar viva em ambas.
Tradução: Celso M. Paciornik
economista indiano, recebeu o Nobel de economia em 1998
Morte e vida Severina (Auto de Natal Pernambucano) – parte 5 :: João Cabral de Melo Neto
— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida Severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais Severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.
O martelo, a quem de direito - Entrevista com Denise Frossard
A despeito dos críticos e bem longe da toga, Denise Frossard defende a beleza e a sabedoria do tribunal do júri
SÃO PAULO - A juíza aposentada e ex-deputada federal Denise Frossard rega diariamente sua fama de durona. Não é vaidade. Tá bom, um pouco pode ser. Mas é, antes, força do hábito, assentamento de biografia. São tantos anos com um "corajosa" colado ao nome que ela não pode mais se livrar do adjetivo - nem se quisesse. Então, dá-lhe ardidez da mulher que em 15 anos de magistratura e quatro de Parlamento enfrentou bandidinho e bandidão, bicheiro, mensaleiro e todo tipo de cara feia.
Nessa semana em que o julgamento do caso Isabella levantou um debate paralelo sobre a legitimidade do tribunal do júri para casos de assassinato, Denise, de 59 anos, vem dizer: ele não só é bom como deveria ser ampliado; e juiz que critica o poder do povo de decidir o destino de seus pares está é se mordendo de ciúme.
Mas bravura tem limite. Não adianta insistir, ela detesta que contem que seu nome inteiro é Denise Frossard Pavarotti Loschi. Morre de medo de que as pessoas, conhecendo seu parentesco distante com o falecido tenor italiano, lhe peçam para cantar. Pois bem, não falemos mais disso. A seguir, trechos da entrevista que Denise Frossard concedeu, por telefone, ao Aliás.
Ciúme de vocês
Seleção Brasileira I
"A excelência do tribunal do júri está na mão do juiz togado, na sua condução do julgamento e, principalmente, na seleção que ele faz dos jurados. É ele quem escolhe os jurados do seu tribunal, de acordo com a população de sua comarca. Por exemplo, são de 800 a 1.500 jurados em comarcas de mais de 1 milhão de habitantes. Essa seleção - e o termo não é à toa, porque numa seleção só entram os melhores - é da maior importância para o êxito do tribunal do júri. Em comarcas pequenas, de 15 mil habitantes, digamos, o tribunal popular é perfeito. O juiz sabe quem é quem na cidade, os jurados conhecem bem o réu, sabem se ele matou ou não.
Em grandes metrópoles não dá para ao juiz conhecer de perto os escolhidos. Mas ele pode buscar informações objetivas sobre eles, pedir indicações. Eu pedia indicações a professores universitários, em repartições públicas, no Banco do Brasil, a gente da minha confiança. Até para meu médico eu perguntava se ele conhecia cidadãos de bem, equilibrados, que pudessem ser bons jurados no meu tribunal. Evitava pegar advogados, religiosos e trabalhadores autônomos como pedreiros e pintores de parede, porque, para estes últimos, atuar no júri representaria perder dias de trabalho, comprometeria seu sustento.
Seleção Brasileira II
"Feita essa seleção, os nomes vão para a urna geral e mês a mês o juiz sorteia os 25 que atuarão nos casos do mês seguinte. Isso acontece antes da publicação da pauta de julgamentos, portanto os 25 não sabem de antemão em que casos vão trabalhar. Nesse momento eu convocava uma reunião. Falava da importância deles, que eles julgariam no lugar de um profissional que dedicou a vida a isso, mas estava impedido por lei de fazer a parte do trabalho que mais desejava. Cabe ao juiz esclarecer também que a recusa de jurados no dia do julgamento não é um ato desabonador. Trata-se apenas de estratégia da defesa ou da acusação, o jurado não precisa se sentir diminuído se uma vez for recusado. O juiz deve deixar isso claro, para que o jurado continue dando a devida importância a sua participação, afinal pode vir a precisar dele em julgamentos futuros.
O peso da mídia
"Eu insisto: é a mão do dono da casa, o juiz presidente, que garante o sucesso do júri popular, inclusive em relação ao maior dos temores de hoje, que é o jurado influenciado pela mídia em casos de grande repercussão. Ele até pode chegar ao julgamento com uma avaliação pronta do caso, já achando que sabe como deve julgar. Mas na hora vai ter conhecimento dos autos, das provas técnicas, dos depoimentos, do comportamento do réu durante a audiência, de uma porção de fatos novos capazes de desmontar uma eventual avaliação prévia que tenha trazido de fora. Antes do julgamento o jornalista pode vender muito jornal. Mas ali dentro a história é outra. Eu nunca tive surpresa quanto à capacidade de um jurado discernir esse tipo de coisa.
O peso da tradição
"Há também o juramento, do qual decorre a seriedade dos jurados. É importantíssimo que o juiz mantenha o ritual e faça do juramento um momento solene. O peso da tradição deve se fazer sentir, tudo para aumentar a percepção da responsabilidade dos jurados. Ao lado da leitura da sentença, a constituição do júri é o momento mais importante do julgamento. O juiz diz: ‘Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir vossa decisão de acordo com vossa consciência e os ditames da Justiça’. Ao que os jurados, um por um, devem responder: ‘Assim o prometo’. Dali em diante eles farão justiça, devem se sentir juízes. E se sentem. Eu não me lembro de ter visto, no meu tribunal, uma decisão do júri que eu considerasse estapafúrdia. Foram todas da máxima sabedoria.
Técnica versus consciência
"Não é necessário ter conhecimento técnico das leis para julgar crimes contra a vida. O questionário, de cujas respostas sai a decisão dos jurados, é baseado estritamente nos fatos. São perguntas formuladas de forma simples e direta, às quais se deve responder ‘sim’ ou ‘não’. Isso é a fundamentação. As perguntas são feitas a partir das teses da acusação e da defesa. Portanto, o jurado responde sobre fatos. Sobre aquele fato e nenhum outro. Não precisa saber de exemplos anteriores nem posteriores. Além do mais, o réu sempre conhece a acusação. Ele sabe perfeitamente por que está ali. Portanto, há fundamentação, sim. Veja a beleza disso tudo. Vamos supor que esteja ali um réu que matou o estuprador da filha dele, meses depois do estupro. Um homem de bem até então, que nunca tinha cometido nenhum tipo de infração. Nesse caso ele é réu confesso de um homicídio. Se eu tiver de julgá-lo jamais poderei absolvê-lo, porque na letra fria da lei eu teria que lascar uma sentença condenatória nele. Mas o júri pode, porque decide de acordo com sua consciência, como determina a lei. Eu discordo que isso seja não justiça. Pelo contrário. A lei diz que, no tribunal do júri, os jurados são soberanos para fazer justiça segundo suas consciências, portanto podem se valer de seu histórico de vida, de suas crenças e convicções, para decidir.
Sem goleada
"Nos Estados Unidos é o juiz quem decide se o caso vai ou não ao grande júri. É uma boa ferramenta. Outra característica deles, melhor que a nossa, é a condenação por unanimidade. No Brasil, com sete jurados, pode ocorrer um 4 a 3. Uma condenação por maioria simples significa uma grande dúvida do júri. E não é dúvida sobre multa de trânsito. É dúvida que pode resultar em 30 anos de cadeia. O 4 a 3 pode comprometer o princípio que diz in dubio pro reo. Por isso considero o sistema americano melhor. Ele também permite que os jurados debatam entre eles até chegar a um consenso. Se não chegar, o juiz anula o processo e o promotor que venha com novos fatos. Se não vier, arquiva-se. Isso é muito civilizado.
A lenda
"No Brasil, o tribunal do júri só pode ser usado para crimes contra a vida e suas tentativas. Eu vejo apenas mais uma possibilidade para ele: crimes contra algo tão importante quanto a vida: a honra. Crimes contra a honra praticados pela imprensa. Porque corre uma lenda no Judiciário de que o juiz togado não gosta de condenar jornalista nem jornal. Porque o jornalista com uma penada julga, condena e aí não tem mais jeito. Eu não tenho problema com isso. Acho até que não é bom, pois avilta a imagem da imprensa, faz parecer que ela é sempre irresponsável. Mas, se a lenda for verdadeira, o tribunal do júri seria bom para esses casos. Você tiraria isso da mão do magistrado togado."