A educação tornou-se parte da agenda dos jovens; isso é novo e é bom – Luiz Werneck Vianna
Vejo aí uma diferença muito grande e positiva em relação ao tema de 2013, que era aquele clima contra os partidos e antipolítica em geral – Luiz Werneck Vianna
Por: Patricia Fachin, João Vitor Santos e Ricardo Machado / IHU On-Line
As manifestações estudantis da última quarta-feira, 15-05-2019, contra o contingenciamento dos gastos na área da educação, revelam que a pauta do ensino “está sendo posta na rua” e que “a educação tornou-se parte da agenda dos jovens. Isso é novo e é bom”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. Na avaliação do pesquisador, os protestos da semana passada são marcados por uma “diferença fundamental” das mobilizações de Junho de 2013. “Junho de 2013 tinha uma conotação antipolítica, que a manifestação de agora não tem. Ao contrário, o que se vê – e eu como professor universitário vejo com os estudantes iniciantes na universidade – é uma grande atração pelos partidos políticos; não pelos que existem, mas a necessidade de se ter partidos está muito presente entre eles”.
O professor Benedito Tadeu César observa que “o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio”. Ele se refere aos ataques e cortes de recursos para universidades, o que, na sua opinião, funcionou como uma espécie de catalisador para todas as insatisfações contra o atual governo. Entretanto, pontua que é cedo para associações com 2013, quando houve o que chama de um processo de “politização” que se voltou contra o governo de Dilma Rousseff. Agora, a imprensa endossa o clamor das ruas, mas com um objetivo muito claro. “Há uma estratégia que é bem traçada em que tudo deve se dirigir para possibilitar a aprovação da reforma da Previdência”, observa. “Não sei até onde eles irão nisso, pois querem tirar tudo da frente para aprovar essa medida, nem que seja o próprio presidente, por isso é preciso ficar atento”, acrescenta.
Na avaliação de Cléber Buzatto,”as mobilizações criam um campo político muito adverso” e poderão influenciar “significativamente na base parlamentar que poderia dar sustentação ao governo e às suas proposições”, criando “dificuldades para que o governo mantenha as atitudes extremamente agressivas contra os direitos da população brasileira”.
De acordo com Bruno Lima Rocha, as manifestações ocorridas em 15 de maio ilustram de forma surpreendente a primeira grande cruzada contra as políticas de austeridade que se iniciaram ainda no governo anterior. “No meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o ‘teto dos gastos’ e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que ‘acabou o dinheiro’”, pondera. Ao analisar o fenômeno em perspectiva com Junho de 2013, Rocha avalia que as mobilizações operam em “linha de continuidade na rebelião secundaristade 2015 em São Paulo – contra o fechamento de escolas públicas por parte do então governo Alckmin – e a ocupação de escolas públicas no início de 2016 – em Goiás e no Rio Grande do Sul, por exemplo – e na sequência, no final de 2016 – já no governo Temer - na ocupação dos campi universitários contra a aprovação da PEC 95 no Senado”, complementa.
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Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Seu depoimento foi concedido por telefone.
Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia. Atualmente trabalha como secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em Economia Política, doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Atua como docente de Ciência Política e Relações Internacionais e também como analista de conjuntura nacional e internacional. É editor do portal Estratégia & Análise, onde concentra o conjunto de sua produção midiática, analítica e acadêmica. É professor de graduação na Unisinos, nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo, e de Direito na Unifin.
Confira as entrevistas.
IHU On-Line - Que avaliação faz das manifestações de quarta-feira, levando em conta que essa foi a primeira grande mobilização no país depois de quatro meses de governo Bolsonaro?
Luiz Werneck Vianna – Foi uma manifestação extraordinária. A lembrança que me veio foi a de 1956, quando aconteceu outra manifestação de caráter nacional dos estudantes secundaristas por causa do aumento da passagem de ônibus no Rio de Janeiro. Chegou a um ponto tal que o presidente da República da época, Juscelino Kubitschek, chamou os estudantes para conversar e a partir dessa negociação a coisa se resolveu. Tenho uma memória muito forte disso porque eu era secundarista na época e participei de algum modo dessa manifestação como massa dos estudantes que estavam protestando. Foi um movimento que incendiou a imaginação dos estudantes na época. Vi uma cena das manifestações em Manaus na televisão, que me impressionou muito, porque era uma manifestação de estudantes secundaristas, muito jovens, uniformizados. Se chegou em Manaus nessa força e nessa idade, é porque isso vai ficar.
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Benedito Tadeu César – Foram se acumulando ações inconsequentes, impensadas que atingiram diversos segmentos da sociedade. Todo o governo tem um período de crédito, tem a legitimidade das urnas que lhe foi conferida e as pessoas ficam na expectativa. Mas, nesse governo, certas coisas foram se acumulando e atingiram um segmento que é formador de opinião e que hoje está ramificado em todo o Brasil. Só no Governo Lula foram criadas 18 novas universidades federais. Hoje, as grandes cidades brasileiras, e até as de porte médio, têm estudantes em universidades públicas.
E ainda mais: esse é um segmento de jovens, que pela própria condição de juventude tem um ímpeto maior de expor suas opiniões. Assim, quando esse segmento foi atingido, deu o troco. Fiz alguns comentários, logo que começaram os cortes, as agressões a universidades, e disse: o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio. E acho que não deu outra. O estopim foi aceso e as bombas estão explodindo.
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Cleber Buzatto - Considero que as manifestações da última quarta-feira, 15-05-2019, foram de grande importância pela amplitude de participação e abrangência, considerando todas as regiões do país em que elas aconteceram. Foi um momento especial que aponta para uma nova fase no processo de relação dos cidadãos brasileiros com este governo. Nós passamos por um período conturbado em que as forças populares estiveram retraídas do ponto de vista da mobilização social, mas as ações agressivas e antissociais por parte do governo Bolsonaro contribuíram para acelerar um processo de articulação e mobilização das organizações, movimentos, sindicatos e também das pessoas que não têm tanta articulação com movimentos. Acredito que as manifestações de quarta-feira servirão como um movimento de encorajamento para que outras manifestações possam acontecer nos próximos meses, seja acerca do tema da educação, da defesa da educação pública de qualidade, seja do ensino básico, superior e da pesquisa, ou relativamente a outras questões, como a da previdência.
Considero também de grande importância a participação de representantes de povos indígenas em diversas mobilizações no Brasil. Isso demonstra que os povos estão mobilizados em relação ao tema da questão fundiária, como eles já mostraram em outras ocasiões, como durante o Acampamento Terra Livre recentemente, que reuniu cerca de quatro mil indígenas em Brasília. Eles também estão mobilizados em relação ao tema da saúde, como mostraram as mobilizações que fizeram no mês de março em todas as regiões do Brasil. Isso demonstra que os povos estão muito atentos e estão tentando se articular com outras forças sociais. A participação dos povos indígenas nasmanifestações do dia 15 demonstrou mais uma vez a atenção e a disponibilidade deles de se manifestarem e se mobilizarem em defesa dos seus direitos e dos direitos coletivos da população brasileira.
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Bruno Lima Rocha – Foram positivamente surpreendentes. A convocatória ultrapassou a estimativa dos mais otimistas defensores da agenda da educação pública no Brasil. O fato doMinistério da Educação - MEC sob o governo Bolsonaro já estar no segundo titular da pasta, somado ao estilo do ministro Weintraub – acirrando os ânimos e mantendo o grau de provocação tipo bate boca nas redes sociais – e a tentativa de enquadramento que ameaçava a autonomia universitária (alegando “punir por balbúrdia”) motivou a unidade dentro do meio universitário e das vastas relações que esse ambiente tem com a educação brasileira. Diria que no meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o “teto dos gastos” e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que “acabou o dinheiro”. É preciso reconhecer que o grande motivador da jornada de protesto foi o próprio governo Bolsonaro, causador de suas próprias crises e gerando unidades possíveis: unidade da agenda universitária (liderada pelas federais, mas seguida pelas demais); tentativa de uma unidade da direita que se alega lúcida (ex. defendendo o austericídio mas contra a cruzada olavista); uma unidade que vai das posturas nacionalistas de defesa do patrimônio público até o protagonismo dos movimentos sociais da primeira linha (como o dos povos indígenas e movimentos afro). Enfim, 15 de maio foi um momento importante, através de uma pauta unificadora, onde até a direita não olavista-bolsonarista se viu na obrigação de reconhecer o mérito e a justiça da causa. A pesquisa científica e a capacidade instalada no meio universitário brasileiro têm capilaridade maior do que se imaginava no início do século XXI.