- O Estado de S. Paulo
Não a que aprofundou a degradação das instituições e falhou na direção do País
O último terremoto eleitoral trouxe-nos como resultado amplamente reconhecido o colapso do arranjo partidário que vigorou a partir de 1994. Tucanos e petistas, dois agrupamentos social-democratas imperfeitos, o primeiro pelo tênue enraizamento social, o segundo pela inclinação autoritária que lhe adveio da recuperação do cardápio nacional-popular, foram vencidos, em momentos sucessivos, pelo candidato percebido como expressão da raiva popular contra o “sistema”.
Apesar da fragilidade “orgânica” do partido do novo presidente, bem como do seu uso desenvolto das redes sociais, não temos por aqui a conformação daquilo que em outras latitudes se convencionou chamar, não sem ironia, de “leninismo online”, a saber, um vínculo intenso e exclusivo entre massas e líder, simulando uma democracia direta e ferindo de morte a representação. O sistema de partidos parece fadado a se reconstituir como tal, ainda que em termos diferentes do que até agora vimos e com um perfil que só provisoriamente podemos delinear. A política, velha ou não, resiste e o Parlamento permanece como local privilegiado de mediação e síntese.
Razoável acreditar que o quadro partidário volte a se organizar minimamente segundo o espectro de posições que conduz da direita à esquerda. Tentemos um rápido esboço.
A novidade é uma (extrema) direita que se assume como tal e até reivindica questionáveis tradições do autoritarismo pátrio, pondo-se também em sintonia com forças da nova “Internacional iliberal”. Menos mal que o faz em ambiente democrático, o qual impõe freios e contrapesos, como os Poderes separados e a imprensa profissional. Curiosa a mistura que essa direita propõe entre economia ultraliberal e valores conservadores, como se estes devessem garantir o mínimo de coesão que uma “sociedade de mercado” – conceito diferente do de “economia de mercado” – tendencialmente suprime. Mais um sinal inquietante das dificuldades da política?
Aqui mesmo, nesta página, tem havido, da parte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a defesa de um “centro radical” ou coerentemente “democrático e reformista”. Tema decisivo da política, o “centro”, na visão do ex-presidente, é mais do que uma área cinzenta entre extremos em que mediocremente se atenuam radicalismos e se fazem conciliações “pelo alto”. Trata-se, na verdade, de um lugar específico que possibilita a percepção dos problemas coletivos e das forças, frequentemente díspares, capazes de encaminhar soluções positivas. A controvérsia, muitas vezes dura, não estará ausente desse “centro”, razão pela qual nele, se não há radicalismo, pode haver radicalidade, vale dizer, a disposição de ir à raiz das dificuldades. Não por acaso, o ex-presidente repropõe regularmente o enfrentamento da desigualdade como o critério decisivo de quem se queira credenciar, agora ou depois, para o governo do País.