(Gilberto Gil e Chico Buarque de Holanda)
No espaço de tempo equivalente ao de uma quaresma, entre os meses de junho e julho desse 2022 inesquecível, a mobilização da sociedade civil brasileira em defesa da democracia mudou de patamar. À delicada e por vezes enervante esgrima das instituições contra o perigo que as ronda desde a eleição de Jair Bolsonaro, somou-se, há meses, o intrincado xadrez pré-eleitoral, necessário, mas não bastante. Agora a cidadania desce da arquibancada e dá início a um jogo coletivo para garantir sua ida às urnas.
Convém destacar o ponto a partir do qual a
fermentação de uma indignação contida começa a adquirir contornos de um basta.
Na bacia do Amazonas, na internacionalmente simbólica data de 5 de junho, Dia
do Meio ambiente; e em Foz do Iguaçu, no dia 9 de julho, assassinatos políticos
(no sentido socialmente mais relevante que pode ter esse adjetivo) provocaram, simultaneamente,
um coro de protestos na sociedade política e um ato público cívico e
interreligioso na Catedral da Sé da capital de São Paulo, estado que tivera seu
feriado constitucionalista histórico impactado pelo segundo crime.
No ato da Sé predominou a atitude de resistência e de defesa de direitos humanos, não faltando, desse modo, analogias com o momento histórico de lutas democráticas que estão a completar cinquenta anos. Compreensível, pois vinha sendo farejado, cada vez mais vividamente, pela nossa memória comum, nesses quase quatro anos de tensão e agressão, o monstro autocrático que parecia pronto a perpetrar seu mister de inverter a roda do tempo para mergulhar o país numa tragédia da qual a unidade cívica e política contra a ditadura e pela democracia o libertara há quatro décadas. Duas semanas após aaquele ato, a sociedade civil continua evocando seu bom combate do passado, mas eis que o monstro de chumbo atualíssimo emerge inteiro, escancarando o veneno de seus planos para embaixadores de todo o mundo dois dias após o ato da Sé e provoca descida mais efetiva da arquibancada ao campo aberto da participação cívica. Agora protestam contra o espetáculo grotesco não apenas a galera da geral e a parte da plateia comprometida com os sem-ingresso de sempre. As vaias partem até de cadeiras cativas.