domingo, 11 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta na dívida pública é preocupante

O Globo

Endividamento cresceu para quase 75% do PIB em 2023. Equilíbrio fiscal é essencial para controlá-lo

Um item das finanças públicas deveria interessar a todo cidadão: a dívida bruta do governo geral, que inclui governo federal, INSS, governos estaduais e municipais. Medido como proporção do PIB, esse número indica o peso do endividamento público e traduz seus principais efeitos negativos, em particular o volume de recursos necessários para pagar juros. Para pagar o que deve, o governo tem dois caminhos: gerar resultado fiscal positivo ou tomar mais dinheiro emprestado no mercado, pagando juros mais altos para isso. Com a sucessão de déficits fiscais nos últimos anos, o endividamento tem atingido patamares a cada dia mais preocupantes.

O Banco Central divulgou na quarta-feira o número para 2023. Com um aumento de 2,7 pontos percentuais em relação ao ano anterior, a dívida bruta alcançou 74,3% do PIB, ou R$ 8,1 trilhões — quase R$ 40 mil por brasileiro. É um resultado bem acima do considerado razoável para países emergentes com as características do Brasil.

Paulo Celso Pereira* - Esqueçam as baleias, foco nos golpistas

O Globo

Jair Bolsonaro começou a semana com uma bela carta na manga: era alvo de um inquérito para averiguar se ele molestara uma baleia. Sim, a mesma Polícia Federal que ficou notória por desbaratar esquemas bilionários de corrupção e por acordar políticos e empresários corruptos ao alvorecer — muitos já inocentados no desmanche da Lava-Jato, claro — se ocupa agora em analisar se Bolsonaro violou o disposto na Lei 7.643, de 1987, que impõe pena de dois a cinco anos de prisão, além de multa, para “molestamento intencional” de cetáceos.

O fim da semana, no entanto, recolocou no proscênio a investigação essencial envolvendo o ex-presidente da República: a apuração da tentativa de golpe de Estado que teve como ápice o 8 de Janeiro, mas começou a ser tramada muito antes. Golpe de Estado que não ocorreu, antes de mais nada, porque a maioria do Alto-Comando das Forças Armadas, a começar pelos comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, se negou a colocar as tropas nas ruas.

Dorrit Harazim - A galope

O Globo

É imperativo para a nação não esquecer o que foi o governo Jair Messias Bolsonaro. Esquecer seria o caminho mais fácil, trágico e ruinoso

Passou a ser fácil compor o retrato-síntese dos quatro anos de governo do 38º presidente da República Federativa do Brasil. Para adeptos de uma historiografia-relâmpago, basta analisar dois vídeos. Está tudo lá, escancarado. Um é de 22 de abril de 2020, o segundo data de 5 de julho de 2022.

O primeiro mostra a fatídica reunião ministerial do início de governo, em que um ruinoso elenco de comandados compete para se mostrar o mais obsequioso possível. Abraham Weintraub, ministro da Educação, sugeriu que ministros do STF deveriam ser presos; Ricardo Salles, do Meio Ambiente, defendeu “passar a boiada”; Paulo Guedes propôs “vender logo essa porra”, em referência ao Banco do Brasil; Damares Alves, titular da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, tampouco decepcionou o chefe. Mas foi ele, Jair Bolsonaro, que naquele dia fincou as estacas do seu mandato: precisava de um “sistema particular de informações” e de uma Polícia Federal para chamar de sua. Convém não esquecer.

Bernardo Mello Franco – O bloco dos trapalhões

O Globo

Conspiração contra a democracia uniu coronel assustado, político que escondia pepita de ouro e chefe de espionagem que falava demais

O comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército abriu a porta, viu um agente da Polícia Federal e desmaiou. Parece piada, mas aconteceu na manhã de quinta-feira, em Goiânia.

O tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida foi treinado para desestabilizar o inimigo, manipulando corações e mentes com técnicas de guerra híbrida. Ao se ver na mira da PF, ficou pálido, tremeu nas bases e perdeu os sentidos.

O oficial desfalecido foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, destinada a investigar a tentativa de golpe. A ação foi estrelada por outros personagens inusitados, como um político flagrado com ouro de contrabando e um chefe de espionagem repreendido por falar demais.

Augusto Heleno comandou o Gabinete de Segurança Institucional. Dava ordens ao diretor da Abin e era responsável pelo aparato de inteligência do governo de Jair Bolsonaro.

Elio Gaspari - O golpinho de Jair Bolsonaro

O Globo

Ex-presidente precisava de um apocalipse como prelúdio. Como o fim do mundo não veio, Lula está no Planalto e ele ficou sem passaporte

Todo golpe vitorioso pinta-se heroico (São Petersburgo, 1917, ou Brasil, 1964) e todo golpe fracassado é mostrado como ridículo (Moscou, 1991, ou Brasil, 2022). Nenhum dos quatro teve tanto heroísmo nem tantas trapalhadas como as que foram pintadas pela vitória e pelo fracasso.

O ex-capitão reformado nunca viu um golpe. Segundo o general Ernesto Geisel, foi “um mau militar”. (Geisel viu seis e ganhou com as brancas em cinco.)

O golpe de Bolsonaro era público. Ele precisava de um apocalipse como prelúdio. Como o fim do mundo não veio, Lula está no Planalto e ele ficou sem passaporte.

Pelo que se sabe até agora, Bolsonaro refinou o cenário em julho, numa reunião com três generais palacianos (Braga Netto, Augusto Heleno e Mário Fernandes), mais os ministros da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira e Anderson Torres, da Justiça. Todos acompanharam-no na condenação das urnas eletrônicas. O general Paulo Sérgio, que tinha oficiais na Comissão de Transparência do Tribunal Superior Eleitoral, foi preciso:

“Vou falar aqui muito claro. Senhores! A comissão é para inglês ver.”

Podia ter dito isso ao público, arrostando a contradita. Prático e clarividente, só o general Augusto Heleno:

“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. (...) Se tiver que virar a mesa é antes das eleições.”

Míriam Leitão - O livro aberto da identidade

O Globo

Escolas de samba do Rio fazem uma busca radical pelas raízes de um país que procura a si mesmo e não encontra

O Brasil é um país que procura a si mesmo e não encontra. Ponciá Vicêncio, personagem de Conceição Evaristo, é dada a ter uns vazios de si mesma. O Brasil é assim. Mas não desiste da busca, como Ponciá. Este carnaval no Rio tem isso. Dois dos enredos baseados em livros são radicais buscas de raízes. A Portela trará na segunda-feira a obra de Ana Maria Gonçalves, “Um defeito de cor”, uma viagem atrás da fonte negra e africana da nossa identidade. A Grande Rio traz, neste domingo, o livro de Alberto Mussa, “Meu destino é ser onça”, um relato do elemento tupinambá da porção indígena da brasilidade. O Salgueiro virá cantando o povo Yanomami e um verso que diz “tenho o sangue que semeia a nação original”.

Não importa, aqui, a disputa dos quesitos, o Brasil ganha sempre nesses mergulhos que o carnaval permite — em algumas escolas, em certos enredos — pelos muitos passados encobertos do país. Como cantou a Mangueira, em 2019, “Brasil, meu nego, deixa eu te contar a história que a história não conta”. Somos profundamente quem somos e nos desentendemos de nós.

Eliane Cantanhêde - Taí, uma boa pergunta de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Nos palácios, viagens e ruas, Bolsonaro só conspirava. A que horas governava?

Dúvida atroz após repassar vídeos das reuniões ministeriais, das viagens e dos quatro anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República: Quando ele estudava e discutia os planos para economia, educação, saúde, segurança pública, meio ambiente? Quando analisava gráficos e estatísticas sobre as diferentes áreas do País? Quando identificava as emergências, especialmente em comunidades e regiões miseráveis? Afinal, quando o presidente Bolsonaro trabalhava?

Em Brasília, ele reunia ministros, assessores e até desconhecidos, como em 5 de julho de 2022, exigindo, aos gritos e palavrões, união, ação e pressa para desacreditar o TSE e as urnas eletrônicas, espionar adversários a la Watergate e “virar a mesa” – leia-se: dar um golpe – antes das eleições, porque, depois, seria “um caos”. Em meio a generais e civis expoentes do golpe, hoje já bastante conhecidos, como o então ministro da Justiça, Anderson Torres, destacava-se alguém totalmente inesperado: o “Posto Ipiranga” do governo, Paulo Guedes.

Rolf Kuntz - Planejar para voltar à turma da frente

O Estado de S. Paulo

É preciso buscar muito mais que uma expansão econômica superior à estimada para 2024. É hora de redescobrir o longo prazo e o planejamento

Pesadão e emperrado, o Brasil continuará correndo no segundo ou terceiro pelotão da economia mundial, neste ano e no próximo, segundo projeções de entidades multilaterais, do mercado e também do governo brasileiro. As políticas sociais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem favorecer o consumo e estimular a atividade em 2024 e 2025, mas será necessário muito mais que isso para intensificar e prolongar o crescimento. Só se expande o potencial produtivo com muito investimento em infraestrutura, construção civil, incorporação de máquinas e equipamentos e formação de mão de obra. Mas o País continua deficiente em todo esse conjunto de requisitos.

Completadas mais de duas décadas, o balanço deste início de século é pouco entusiasmante. Do ano 2000 até novembro do ano passado, a taxa média mensal de investimento em capital físico ficou em 17,9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). A partir de janeiro de 2015 a média caiu para 16,4%. Esse quadro indica fragilidade do crescimento econômico e “liga um alerta para o futuro”, comentou a pesquisadora Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB-FGV.

Pedro Malan* - Os primeiros 400 dias de Lula III

O Estado de S. Paulo

Neste domingo de carnaval, vale lembrar a marchinha ‘Recordar é viver’ (1955), a propósito do programa Nova Indústria Brasil

O Brasil foi descoberto no dia 21 de abril, “dois meses depois do carnaval”, dizia a marchinha que encantou foliões no carnaval de 1934. Tudo, metaforicamente, ficaria para depois da grande festa nacional. Mas não foi assim este ano, em que ações da Polícia Federal ocuparam as primeiras páginas dos jornais, iluminando a importância de elucidar os eventos que levaram ao surreal 8 de janeiro de 2023. As rodas da economia e da política tampouco deixaram de girar com Executivo e Congresso em estado de alta tensão por causa da disputa sobre fatias do Orçamento.

Foi numa virada de fevereiro para março, logo após o carnaval de exatos 30 anos atrás, que o governo de então lançou a Unidade Real de Valor (URV). Essa unidade de conta era o embrião da nova moeda, que chegaria quatro meses mais tarde sob o nome de real e que viria a consolidar-se – esperemos – como a definitiva moeda nacional.

Neste início de fevereiro, o governo Lula completou seus primeiros 400 dias. Pode parecer pouco, mas o tempo da política não é igual ao tempo cronológico. Na política, como na guerra, dias podem valer semanas; semanas, meses; meses, anos. Foi também de 400 dias, por exemplo, o período decorrido entre o momento em que o presidente Itamar Franco nomeou FHC seu (quarto) ministro da Fazenda e o lançamento do Real. Aqueles 400 dias valeram por anos.

Celso Rocha de Barros - Bolsonaristas organizaram levante contra chefe do Exército

Folha de S. Paulo

General Freire Gomes teria se recusado a participar de golpe com Bolsonaro

Com a operação da Polícia Federal na última quinta-feira (8), começamos a entender as disputas ocorridas dentro das Forças Armadas durante a ofensiva golpista de Jair Bolsonaro.

O golpismo se torna mais aberto quando morre a desculpa das urnas eletrônicas. A PF tem prints de conversa de Mauro Cid, ajudante-de-ordem de Bolsonaro, em que ele admite que nada de consistente foi encontrado pelas auditorias nas urnas eletrônicas.

Seu interlocutor, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, conclui que, neste caso, será necessária uma quebra institucional. Se a preocupação com as urnas fosse legítima, a conclusão seria o exato contrário. Ferreira Lima encerra a conversa dizendo: "O povo está onde ele pediu. Ele prometeu, Cid".

O "Ele" que prometeu era Bolsonaro. E o ex-presidente tentou, sim, cumprir sua promessa golpista.

Bruno Boghossian - Medo da prisão está na origem da trama do golpe

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e auxiliares citavam cadeia como argumento para melar eleição e ficar no poder

Na reunião preparatória do plano golpistaJair Bolsonaro tentou cativar auxiliares com teorias da conspiração. Insinuou que o STF recebia propina para fraudar a eleição, falou de desarmamento e repetiu que o Brasil corria perigo de virar uma Venezuela. No meio de tudo, revelou que seu medo, na verdade, era terminar como uma boliviana.

O fantasma de Jeanine Añez assombrava Bolsonaro. Em discursos e conversas com auxiliares, ele citava com frequência a ex-presidente interina da Bolívia. Ela assumiu o poder em 2019, depois que militares pressionaram Evo Morales a renunciar, e foi presa dois anos mais tarde, sob acusação de golpe de Estado.

Hélio Schwartsman - É o clima, estúpido

Folha de S. Paulo

Livro mostra que clima é personagem central da história humana

"The Earth Transformed", de Peter Frankopan (Oxford), é uma obra importante. Ela coloca o clima como personagem central da história humana. Uma das figuras que mais aparecem ao longo das mais de 700 páginas do livro é Enos, a sigla para El Niño-Oscilação do Sul, um fenômeno relativamente regular, mas que pode ter grandes repercussões sobre a temperatura e a hidrologia do globo.

Muniz Sodré* - Uma massa falida

Folha de S. Paulo

No país tem mais templos do que escolas e hospitais, dá para confiar no povo?

O estarrecimento com a amplitude da intentona golpista não pode ser menor do que o da suspeita de esvaziamento da operação de socorro aos ianomâmis pelas forças, nem do fato de que os medicamentos foram achados numa fossa em Boa Vista. Estavam lá desde o governo passado. Esse grau de descompaixão, síndrome de sociopatia genocida, acrescenta-se aos elementos do reexame necessário para bem compreender o comportamento de uma larga fração do povo nacional de hoje. Um dado do Censo é sintomático: o país tem mais templos do que escolas e hospitais.

Ruy Castro - Economia da folia

Folha de S. Paulo

O Carnaval mobiliza milhões de pessoas e custa ou produz outros tantos em reais; nada é de graça

Um dia, alguém calculará o quanto o Carnaval movimenta de recursos e de pessoal para acontecer. Se puder.

Tudo o que se vê, por exemplo, num desfile de escola de samba teve de ser fabricado por alguém. E esse alguém significa muita gente. As fantasias, envolvendo trajes, luvas, meias, sapatos, chapéus e perucas, saem dos croquis dos figurinistas, passam pelos desenhistas e chegam aos chapeleiros, cortadeiras, costureiras, bordadeiras e aderecistas. Sabe por que alguns trajes parecem espelhar a avenida? Porque são feitos de espelhinhos grudados ao tecido, cortados pelos espelhadores. Criado o protótipo de cada fantasia, ela é reproduzida às centenas, um modelo para cada ala, por um exército de artistas e artesãos.

Poesia | Os ombros suportam o mundo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Nara Leão - Manhã de Liberdade