quarta-feira, 13 de abril de 2011

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

"Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de "classe C" ou de nova classe média. (?) É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições."

Fernando Henrique. “O papel da oposição", na revista "Interesse Nacional”, O GLOBO, 13/4/2011

Objeto de desejo:: Merval Pereira

A classe média, que já havia sido eleita pelo Democratas como seu alvo preferencial na tentativa de reconstrução, agora, com o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu artigo na revista "Interesse Nacional", tornou-se o objeto de desejo das oposições.

O Fórum da Liberdade, na sua 24ª edição, terminou ontem em Porto Alegre, após dois dias discutindo o papel das novas mídias na sociedade, o alcance das mudanças que elas provocam e, sobretudo, a liberdade na era digital, que era, enfim, o tema central do seminário.

O público, eminentemente jovem, parecia se enquadrar perfeitamente na definição de classe média descrita pelo ex-presidente Fernando Henrique no artigo sobre o papel das oposições.

O ex-presidente defende a tese de que os partidos de oposição devem eleger a classe média como seu público-alvo, pois o "povão" estaria já cooptado pelos programas sociais do governo petista.

E que classe média seria essa?

"Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora", ensina FH.

Esse público-alvo estaria mais conectado às novas mídias sociais do que à atividade partidária, embora esteja fazendo política o tempo todo, sem que os políticos tradicionais se deem conta disso.

A tarefa das oposições seria, segundo FH, utilizar essas mesmas ferramentas para tentar atrair seus usuários, em vez de modorrentas e burocráticas reuniões partidárias que só fazem afastar os cidadãos comuns da atividade política, a que eles e os políticos só recorrem às vésperas de eleições.

O poder das novas mídias, como o Facebook e o Twitter, foi dos temas mais debatidos no Fórum da Liberdade, e houve de tudo, desde o depoimento de Rony Rodrigues, jovem empresário defensor intransigente das maravilhas da internet, sem aceitar qualquer reparo a essa ferramenta, até o contraponto do economista Rodrigo Constantino, que se encarregou do papel de "advogado do diabo" para desconstruir a propalada força de mobilização de tais mídias sociais, responsabilizadas pela recente revolta popular nos países árabes.

Constantino considera uma ingenuidade achar que foi o Facebook que levou à queda de Mubarak no Egito, por exemplo, e atribui o sucesso dessa nova mídia à espetacularização das relações sociais no momento que o mundo globalizado vive.

Ele chamou a atenção para a quantidade de lixo que se encontra na internet, repisando uma crítica que já havia sido feita anteriormente por Carlos Alberto Sardemberg, fortemente contestado por Rony Rodrigues, que disse que a navegação pela internet pode levar o usuário a acessos interessantes e importantes como também a lixos, o mesmo acontecendo em uma livraria tradicional.

A superficialidade do conhecimento adquirido pela internet foi outro ponto criticado por vários palestrantes.

No meu painel, dedicado a discutir a formação da opinião pública com o surgimento das novas mídias sociais, chamei a atenção para um detalhe que o ex-presidente Fernando Henrique destacou em seu artigo, o de que as oposições, além de trabalhar as novas mídias, "não devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que difundidas, se transformam em marcas reconhecidas".

O ex-presidente é amigo pessoal e uma espécie de guru do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California, nos Estados Unidos, um dos maiores estudiosos da nova sociedade civil que vem se organizando através das novas mídias, que, segundo ele, têm agora "os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa".

Justamente por isso, Fernando Henrique chama a atenção de seus pares para que não deixem sem acompanhamento essa legião de usuários da internet e seus derivados, que descobriu a força da união digital, mas não se liga na ação política através dos partidos.

Essa ação através das mídias sociais tenta preencher o que Castells define de "vazio de representação", que foi criado pela vulgarização da atividade político-partidária, que caiu no descrédito da nova geração de usuários da internet.

Essas "mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação" criam um espaço público que o ex-presidente quer ver ocupado pelas oposições, mas que os integrantes da chamada Geração Y consideram instrumento de organização e debate para decisões coletivas, como ressalta Castells.

Seguindo a mesma linha de raciocínio do ex-presidente FH, destaquei em minha fala no Fórum da Liberdade que o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.

Os jornais ainda são a fortaleza maior do jornalismo de qualidade, tão importante para a democracia.

Lembrei que a tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o Twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas de especialistas das universidades de Cornell e Stanford que definem a internet como a "caixa de ressonância" da grande imprensa, de quem precisa para se suprir de informação e para dar credibilidade às informações.

Não é à toa, ressaltei, que os sites e blogs mais acessados tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação.

O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem.

Um exemplo de exceção que destoa dessa regra apenas para confirmá-la é o Huffington Post, que se destacou nos Estados Unidos como um blog de informações e análises, muitas vezes exclusivas, mas que acabou montando uma estrutura profissional com o auxílio de investidores privados e terminou dentro de uma grande estrutura, a AOL, preservando as características iniciais de um blog independente, mas se organizando como as grandes estruturas profissionais jornalísticas, o que certamente só aumentará seu poder de fogo.

FONTE: O GLOBO

Convite à reflexão:: Dora Kramer

Há três maneiras de ler a "pensata" do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o papel da oposição hoje no Brasil: com simplismo reducionista, desdém indigente ou com esforço de compreensão das críticas, autocríticas e sugestões.

Na primeira hipótese chega-se fácil à conclusão que circulou ontem no mundo político, segundo a qual o alerta de FH de que o PSDB deve parar de disputar os pobres com o PT e se voltar para a classe média pode soar como repúdio ao "povão".

Se é para dar às palavras dele esse tipo de interpretação, melhor não perder tempo com a leitura do longo e muito detalhado artigo a ser publicado pela revista Interesse Nacional.

Não vai adiantar. Nesse caso, melhor continuar acreditando que oposição se faz sem consistência de raciocínio, mediante o mero alinhavar de frases feitas e pensamentos corriqueiros em discursos bissextos.

Na segunda hipótese, carimba-se a manifestação como uma vã tentativa de Fernando Henrique de se sobrepor ao seu sucessor por pura vaidade e desejo de se manter à tona no noticiário.

Na terceira aproveita-se a oportunidade para refletir honesta e rigorosamente sobre a perda de relevância do Congresso, o distanciamento dos partidos da sociedade, a crescente subtração moral na conduta dos políticos, a submissão geral a um projeto partidário, a carência de autoridade política nos governadores, o enfraquecimento das instituições, dos valores e dos princípios.

Diante disso, pergunta FH, o que fazer?

Primeiro de tudo, não dispensar o auxílio da autocrítica, que no artigo o ex-presidente detalha ponto a ponto na incapacidade de o PSDB defender a agenda da modernização executada a partir do governo Itamar Franco. "Aceitaram as mudanças com dor na consciência e sentindo bater no coração mensagens atrasadas do esquerdismo petista."

Em segundo lugar, dizer adeus à ilusão de que seja possível disputar com o PT os públicos que o governo capturou por meio dos instrumentos de poder: assistencialismo e variadas maneiras de distribuição de recursos públicos a setores específicos.

"Existe toda gama de novas classes possuidoras, de profissionais ligados à tecnologia da informação e ao entretenimento, aos novos serviços, às quais se soma o que vem sendo chamado imprecisamente de classe C."

FH propõe que a oposição busque se aproximar dos estudantes e lance mão de outros instrumentos de comunicação fora do Congresso, que, por sua desmoralização, não repercute positivamente na sociedade.

Em terceiro lugar, segundo o ex-presidente, é preciso ter o que dizer num diálogo menos institucional e mais ligado a temas do cotidiano. "Não basta ter um público, criar uma audiência e adotar um estilo. É preciso mensagem."

E qual seria ela? "O maior erro do PSDB foi o de ter posto à margem a pauta da modernização, do "aggiornamento" do País e da clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com valores universais."

Oposição, na visão de FH, não se faz sem definir claramente um "lado". Ou seja, dizer o que pensa sobre as mais variadas questões: religião, drogas, quanto mais polêmicas mais definidoras do perfil da força política.

"Há matéria em abundância para ir fundo nas críticas sem temer a acusação de que se está defendendo a elite." Para concluir, o ex-presidente reitera a necessidade de a oposição ouvir a sociedade, "sem imaginar que com o jogo congressual isolado obterão resultados positivos".

É um roteiro. Que pode ser visto como um convite à reflexão sem que necessariamente se concorde em tudo com ele.

De ocasião. Duas palavras para definir a proposta do presidente do Senado, José Sarney, de fazer uma nova consulta popular sobre a proibição de venda de armas: acintosamente oportunista.

O Senado não cuida de si, não cumpre as promessas de corrigir as deformações administrativas, não zela pela autonomia do Poder Legislativo, nem sequer controla o ponto dos funcionários, mas é ágil quando se trata de surfar na onda da comoção popular.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PT larga em vantagem na reforma política:: Raquel Ulhôa

A comissão do Senado criada para elaborar proposta de reforma política entrega hoje ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), o relatório final com os temas discutidos em cerca de 45 dias. As ideias devem ser transformadas em projetos de lei ou propostas de emenda constitucional (PEC) - quando for o caso - para tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, no plenário.

As conclusões, no entanto, são vistas pelo próprio presidente da comissão, Francisco Dornelles (RJ), ontem reconduzido à presidência do PP, apenas como um roteiro para discussão. "É um começo, não o fim", diz ele, derrotado na tentativa de aprovar o chamado distritão, também apoiado por Sarney e pelo vice-presidente da República, Michel Temer, presidente licenciado do PMDB.

O processo legislativo é demorado e os parlamentares já articulam propostas. A própria comissão terá outros 30 dias para a adaptação das sugestões em projetos ou PECs. Se aprovadas, as propostas irão à Câmara dos Deputados - onde o destino é a anexação à reforma política em andamento naquela Casa. Pelo ritmo da discussão na Câmara, são praticamente nulas as chances de qualquer mudança do sistema político para as eleições municipais de 2012.

Criada por Sarney, comissão não aprovou distritão

Sarney assumiu seu quarto mandato na Presidência do Senado defendendo como ponto mais importante da modernização do sistema político do país o fim do voto proporcional - adotado no país para a escolha de deputados (estaduais e federais) e vereadores. Por esse sistema, as vagas do partido são distribuídas de acordo com o número de votos obtidos pela sigla ou coligação. As cadeiras são preenchidas pelos mais votados do partido ou coligação, até o limite das vagas obtidas, levando em conta o coeficiente partidário.

Temer chegou a chamar integrantes da comissão no gabinete da Vice-Presidência, para defender o novo sistema, mas não foi suficiente.

Numa vitória do PT - que também conseguiu aprovar o financiamento público de campanhas eleitorais -, a comissão manteve o sistema proporcional com uma inovação: a adoção da lista fechada, ou seja, o eleitor vota no partido, ao qual cabe a definição de sua lista de candidatos. "A comissão colocou em pauta temas antes satanizados, como voto proporcional em lista e financiamento público, e permitiu discussão séria", afirma o líder do PT, Humberto Costa.

O PSDB discorda da proposta aprovada, mas está dividido. Aécio Neves diz que continuará lutando pelo voto distrital misto com lista fechada. Em outra linha, Aloysio Nunes Ferreira vai insistir em sugestão - defendida por José Serra- que apresentou na comissão mas nem sequer foi discutida: a adoção do voto distrital puro nas eleições de vereador já em 2012, nas cidades com mais de 200 mil eleitores.

Desde a instalação, em 22 de fevereiro, a comissão realizou nove reuniões e discutiu - com tanta objetividade que gerou algumas críticas - 15 temas: suplência de senador, datas das posses dos chefes do Executivo, reeleição, duração de mandato, sistema eleitoral, coligações, financiamento de campanha, candidatura avulsa, filiação partidária, domicílio eleitoral, fidelidade, cláusula de desempenho, federação de partidos, cota para mulheres e consulta popular.

Dornelles orgulha-se de ter cumprido "rigorosamente" o prazo de 45 dias. "Fica uma ideia que é o começo de um grande processo de reforma. Acredito que poderá ser levado em conta para a eleição de 2014", diz. O relatório proíbe a reeleição para presidente, governador e prefeito, ampliando os mandatos de quatro para cinco anos. Essa regra não atingiria os atuais ocupantes no cargo.

A comissão acaba com as coligações partidárias nas eleições proporcionais, institui a implantação do financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais e permite candidaturas avulsas (sem filiação partidária) para prefeito e vereador, desde que o candidato tenha apoio de no mínimo de 10% de eleitores na respectiva circunscrição.

A comissão muda a regra de suplente de senador, que não pode mais ser cônjuge, parente consanguíneo ou afim até o segundo grau ou por adoção. É proposta também a redução de dois para um suplente e sua transformação apenas em substituto temporário, deixando de ser sucessor. Em caso de vacância, novo titular será eleito junto com as primeiras eleições previstas no calendário, sejam municipais, ou federais e estaduais.

Os senadores mudam as datas das posses de presidente, governadores e prefeitos, que atualmente acontecem no primeiro dia do ano, fato que esvazia as cerimônias. A proposta é o dia 10 de janeiro para a posse dos governadores e prefeitos e o dia 15 do mesmo mês, para a posse do presidente da República.

Paralelamente à do Senado, uma comissão funciona na Câmara com o mesmo objetivo, mas sistemática de trabalho totalmente diferente. Pensada inicialmente para ter 15 integrantes, a comissão do Senado funcionou com 21. Não teve relator e o prazo de funcionamento era de 45 dias. A da Câmara é composta por 40 deputados, tem relator e duração de seis meses.

Enquanto os senadores não realizaram uma audiência pública sequer, os deputados nem começaram a votar. Além de audiências públicas e debates internos em curso, estão previstas viagens a Estados, para conferências com vereadores, prefeitos, deputados estaduais e representantes da sociedade local. A primeira capital a ser visitada é Goiânia (GO), em 29 de abril.

"A reforma política é necessária, indispensável, mas não se faz isso a toque de caixa, sem ouvir a sociedade", diz o presidente da comissão, Almeida Lima (PMDB-SE) - ex-senador que integrou a então chamada "tropa de choque" do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL).

De comum às duas comissões, apenas a intenção de realizar consulta popular. No caso do Senado, apenas em relação ao sistema eleitoral. A disposição manifestada pelo integrantes da comissão da Câmara é propor a votação de um decreto-legislativo pelo Congresso, convocando um plebiscito, para que a população decida sobre sistema eleitoral e outros temas polêmicos, como reeleição e financiamento.

Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Oportunismo:: Fernando Rodrigues

Oportunismo, teu nome é Congresso. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), propôs ontem um plebiscito sobre o uso de armamentos no país. Se aprovado, o projeto determina a realização de uma consulta popular em outubro deste ano.

A pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?".

Em 2005, a população já havia sido consultada. A decisão de 64% foi a de não vetar o comércio de armas no país. Não vou entrar aqui no mérito de proibir ou não a venda de armamentos. Prefiro tratar da forma de reação espasmódica dos congressistas em momentos de grande comoção popular.

O massacre da semana passada, que resultou na morte de 12 crianças em uma escola do Rio, foi o ponto de partida para dezenas de ideias serem ressuscitadas no Congresso. O plebiscito emergiu agora, mas há até proposta de instalar obrigatoriamente detectores de metal em todas as escolas do país.

O oportunismo do Congresso desconsidera a realidade. O fato de que proibir o comércio legal de armas no país não impedirá assassinos potenciais de continuar a obter, com certa facilidade, os revólveres usados em seus crimes.

Nenhuma das ideias recentes surgidas no Congresso sinaliza para um modelo de segurança pública visando a inibir o comércio ilegal de revólveres. Esse é o ponto. Até porque o assassino da semana passada no Rio não precisou de porte legal de armas. Comprou um 38 e um 32 no mercado clandestino.

Pode-se argumentar que essas armas foram roubadas de quem as detinha legalmente. Por esse raciocínio, eliminar o comércio faria desaparecer os armamentos. Errado. Há países vizinhos nos quais tudo seguirá aberto e facilitado.

A ideia de fazer o plebiscito apenas encobre uma incapacidade atávica do Congresso: não sabe o que propor para melhorar e tornar mais segura a vida dos brasileiros.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Tiririca deu o exemplo:: Elio Gaspari

Tiririca candidatou-se a deputado dizendo que "pior do que está, não fica". Enganou-se. Graças a ele, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), deu-se conta de que não devia ir à Espanha às custas do dinheiro da Viúva para assistir ao jogo do Real Madri contra o Barcelona, neste sábado.

Na segunda-feira, o palhaço anunciou que devolveria os R$971 que cobrou à Câmara pela sua hospedagem no Porto d"Aldeia Resort, em Fortaleza. Até então, Marco Maia achava natural que o dinheiro público patrocinasse seu passeio. Ontem, mudou de ideia e pagará as despesas. Parabéns.

O genial jornalista americano Henry Mencken ensinou que "consciência é a voz interior que nos avisa que alguém pode estar olhando". Foi a influência da consciência coletiva sobre as consciências individuais que estimulou a atitude imediata de Tiririca e um pouco tardia de Maia.

O presidente da Câmara informou que decidiu custear sua viagem para "acabar com qualquer dúvida" em torno do episódio. Não ficaria "dúvida" alguma. Ele queria ver um jogo de futebol, acompanhado de dois colegas (Romário de Souza Faria e Eduardo Gomes) e dois assessores, conseguiu um convite do parlamento espanhol para visitar a instituição e estaria tudo acertado se a iniciativa não tivesse caído na boca do povo. Muito simples, o doutor queria viajar às custas da Viúva e decidiu fazer o que farão todos os outros espectadores do jogo: pagará pela própria diversão. Acreditar que ele não percebeu a diferença entre pagar a viagem com dinheiro do seu bolso ou com o da bolsa da Viúva seria duvidar de sua inteligência.

Marco Maia entrou na vida pública pela porta do sindicalismo metalúrgico. À primeira vista, representa uma geração de jovens idealistas que ralaram na oposição até a vitória de Lula, em 2002. Nem tanto. O doutor começou sua militância partidária em 1985. Oito anos depois, o PT conquistou a prefeitura de Porto Alegre, na qual se manteve até 2001. Desde 1993, ele passou apenas um ano longe do poder municipal, estadual ou federal.

Na Câmara, Maia celebrizou-se ao isentar a Agência Nacional de Aviação Civil de qualquer responsabilidade na crise do apagão aéreo de 2010. Reincidiu na fama quando enfiou numa Medida Provisória um cascalho que prorrogava os contratos dos pontos de comércio instalados nos aeroportos nacionais. (O contrabando foi vetado pela presidente Dilma Rousseff.) A conexão do deputado com a aerocracia pode ser percebida também na sua iniciativa de incluir no orçamento da Viúva uma dotação de R$230 mil para a Abetar, entidade que defende os interesses das empresas de transporte aéreo regional.

Por mais que o PT goste de se apresentar como campeão das causas dos fracos e dos oprimidos, seu comissariado mostra que assimilou, exerce e gratifica-se com os piores maus costumes dos poderosos. A doutrina do mensalão ("fizemos os que todos fazem") contaminou a retórica dos comissários adicionando-lhe um incontrolável ingrediente de cinismo. Se todos fazem o que fazem, eles investiram-se no direito de fazer o que bem entendem. Às vezes, dá bolo.

FONTE O GLOBO

Dilma na China, Obama no Brasil:: Vinicius Torres Freire

Vamos supor que os chineses não estejam contando mentiras à comitiva de Dilma Rousseff. Vamos considerar que uma ditadura com economia sob controle ou diretriz estatal, a China, tem muito mais condições de oferecer acordos e parcerias comerciais que o governo de uma democracia com economia aberta, os EUA. Vamos relevar, por ora, que industriais e comerciantes da China subfaturam descaradamente o preço de seus produtos a fim de roubar mercado, aqui e alhures.

Isto posto, os salamaleques da diplomacia comercial chinesa são muito mais impressionantes que os da diplomacia americana, que, a bem da verdade, não fez grande esforço para conquistar simpatias por aqui na visita de Barack Obama.

Brasil e Estados Unidos assinaram apenas alguns daqueles acordos mambembes e "protocolos de cooperação" de que ninguém lembra um dia depois de encerradas as visitas de autoridades. Obama fez uns discursos fraquinhos, simpáticos e vazios, de resto meio jecas e com clichês do tempo em que Walt Disney desenhou o Zé Carioca.

Os chineses prometeram ao menor remendar o vexame que deram ao passar uma rasteira na Embraer, que gastou dinheiro para se instalar na China e ficou a ver navios, sendo na prática proibida de vender e de produzir. A Embraer, que se associou, como é obrigatório, a uma companhia chinesa, não podia vender seus melhores aviões por lá.

Os chineses, parece, vão abrir o mercado de carne suína para os produtores brasileiros, embora seja preciso ver quanta produção e produtores vão liberar de fato assim que a visita de Dilma acabar.

Algumas indústrias chinesas anunciaram investimentos no Brasil, mas isso é apenas "oportunidade de mídia". Produtores de equipamentos de telecomunicações como a ZTE e a Huawei aproveitaram a presença de Dilma para fazer uma média, pois o dinheiro novo que apenas anunciaram é investimento "normal" para manter o crescimento do negócio deles compatível com o aumento do mercado brasileiro.

O investimento novo mais relevante seria o da Foxconn, que aumentaria brutalmente a quantidade e a qualidade da sua produção por aqui. Note-se, antes de mais nada, que a origem da empresa é Taiwan, embora o grosso da produção seja feito mesmo na China. Causou mais sensação a possibilidade de a empresa montar o iPad no Brasil.

Mas a Foxconn é uma empresa gigante, fornecedora de insumos para computadores e eletrônicos, abastecendo da Intel à Apple, e muita gente grande mais, fabricando placas-mãe de computadores (o "chassis" responsável pela comunicação dos demais componentes) a placas de vídeo, displays digitais etc.

Se vier, é boa coisa. O seu tamanho, exigências de fornecedores locais, além de um centro de pesquisa prometido para o polo tecnológico de Campinas, fariam diferença para a indústria eletrônica no Brasil.

O Banco Industrial e Comercial da China, em certo aspecto o maior do mundo, pretende abrir uma filialzinha aqui. Pode parecer pouco. Ou que os chineses vêm aqui apenas "levar mais um mercado". Mas a presença de um banco desse tamanho pode facilitar investimentos.

Enfim, ao menos em termos de promessa e salamaleque diplomático para o Brasil, os chineses bateram os americanos de longe.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Gigantes desiguais:: Míriam Leitão

A China é o nosso principal parceiro comercial, mas nós somos só 2% do comércio externo chinês. Nossas exportações para eles são 83% de produtos básicos; nossas importações são 97% de manufaturados. Para cada empresa brasileira que exporta para a China, há oito que fazem importação. Quatro itens exportados pelo Brasil são 90% do total. Os 10 principais produtos chineses são 15% da pauta deles que chega ao país.

Os números contam uma história que não é favorável ao Brasil. Nós temos vocação para exportação de commodities metálicas e agrícolas, mas estamos ficando confinados a isso, pela estrutura do comércio exterior chinês. Apesar de estarem no mesmo grupo classificado de Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), as desigualdades entre os dois países no campo comercial são grandes. Analistas brasileiros não acreditam que a viagem da presidente Dilma Rousseff vá mudar este quadro: o Brasil continuará sendo exportador de commodities e importador de produtos com tecnologia. O Brasil teve superávit comercial com a China em 2010, de US$5 bilhões, mas porque houve forte aumento do preço das matérias-primas. Somente de minério de ferro foram US$13,3 bilhões de receita, ou 43% de tudo que vendemos aos chineses. Nos dois primeiros meses deste ano, a participação do minério foi ainda maior: 61,3%.

A alta dos preços das commodities levou a China a ter pela primeira vez em sete anos um déficit trimestral na balança comercial com o mundo. As importações chinesas de minério de ferro, do mundo todo, subiram 14,4% de janeiro a março, para 180 milhões de toneladas, enquanto o preço médio subiu 59,9%, quatro vezes mais. Já as importações de soja caíram 0,7%, para 10,96 milhões de toneladas, mas o preço médio subiu 25,7%. Ou seja, a conjuntura internacional beneficia o Brasil até mesmo quando há redução de compra por parte dos chineses. Mas nem sempre será assim, é isso que o Brasil tem que ter em mente.

- A visita de Dilma não vai levar à nenhuma mudança drástica nas relações comerciais entre os dois países. O Brasil continuará vendendo commodities e a China, manufaturados. Os setores que têm um lobby mais forte junto ao governo conseguem algum tipo de benefício na viagem, mas não existe varinha mágica que mude o quadro, é um problema conjuntural. O que precisamos é de estratégia de longo prazo, porque o saldo comercial do Brasil com a China tem uma margem muito estreita, não é uma viagem que vai mudar isso - disse Kevin Tang, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.

A diretora-executiva da consultoria Overchina, Andrea Martins, conta que têm dificuldade de encontrar empresas brasileiras com produtos de maior valor agregado que possam entrar na China. Além do preço do câmbio, dos custos trabalhistas e de infraestrutura, muitas marcas brasileiras têm pouca visibilidade fora do país.

- Tenho procurado empresas brasileiras que tenham patente própria para levar para a China. Mas não é fácil montar uma lista que possa interessá-los. Tenho tido dificuldade de enxergar produtos brasileiros de maior valor agregado que possam entrar lá. Até as marcas que poderiam ir às vezes ainda não cumpriram um ritual de comércio internacional, que é passar por outras grandes praças, como Nova York, Paris e Tóquio. Os chineses são muito preocupados com isso, por isso vender para esses lugares é importante antes de entrar na China - explicou Andrea.

Até em alguns alimentos o Brasil encontra barreiras. O caso da carne suína é um bom exemplo. Há cinco anos o Brasil tenta vender carne de porco aos chineses, que alegam questões sanitárias para não comprar do país. Há um ano, o setor apresentou uma lista de 26 frigoríficos para inspeção chinesa, mas eles só visitaram 13. Desse total, três frigoríficos foram autorizados esta semana, mas nem mesmo o presidente da Abipecs, Pedro de Camargo Neto, sabia, até ontem, quais eram.

A China tem muitas artimanhas, mas não temos sabido superar as barreiras e ter uma pauta mais diversificada. A melhor hora para fazer isso é agora, enquanto ainda temos a vantagem das commodities em alta.

FONTE: O GLOBO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Declaração de FH incomoda partidos de oposição

Em texto para revista, ex-presidente sugere que se invista na nova classe média, em vez do "povão", para derrotar PT

Cristiane Jungblut, Gerson Camarotti, Adriana Vasconcelos e Silvia Amorim

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Causou constrangimento no PSDB e no DEM a forma como o ex-presidente Fernando Henrique, no artigo "O papel da oposição", na revista "Interesse Nacional", expôs sua estratégia para a volta ao poder: deixar de lado o "povão" e priorizar as novas classes médias. Para parlamentares dos dois partidos, a repercussão dessa declaração anulou o impacto dos bons argumentos utilizados por FH.

A avaliação é que FH teria acertado se tivesse ficado na crítica ao aparelhamento dos movimentos sociais pelo PT e na impossibilidade de a oposição atrair esse público. Já petistas disseram que o artigo frisou o "perfil elitista" do PSDB. Trechos do artigo foram publicados ontem pela "Folha de S. Paulo". O texto integral saiu, depois, no Blog do Noblat.

Aécio se diz mais otimista com o futuro da oposição

No artigo, Fernando Henrique diz: "Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os "movimentos sociais" ou o "povão", isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo "aparelhou", cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias."

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) comentou:

- Vejo o futuro da oposição numa ótica mais otimista do que o presidente Fernando Henrique. Sou mais otimista em relação à afirmação da oposição, diante das várias classes sociais, até mesmo em razão do êxito das gestões do PSDB tanto no plano nacional como no estadual. Em Minas, o resultado das gestões do PSDB nos aproximou muito de integrantes das classes C e D. O artigo é um belo documento que deve ser compreendido na sua inteireza. Não se pode destacar um ou outro ponto, sob pena de distorcer suas posições.

Na Câmara, o líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP), foi à tribuna reclamar da "má interpretação do excelente artigo de Fernando Henrique":

- O artigo é excelente, sobre o ideário da oposição brasileira. Ele dissecou as nossas fraquezas, as nossas forças e onde a gente pode, de fato, se comunicar com a sociedade. Ele quis dizer o seguinte: temos que falar para todas as classes, mas vamos nos concentrar na classe média que lê mais, está mais bem informada

Os presidentes dos três principais partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS) tiveram opiniões divergentes. O tucano Sérgio Guerra elogiou:

- É muito mais fácil avançar em setores novos, como a classe média, do que em setores que dependem de programas do governo como o Bolsa Família. Aliás, isso explica a nossa dificuldade eleitoral no Nordeste.

Para o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), FH não foi bem compreendido:

- Acho que houve um mal-entendido. Ele sabe que todo partido tem que ter sintonia com a sociedade: com pobres, ricos e classe média. Fernando Henrique é suficientemente hábil para não cometer esse deslize que lhe estão atribuindo.

Mas o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), foi duro nas críticas:

- Acho uma análise equivocada. Porque até Fernando Henrique foi beneficiário desses votos do "povão" nas eleições de 1994, quando foi eleito com os votos dos coronéis do Nordeste.

Para os governistas, o ex-presidente explicitou o caráter elitista do PSDB.

- Ele está contando o que todo mundo já sabia: que tucanos não são a favor dos pobres, e sim da classe média - disse o deputado André Vargas (PT-PR).

FONTE: O GLOBO

O Papel da Oposição :: Fernando Henrique Cardoso

Há muitos anos, na década de 1970, escrevi um artigo com o título acima no jornal Opinião, que pertencia à chamada imprensa “nanica”, mas era influente. Referia-me ao papel do MDB e das oposições não institucionais. Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas, sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia.

Só dez anos depois a sociedade passou a atuar mais diretamente em favor dos objetivos pregados pela oposição, aos quais se somaram também palavras de ordem econômicas, como o fim do “arrocho” salarial.

No entretempo, vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos generais presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, foi o mais popular: 75% de aprovação.

Não obstante, não desanimávamos. Graças à persistência de algumas vozes, como a de Ulisses Guimarães, às inquietações sociais manifestadas pelas greves do final da década e ao aproveitamento pelos opositores de toda brecha que os atropelos do exercício do governo, ou as dificuldades da economia proporcionaram (como as crises do petróleo, o aumento da dívida externa e a inflação), as oposições não calavam. Em 1974, o MDB até alcançou expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário.

Por que escrevo isso novamente, 35 anos depois?

Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos, governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens pessoais, quando não clientelismo e corrupção?

Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua forma global, diga-se) e a adesão progressiva – no começo envergonhada e por fim mais deslavada – do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias.

Se a estes processos somarmos o efeito dissolvente que o carisma de Lula produziu nas instituições, as oposições têm de se situar politicamente em um quadro complexo.

Complexidade crescente a partir dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior.

É cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar da presidente Dilma. Estamos no início do mandato e os sinais de novos rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.

É preciso refazer caminhos

Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual – comparando com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante meu governo, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista – não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e sentido, aumentando o desânimo que leva à inação.

É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.

Se as forças governistas foram capazes de mudar camaleonicamente a ponto de reivindicarem o terem construído a estabilidade financeira e a abertura da economia, formando os “campeões nacionais” – as empresas que se globalizam – isso se deu porque as oposições minimizaram a capacidade de contorcionismo do PT, que começou com a Carta aos Brasileiros de junho de 1994 e se desnudou quando Lula foi simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos.

Era o sinal de “adeus às armas”: socialismo só para enganar trouxas, nacional--desenvolvimentismo só como “etapa”. Uma tendência, contudo, não mudou, a do hegemonismo, ainda assim, aceitando aliados de cabresto.

Segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista ou de sua leniência com o empreguismo estatal.

Não reivindicaram com força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e importância das agências reguladoras.

Da mesma maneira, só para dar mais alguns exemplos, o Proer e o Proes, graças aos quais o sistema financeiro se tornou mais sólido, foram solenemente ignorados, quando não estigmatizados. Os efeitos positivos da quebra dos monopólios, o do petróleo mais que qualquer outro, levando a Petrobras a competir e a atuar como empresa global e não como repartição pública, não foram reivindicados como êxitos do PSDB.

O estupendo sucesso da Vale, da Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e se firmou no do PSDB, virou glória do petismo.

As políticas compensatórias iniciadas no governo do PSDB – as bolsas – que o próprio Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero – voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo!

Não escrevo isso como lamúria, nem com a vã pretensão de imaginar que é hora de reivindicar feitos do governo peessedebista. Inês é morta, o passado… passou. Nem seria justo dizer que não houve nas oposições quem mencionasse com coragem muito do que fizemos e criticasse o lulismo.

As vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso.

Na medida em que a maioria dos partidos e dos parlamentares foi entrando no jogo de fazer emendas ao orçamento (para beneficiar suas regiões, interesses – legítimos ou não – de entidades e, por fim, sua reeleição), o Congresso foi perdendo relevância e poder.

Consequentemente, as vozes parlamentares, em especial as de oposição, que são as que mais precisam da instituição parlamentar para que seu brado seja escutado, perderam ressonância na sociedade.

Com a aceitação sem protesto do “modo lulista de governar” por meio de medidas provisórias, para que serve o Congresso senão para chancelar decisões do Executivo e receber benesses? Principalmente, quando muitos congressistas estão dispostos a fazer o papel de maioria obediente a troco da liberação pelo Executivo das verbas de suas emendas, sem esquecer que alguns oposicionistas embarcam na mesma canoa.

Ironicamente, uma importante modificação institucional, a descentralização da ação executiva federal, estabelecida na Constituição de 1988 e consubstanciada desde os governos Itamar Franco e FHC, diluiu sua efetividade técnico--administrativa em uma pletora de recursos orçamentários “carimbados”, isto é, de orientação político-clientelista definida, acarretando sujeição ao Poder Central, ou, melhor, a quem o simboliza pessoalmente e ao partido hegemônico.

Neste sentido, diminuiu o papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao gabinete presidencial.

Como, por outra parte, existe – ou existiu até a pouco – certa folga fiscal e a sociedade passa por período de intensa mobilidade social movida pelo dinamismo da economia internacional e pelas políticas de expansão do mercado interno que geram emprego, o desfazimento institucional produzido pelo lulismo e a difusão de práticas clientelísticas e corruptoras foram sendo absorvidos, diante da indiferença da sociedade.

Na época do mensalão, houve um início de desvendamento do novo Sistema (com S maiúsculo, como se escrevia para descrever o modelo político criado pelos governos militares).

Então, ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os partidos ecoavam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude. Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições?

Definir o público a ser alcançado

Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade.

É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral.

As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental.

Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias.

Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à ti (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de “classe c” ou de nova classe média.

Digo imprecisamente porque a definição de classe social não se limita às categorias de renda (a elas se somam educação, redes sociais de conexão, prestígio social, etc.), mas não para negar a extensão e a importância do fenômeno. Pois bem, a imensa maioria destes grupos – sem excluir as camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista – está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc.

É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos. Se houver ousadia, os partidos de oposição podem organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida não a diretórios burocráticos, mas a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas.

Mas não é só isso: as oposições precisam voltar às salas universitárias, às inúmeras redes de palestras e que se propagam pelo país afora e não devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que difundidas, se transformam em marcas reconhecidas.

Além da persistência e ampliação destas práticas, é preciso buscar novas formas de atuação para que a oposição esteja presente, ou pelo menos para que entenda e repercuta o que ocorre na sociedade. Há inúmeras organizações de bairro, um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes cidades, etc., organizações voluntárias de solidariedade e de protesto, redes de consumidores, ativistas do meio ambiente, e por aí vai, que atuam por conta própria.

Dado o anacronismo das instituições político-partidárias, seria talvez pedir muito aos partidos que mergulhem na vida cotidiana e tenham ligações orgânicas com grupos que expressam as dificuldades e anseios do homem comum. Mas que pelo menos ouçam suas vozes e atuem em consonância com elas.

Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos.

No mundo interconectado de hoje, vê-se, por exemplo, o que ocorre com as revoluções no meio islâmico, movimentos protestatórios irrompem sem uma ligação formal com a política tradicional. Talvez as discussões sobre os meandros do poder não interessem ao povo no dia-a-dia tanto quanto os efeitos devastadores das enchentes ou o sufoco de um trânsito que não anda nas grandes cidades. Mas, de repente, se dá um “curto-circuito” e o que parecia não ser “política” se politiza. Não foi o que ocorreu nas eleições de 1974 ou na campanha das “diretas já”?

Nestes momentos, o pragmatismo de quem luta para sobreviver no dia-a-dia lidando com questões “concretas” se empolga com crenças e valores. O discurso, noutros termos, não pode ser apenas o institucional, tem de ser o do cotidiano, mas não desligado de valores. Obviamente em nosso caso, o de uma democracia, não estou pensando em movimentos contra a ordem política global, mas em aspirações que a própria sociedade gera e que os partidos precisam estar preparados para que, se não os tiverem suscitado por sua desconexão, possam senti-los e encaminhá-los na direção política desejada.

Seria erro fatal imaginar, por exemplo, que o discurso “moralista” é coisa de elite à moda da antiga UDN. A corrupção continua a ter o repúdio não só das classes médias como de boa parte da população. Na última campanha eleitoral, o momento de maior crescimento da candidatura Serra e de aproximação aos resultados obtidos pela candidata governista foi quando veio à tona o “episódio Erenice”.

Mas é preciso ter coragem de dar o nome aos bois e vincular a “falha moral” a seus resultados práticos, negativos para a população. Mais ainda: é preciso persistir, repetir a crítica, ao estilo do “beba Coca Cola” dos publicitários. Não se trata de dar-nos por satisfeitos, à moda de demonstrar um teorema e escrever “cqd”, como queríamos demonstrar.

Seres humanos não atuam por motivos meramente racionais. Sem a teatralização que leve à emoção, a crítica – moralista ou outra qualquer– cai no vazio. Sem Roberto Jefferson não teria havido mensalão como fato político.

Qual é a mensagem?

Por certo, os oposicionistas para serem ouvidos precisam ter o que dizer. Não basta criar um público, uma audiência e um estilo, o conteúdo da mensagem é fundamental. Qual é a mensagem? O maior equívoco das oposições, especialmente do PSDB, foi o de haver posto à margem as mensagens de modernização, de aggiornamento do País, e de clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com causas universais, como os direitos humanos e a luta contra a opressão, mesmo quando esta vem mascarada de progressismo, apoiada em políticas de distribuição de rendas e de identificação das massas com o Chefe.

Nas modernas sociedades democráticas, por outro lado, o Estado tanto mantém funções na regulação da economia como em sua indução, podendo chegar a exercer papel como investidor direto. Mas o que caracteriza o Estado em uma sociedade de massas madura é sua ação democratizadora.

Os governos devem tornar claros, transparentes, e o quanto possível imunes à corrupção, os mecanismos econômicos que cria para apoiar o desenvolvimento da economia. Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar o acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela qualidade da segurança que oferece às pessoas.Cabe às oposições serem a vanguarda nas lutas por estes objetivos.

Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas, inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga alto e bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras jurídicas e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade democrática.

Uma sociedade democrática amadurecida estará sempre comprometida com a defesa dos direitos humanos, com a ecologia e com o combate à miséria e às doenças, no país e em toda a parte. E compreende que a ação isolada do Estado, sem a participação da sociedade, inclusive dos setores produtivos privados, é insuficiente para gerar o bem-estar da população e oferecer bases sólidas para um desenvolvimento econômico sustentado.

Ao invés de se aferrarem a esses valores e políticas que lhes eram próprios como ideologia e como prática, as oposições abriram espaço para que o lulopetismo ocupasse a cena da modernização econômica e social. Só que eles têm os pés de barro: a cada instante proclamam que as privatizações “do PSDB” foram contra a economia do País, embora comecem a fazer descaradamente concessões de serviços públicos nas estradas e nos aeroportos, como se não estivessem fazendo na prática o mea-culpa.

Cabe às oposições não apenas desmascarar o cinismo, mas, sobretudo, cobrar o atraso do País: onde está a infraestrutura que ficou bloqueada em seus avanços pelo temor de apelar à participação da iniciativa privada nos portos, nos aeroportos, na geração de energia e assim por diante?

Quão caro já estamos pagando pela ineficiência de agências reguladoras entregues a sindicalistas “antiprivatizantes” ou a partidos clientelistas, como se tornou o PC d B, que além de vender benesses no ministério dos Esportes, embota a capacidade controladora da ANP, que deveria evitar que o monopólio voltasse por vias transversas e prejudicasse o futuro do País.

Oposição precisa vender o peixe

Dirão novamente os céticos que nada disso interessa diretamente ao povo. Ora, depende de como a oposição venda o peixe. Se tomarmos como alvo, por exemplo, o atraso nas obras necessárias para a realização da Copa e especializarmos três ou quatro parlamentares ou técnicos para martelar no dia-a-dia, nos discursos e na internet, o quanto não se avança nestas áreas por causa do burocratismo, do clientelismo, da corrupção ou simplesmente da viseira ideológica que impede a competição construtiva entre os setores privados e destes com os monopólios, e se mostrarmos à população como ela está sendo diretamente prejudicada pelo estilo petista de política, criticamos este estilo de governar, suscitamos o interesse popular e ao mesmo tempo oferecemos alternativas.

Na vida política tudo depende da capacidade de politizar o apelo e de dirigi-lo a quem possa ouvi-lo. Se gritarmos por todos os meios disponíveis que a dívida interna de R$ 1,69 trilhão (mostrando com exemplos ao que isto corresponde) é assustadora, que estamos pagando R$ 50 bilhões por ano para manter reservas elevadas em dólares, que pagamos a dívida (pequena) ao FMI sobre a qual incidiam juros moderados, trocando-a por dívidas em reais com juros enormes, se mostrarmos o quanto custa a cada contribuinte cada vez que o Tesouro transfere ao BNDES dinheiro que o governo não tem e por isso toma emprestado ao mercado pagando juros de 12% ao ano, para serem emprestados pelo BNDES a juros de 6% aos grandes empresários nacionais e estrangeiros, temos discurso para certas camadas da população.

Este discurso deve desvendar, ao mesmo tempo, o porquê do governo assim proceder: está criando um bloco de poder capitalista-burocrático que sufoca as empresas médias e pequenas e concentra renda.

Este tipo de política mostra descaso pelos interesses dos assalariados, dos pequenos produtores e profissionais liberais de tipo antigo e novo, setores que, em conjunto, custeiam as benesses concedidas ao grande capital com impostos que lhe são extraídos pelo governo.

O lulopetismo não está fortalecendo o capitalismo em uma sociedade democrática, mas sim o capitalismo monopolista e burocrático que fortalece privilégios e corporativismos.

Com argumentos muito mais fracos o petismo acusou o governo do PSDB quando, em fase de indispensável ajuste econômico, aumentou a dívida interna (ou, melhor, reconheceu os “esqueletos” compostos por dívidas passadas) e usou recursos da privatização – todos contabilizados – para reduzir seu crescimento. A dívida pública consolidada do governo lulista foi muito maior do que a herdada por este do governo passado e, no entanto, a opinião pública não tomou conhecimento do fato.

As oposições não foram capazes de politizar a questão. E o que está acontecendo agora quando o governo discute substituir o fator previdenciário, recurso de que o governo do PSDB lançou mão para mitigar os efeitos da derrota sofrida para estabelecer uma idade mínima de aposentadoria? Propondo a troca do fator previdenciário pela definição de… uma idade mínima de aposentadoria.

Petistas camaleões

Se os governistas são camaleões (ou, melhor, os petistas, pois boa parte dos governistas nem isso são: votavam com o governo no passado e continuam a votar hoje, como votarão amanhã, em vez de saudá-los porque se aproximam da racionalidade ou de votarmos contra esta mesma racionalidade, negando nossas crenças de ontem, devemos manter a coerência e denunciar as falsidades ideológicas e o estilo de política de mistificação dos fatos, tantas vezes sustentado pelo petismo.

São inumeráveis os exemplos sobre como manter princípios e atuar como uma oposição coerente. Mesmo na questão dos impostos, quando o PSDB e o DEM junto com o PPS ajudaram a derrubar a CPMF, mostraram que, coerentes, dispensaram aquele imposto porque ele já não era mais necessário, como ficou demonstrado pelo contínuo aumento da receita depois de sua supressão.

É preciso continuar a fazer oposição à continuidade do aumento de impostos para custear a máquina público-partidária e o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. É possível mostrar o quanto pesa no bolso do povo cada despesa feita para custear a máquina público-partidária e manter o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. E para ser coerente, a oposição deve lutar desde já pela redução drástica do número de cargos em comissão, nomeados discricionariamente, bem como pelo estabelecimento de um número máximo de ministérios e secretarias especiais, para conter a fúria de apadrinhamento e de conchavos partidários à custa do povo.

Em suma: não há oposição sem “lado”. Mais do que ser de um partido, é preciso “tomar partido”.

É isso que a sociedade civil faz nas mais distintas matérias. O que o PSDB pensa sobre liberdade e pluralidade religiosa? Como manter a independência do Estado laico e, ao mesmo tempo, prestigiar e respeitar as religiões que formam redes de coesão social, essenciais para a vida em sociedade? O que pensa o partido sobre o combate às drogas? É preciso ser claro e sincero: todas as drogas causam danos, embora de alcance diferente. Adianta botar na cadeia os drogados?

Sinceridade comove a população

Há casos nos quais a regulação vale mais que a proibição: veja-se o tabaco e o álcool, ambos extremadamente daninhos. São não apenas regulados em sua venda e uso (por exemplo, é proibido fumar em locais fechados ou beber depois de uma festa e guiar automóveis) como estigmatizados por campanhas publicitárias, pela ação de governos e das famílias.

Não seria o caso de fazer a mesma coisa com a maconha, embora não com as demais drogas muito mais danosas, e concentrar o fogo policial no combate aos traficantes das drogas pesadas e de armas? Se disso ainda não estivermos convencidos, pelo menos não fujamos à discussão, que já corre solta na sociedade. Sejamos sinceros: é a sinceridade que comove a população e não a hipocrisia que pretende não ver o óbvio.

Se a regra é ser sincero, por que temer ir fundo e avaliar o que nós próprios fizemos no passado, acreditando estar certos, e que continua sendo feito, mas que requer uma revisão?

Tome-se o exemplo da reforma agrária e dos programas de incentivo à economia familiar.

Fomos nós do PSDB que recriamos o Ministério da Reforma Agrária e, pela primeira vez, criamos um mecanismo de financiamento da agricultura familiar, o Pronaf. Nenhum governo fez mais em matéria de acesso à terra do que o do PSDB quando a pasta da Reforma era dirigida por um membro do PPS.

Não terá chegado a hora de avaliar os resultados? O Pronaf não estará se transformando em mecanismo de perpétua renovação de dívidas, como os grandes agricultores faziam no passado com suas dívidas no Banco do Brasil? Qual é o balanço dos resultados da reforma agrária? E as acusações de “aparelhamento” da burocracia pelo PT e pelo MST são de fato verdadeiras?

Sem que a oposição afirme precipitadamente que tudo isso vai mal – o que pode não ser correto – não pode temer buscar a verdade dos fatos, avaliar, julgar e criticar para corrigir.

Existe matéria em abundância para manter os princípios e para ir fundo nas críticas sem temer a acusação injusta de que se está defendendo “a elite”. Mas política não é tese universitária. É preciso estabelecer uma agenda. Geralmente esta é dada pelo governo. Ainda assim, usemo-la para concentrar esforços e dar foco, repetição e persistência à ação oposicionista.

Tomemos um exemplo, o da reforma política, tema que o governo afirma estar disposto a discutir. Pois bem, o PSDB tem posição firmada na matéria: é favorável ao voto distrital (misto ou puro, ainda é questão indefinida). Se é assim, por que não recusar de plano a proposta da “lista fechada”, que reforça a burocracia partidária, não diminui o personalismo (ou alguém duvida que se pedirão votos para a lista “do Lula”?) e separa mais ainda o eleitor dos representantes?

Compromisso com o voto digital

Não é preciso afincar uma posição de intransigência: mantenhamos o compromisso com o voto distrital, façamos a pregação.

Se não dispusermos de forças para que nossa tese ganhe, aceitemos apenas os melhoramentos óbvios no sistema atual: cláusula de desempenho (ou de barreira), proibição de coligações nas eleições proporcionais e regras de fidelidade partidária, ainda que para algumas destas medidas seja necessário mudança constitucional.

Deixemos para outra oportunidade a discussão sobre financiamento público das campanhas, pois sem a distritalização o custo para o contribuinte será enorme e não se impedirá o financiamento em “caixa preta” nem o abuso do poder econômico. Mas denunciemos o quanto de antidemocrático existe no voto em listas fechadas.

Em suma: não será esta uma boa agenda para a oposição firmar identidade, contrapor-se à tendência petista de tudo burocratizar e, ao mesmo tempo, não se encerrar em um puro negativismo aceitando modificações sensatas?

Por fim, retomando o que disse acima sobre o “triunfo do capitalismo”. O governo do PT e o próprio partido embarcaram, sem dizer, na adoração do bezerro de ouro. Mas, marcados pelos cacoetes do passado, não perceberam que o novo na fase contemporânea do capitalismo não é apenas a acumulação e o crescimento da economia.

Os grandes temas que se estão desenhando são outros e têm a ver com o interesse coletivo: como expandir a economia sem destroçar o meio ambiente, como assegurar direitos aos destituídos deles, não só pela obreza, mas pelas injustiças (desigualdades de gênero, de raça, de acesso à cultura)? Persistem preocupações antigas: como preservar a Paz em um mundo no qual há quem disponha da bomba nuclear?

A luta pela desnuclearização tem a ver com o sentido de um capitalismo cuja forma “selvagem” a sociedade democrática não aceita mais.

Esta nova postura é óbvia no caso da ecologia, pois o natural egoísmo dos Estados, na formulação clássica, se choca com a tese primeira, a da perpetuação da vida humana. O terror atômico e o aquecimento global põem por terra visões fincadas no terreno do nacional-estatismo arcaico.

Há um nacionalismo de novo tipo, democrático, aberto aos desafios do mundo e integrado nele, mas alerta aos interesses nacionais e populares. Convém redefinir, portanto, a noção do interesse nacional, mantendo-o persistente e alerta no que é próprio aos interesses do País, mas compatibilizando-o com os interesses da humanidade.

Estas formulações podem parecer abstratas, embora se traduzam no dia-a-dia: no Brasil, ninguém discute sobre qual o melhor modo de nossa presença no mundo: será pelo velho caminho armamentista, nuclearizando-nos, ou nossas imensas vantagens comparativas em outras áreas, entre elas as do chamado soft power, podem primar?

Por exemplo, nossa “plasticidade cultural mestiça”, a aceitação das diferenças raciais – sem que se neguem e combatam as desigualdades e preconceitos ainda existentes – não são um ganho em um mundo multipolar e multicultural? E a disponibilidade de uma matriz energética limpa, sem exageros de muitas usinas atômicas (sempre perigosas), bem como os avanços na tecnologia do etanol, não nos dão vantagens?

Por que não discutir, a partir daí, o ritmo em que exploraremos o pré-sal e as obscuras razões para a “estatização do risco e divisão do lucro” entre a Petrobras e as multinacionais por meio do sistema de partilha? São questões que não exploramos devidamente, ou cujas decisões estão longe de ser claramente compatíveis com o interesse nacional de longo prazo.

Falta de estratégia

Na verdade, falta-nos estratégia. Estratégia não é plano de ação: é o peso relativo que se dá às questões desafiadoras do futuro somado à definição de como as abordaremos. Que faremos neste novo mundo para competir com a China, com os Estados Unidos ou com quem mais seja? Como jogar com nossos recursos naturais (petróleo à frente) como fator de sucesso e poder sem sermos amanhã surpreendidos pelo predomínio de outras fontes de energia? E, acima de tudo, como transformar em políticas o anseio por uma “revolução educacional” que dê lugar à criatividade, à invenção e aos avanços das tecnologias do futuro?

A China, ao que parece, aprendeu as lições da última crise e está apostando na inovação, preparando-se para substituir as fontes tradicionais de energia, sobretudo o petróleo, de que não dispõe em quantidade suficiente para seu consumo crescente. E os próprios Estados Unidos, embora atônitos com os erros acumulados desde a gestão Bush, parecem capazes de continuar inovando, se conseguirem sair depressa da crise financeira que os engolfou.

De tudo isso o PT e seus governos falam, mas em ziguezague. As amarras a uma visão oposta, vinda de seu passado recente, os inibem para avançar mais. Não é hora das oposições serem mais afirmativas? E se por acaso, como insinuei no início deste artigo, houver divisões no próprio campo do petismo por causa da visão canhestra de muitos setores que apoiam o governo e de suas necessidades práticas o levarem a direções menos dogmáticas?

Neste caso, embora seja cedo para especular, terá a oposição inteireza e capacidade política para aproveitar as circunstâncias e acelerar a desagregação do antigo e apostar no novo, no fortalecimento de uma sociedade mais madura e democrática?

Engana-se quem pensar que basta manter a economia crescendo e oferecer ao povo a imagem de uma sociedade com mobilidade social.

Esta, ao ocorrer, aumenta as demandas tanto em termos práticos, de salários e condições de vida, como culturais. Em um mundo interconectado pelos modernos meios de comunicação o cidadão comum deseja saber mais, participar mais e avaliar por si se de fato as diferenças econômicas e sociais estão diminuindo.

Sem, entretanto, uma oposição que se oponha ao triunfalismo lulista, que coroa a alienação capitalista, desmistificando tudo o que seja mera justificativa publicitária do poder e chamando a atenção para os valores fundamentais da vida em uma sociedade democrática, só ocorrerão mudanças nas piores condições: quando a fagulha de alguma insatisfação produzir um curto-circuito. Mesmo este adiantará pouco se não houver à disposição uma alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais a população confie.

No mundo contemporâneo este caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade.

Reitero: se as oposições institucionais não forem capazes de se ligar mais diretamente aos movimentos da vida, que pelo menos os ouçam e não tenham a pretensão de imaginar que pelo jogo congressual isolado alcançarão resultados significativos.

Os vários focos de insatisfação social, por sua vez, também podem se perder em demandas específicas a serem atendidas fragmentariamente pelo governo se não encontrarem canais institucionais que expressem sua vontade maior de transformação.

As oposições políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com as múltiplas demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a sociedade?

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República (1995-2003) e é presidente de honra do PSDB

Reforma política será só 'perfumaria'

A maioria das propostas de reforma política que serão entregues hoje ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não deverá sair do papel. A exceção poderá ser o fim das coligações nas eleições proporcionais. Líderes de partidos aliados e de oposição consultados pelo Estado apostam que o Congresso vai restringir a reforma política à chamada “perfumaria”.

Fim de coligações é o único ponto da reforma com chance real de aprovação

Comissão especial do Senado criada para analisar reforma política entrega hoje propostas ao presidente da Casa, mas líderes partidários são céticos em relação à votação da maioria dos itens e admitem que o Congresso deve mudar só ""perfumaria""

Eugênia Lopes / BRASÍLIA

A maioria das propostas de reforma política que serão entregues hoje ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não deverá sair do papel. A exceção deverá ser a aprovação do fim das coligações nas eleições proporcionais.

Líderes de partidos aliados e de oposição consultados pelo Estado apostam que Senado e Câmara deverão restringir a reforma política à chamada "perfumaria", como a mudança da data da posse do presidente da República, governadores e prefeitos, sem mexer profundamente no sistema eleitoral brasileiro.

"Essas propostas da comissão serão um ponto de partida, um pano de fundo para discutir a reforma política", resume o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

"A convergência partidária será construída na Comissão de Constituição e Justiça", completa o líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL). "Sem desmerecer o trabalho da comissão, todas as questões serão alvo de debate. Há muita discordância", diz o líder do PSDB, senador Álvaro Dias (PR).

Garoto-propaganda. Na semana que vem, o PT vai convidar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se engajar numa campanha a favor da reforma política. A avaliação é que a reforma só tem chances de sair do papel com a participação da sociedade, a exemplo do que ocorreu com o movimento em prol da aprovação da Lei da Ficha Limpa, que proibiu os políticos que respondem a ações na Justiça de se candidatarem. "Só vamos ter uma reforma política profunda se tivermos um envolvimento da população", afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).

Um dos pontos mais polêmicos da reforma é a mudança no sistema eleitoral. Os partidos não conseguem chegar a um consenso sobre o tema.

Na comissão de reforma política, os senadores aprovaram a instituição do voto em lista (com nomes dos candidatos escolhidos pelo partido). "Há um divergência profunda entre o PT e o PMDB em relação ao sistema eleitoral. E sem o consenso deles, não se aprova nada", afirma o líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO).

"O bicho pega quando discutimos as regras de votação nas eleições proporcionais, que dizem respeito à Câmara dos Deputados, Câmaras Legislativas e de vereadores", diz Jucá.

Enquanto o PT é favorável ao voto em lista fechada para escolha de deputados federais e estaduais, além dos vereadores, o PMDB quer o chamado "distritão", onde serão eleitos os políticos que conquistarem mais votos nas eleições.

Já o PSDB defende o voto distrital misto, com a divisão dos Estados em distritos. Os tucanos pretendem reapresentar essa proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "Vamos reapresentar propostas e queremos que sejam novamente votadas, como o voto facultativo e o voto distrital misto", afirma Álvaro Dias.

Cético, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), argumenta que a comissão de reforma política não reflete a proporcionalidade dos partidos. "Não se sabe como os partidos vão realmente se comportar", observa o petista, que aposta na aprovação do fim das coligações nas eleições proporcionais. O financiamento público de campanhas é o principal ponto da reforma para o PT. Em troca do financiamento, petistas admitem abrir mão do voto em lista fechada.

Os líderes apostam na aprovação da alteração das regras para suplente de senador e na manutenção da fidelidade partidária como é hoje. "Só vão passar coisas periféricas", antevê Costa.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO