quarta-feira, 29 de maio de 2019

Opinião do dia: *José Alvaro Moisés

"A tendência de manifestações de rua no Brasil vem se intensificando desde 2013. Em certo sentido, é um despertar de uma cidadania mais ativa, independente da posição ideológica dos participantes. No governo Bolsonaro, isso parece crescer porque o próprio governo incentiva as manifestações, sem que ele perceba que isso pode ser uma armadilha para um governo frágil, e que é mal avaliado. Talvez estejamos entrando em uma fase de mobilização permanente, e isso tem pontos a favor e contra a democracia representativa. Mas se isso cresce, pode suscitar conflitos."

*José Alvaro Moisés, cientista político da USP, O Estado de S. Paulo, 28/5/2019

Não faz sentido pacto entre os poderes: Editorial / O Globo

Cabe ao Executivo, Legislativo e Judiciário seguir a Carta e cuidar dos freios e contrapesos

A ideia de pacto para enfrentar situações difíceis exerce especial sedução sobre a política brasileira. Depois da ditadura militar, o primeiro presidente civil, José Sarney, lançou a proposta de amplo entendimento para reconstruir um país em crise, que rumava para a hiperinflação. Mas, como acontece depois de rupturas institucionais, foi eleita uma Constituinte e, esta, para o bem ou para o mal, estabeleceu as regras do resgate da democracia, e do convívio nela.

A inspiração era o Pacto de Moncloa, firmado em 77 na Espanha, pelo qual as forças políticas, sob o poder moderador do rei Juan Carlos, fizeram a travessia ordenada da longa ditadura franquista para a democracia, num regime de monarquia parlamentarista.

Foi uma trajetória acidentada, mas Moncloa serviu de bússola para o país se distanciar da ditadura de Franco e de uma guerra civil.

Nada a ver com o Brasil de hoje, em que volta a ser pronunciada a palavra pacto. Mais uma vez, há situações difíceis a enfrentar. A estagnação da economia e os 13 milhões de desempregados só serão superados se houver uma ampla reorganização do Estado e de suas finanças, o que começa por uma reforma da Previdência. A primeira de algumas outras. A crise atual sinaliza o esgotamento de um modelo de inspiração getulista, um capitalismo de Estado em frangalhos.

As mudanças, portanto, precisam ser profundas e urgentes. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, diante dos desafios, lançou a proposta, que acaba de ser aceita por Jair Bolsonaro, que ontem foi o anfitrião de um café da amanhã com os presidentes do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre; da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro Dias Toffoli. Ensaia-se a mesma coreografia que Sarney executou com políticos há mais de três décadas.

Merval Pereira: Pacto sem validade

- O Globo

Nos exemplos de pactos políticos recentes, não está registrada a presença do Poder Judiciário

Não há na história recente exemplo de pacto político de que tenha participado o Poder Judiciário. Por uma razão muito simples: é nele que desaguarão as demandas dos que se sentirem afetados pela reforma da Previdência, por exemplo. Onde a reforma trabalhista já está sendo disputada. E o Supremo pode, como tem acontecido frequentemente, assumir tarefas do Legislativo, o que provoca sempre mal-estar, mesmo quando o STF está certo.

O Executivo, dentro de um pacto político, pode abrir mão de legislar por medidas provisórias, apenas para dar um exemplo que dificilmente se concretizará, e o Legislativo pode se dispor a aprovar projetos vindos do Executivo. Mas o Judiciário, não.

O pacto entre os Três Poderes anunciado ontem é uma boa ideia, até mesmo para acabar com a disputa entre eles, mas sua execução é difícil na plenitude anunciada. O Judiciário não pode fazer pactos sobre assuntos que vai julgar, como a reforma da Previdência, que é o principal ponto do acordo político que busca a “retomada do crescimento”.

Objetivo a ser alcançado por meio de negociações políticas. Várias cláusulas da reforma serão contestadas na Justiça, e o STF terá que decidir. Ele não pode fazer parte de um acordo que define que a reforma da Previdência tem que ser aprovada. Nem mesmo o presidente Dias Toffoli, que estranhamente propôs um pacto político e não de Estado, pode garantir que o plenário do SFT vá concordar com ele.

Entre o Executivo e o Legislativo não há problema conceitual, embora existam problemas políticos a resolver, especialmente depois das manifestações de domingo. O presidente do STF não pode se comprometer a cumprir qualquer pacto que seja, porque tem de observar o princípio da independência judicial.

Elio Gaspari: O golpismo continua no ar

- O Globo

Durante a campanha eleitoral, o general Hamilton Mourão falava em “autogolpe”. Pouco depois da vitória de Jair Bolsonaro, seu ministro da Economia sonhava com uma “prensa” no Congresso. Há pouco, o doutor Paulo Guedes queixou-se de uma imprensa “a fim só de bagunçar” e de uma oposição que quer “tumultuar, explodir e correr o risco de um confronto sério”. Quem ouviu a rua no domingo sabe que o sujeito oculto e às vezes explícito dos discursos e cartazes era a hostilidade ao Congresso. Esse é o nome do golpismo.

Nem todos os 58 milhões de pessoas que votaram em Jair Bolsonaro eram golpistas, mas todos os golpistas votaram no capitão. Passados cinco meses, a banda golpista encolheu na rua e no andar de cima. Como o sapo de Guimarães Rosa, não fez isso por boniteza, mas por precisão. Mesmo assim, escalou-se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para o papel de Pixuleco da vez.

De boa-fé, o mais ardente dos bolsonaristas haverá de reconhecer que Maia defende a reforma da Previdência há mais tempo e com mais ardor que Bolsonaro. O golpismo está sem ideias.

Tome-se o caso da reforma. Os dois pontos mais contestados são as mudanças no benefício aos miseráveis e a proposta do regime de capitalização. Paulo Guedes já disse que a primeira mudança poderá ser opcional e a segunda, além de opcional, poderá ficar para mais tarde. Admitindo-se que se crie um regime de capitalização opcional para quem entra no mercado de trabalho e que o cidadão possa optar por um fundo do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica, onde está o problema?

A balbúrdia que ronda a reforma e outras iniciativas do governo não é alimentada por uma oposição tumultuante e explosiva. Ela vem de dentro de um governo desconexo onde brilha quem aposta no tumulto.

Bolsonaro tem quatro cavaleiros do Apocalipse. São os ministros Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Basta compará-los a quatro ilhas de tranquilidade: Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Santos Cruz (Secretaria de Governo).

Weintraub foi a espoleta que explodiu a crise nas universidades. Sintomaticamente, enquanto ele jogava gasolina, Bolsonaro comportou-se como bombeiro. Aceitou a lista tríplice da Federal do Rio de Janeiro e nomeou a professora Denise Pires de Carvalho para sua reitoria. Pouco depois, mostrou-se contrário à cobrança de anuidades nas universidades públicas. Coisa de comunista, diria um golpista.

Míriam Leitão: O câmbio em meio à incerteza política

- O Globo

Volatilidade do dólar é elemento a mais de incerteza na economia e sua principal causa é o desgaste na relação de Bolsonaro com o Congresso

Entre os vários problemas da economia brasileira está a instabilidade do dólar. Em pouco mais de três meses, o dólar subiu 12%, saindo de R$ 3,65 para R$ 4,10, no pior momento. Nos últimos dias, caiu um pouco, mas permanece acima de R$ 4,00. Mais do que o patamar em que está, o problema é a volatilidade. Os consumidores têm a sensação de perda de poder de compra, e os empresários têm aumento de custos. Os importadores se retraem, os exportadores aguardam novas altas. Entre as grandes empresas, há aumento das dívidas corporativas. O dólar afeta a inflação e eleva alguns dos preços mais sensíveis, como os combustíveis.

O economista Nathan Blanche, especialista em câmbio e sócio da Tendências Consultoria, diz que a principal variável que está pressionando a moeda brasileira é a crise política, resultado da incapacidade de o presidente Jair Bolsonaro estabelecer uma relação estável e produtiva com o Congresso. Ontem, o presidente da República tomou café da manhã com os presidentes da Câmara e do Senado para firmar um “pacto” a favor das reformas. Mas isso aconteceu na esteira das manifestações que ele estimulou no último domingo e nas quais os líderes do Legislativo, especialmente Rodrigo Maia, foram bastante atacados. Será preciso muito mais do que um simples encontro.

A alta recente do dólar sofreu grande influência desse descompasso entre os poderes.

— O dólar é o principal sensor de risco do mercado, e hoje o que mais pesa sobre o câmbio é a incerteza política. Acreditou-se, após as eleições, que a saída do PT e a base eleita pelo PSL dariam sustentação forte às reformas. Mas estamos vendo que não há harmonia entre o Executivo e o Legislativo. O ritmo das votações foi afetado —afirmou Nathan Blanche.

Bernardo Mello Franco: O terraplanismo avança em Brasília

- O Globo

O Brasil vive um momento em que os donos do poder veem as universidades como locais de “balbúrdia” e buscam conhecimento nos livros de Olavo de Carvalho

A Fundação Oswaldo Cruz investiu R$ 7 milhões para produzir uma pesquisa completa sobre o uso de drogas no Brasil. O levantamento mobilizou 500 pesquisadores e ouviu 16 mil pessoas, mas ainda não foi divulgado. Está na gaveta por decisão do governo.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro Osmar Terra admitiu o que a comunidade científica já sabia. A pesquisa foi censurada porque não confirma a tese de que existiria uma epidemia de drogas no país.

“Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz”, sentenciou Terra, alegando que o estudo não teria “validade científica”. Ao ser lembrado de que a instituição tem prestígio internacional, ele respondeu: “É prestigiada para fazer vacina. Agora, para droga, ela tem um viés ideológico”.

O ministro disse ser “óbvio” que o país vive uma epidemia de drogas, mesmo que o levantamento mostre o contrário. “Andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada”, declarou.

O estudo censurado não se limitou a um bairro famoso. Os pesquisadores percorreram todo o país para atestar que apenas 9,9% dos brasileiros experimentaram alguma droga ilícita na vida. Embora a maconha seja a substância mais consumida, só 1,5% havia usado a erva nos últimos 30 dias. Esses dados foram revelados pelo site The Intercept, mas o levantamento continua na gaveta.

Juan Arias: Bolsonaro não deve ter gostado das manifestações de domingo

- El País

Preferia que se manifestassem com mais garra, mais radicais

Um jornalista brasileiro que conhece como poucos o presidente Jair Bolsonaro me garante que ele não deve ter gostado das manifestações deste domingo. Acompanha-o como repórter desde que o hoje presidente era um anônimo deputado do chamado “baixo clero”, essa massa de congressistas às ordens dos cardeais dos grandes partidos que vivem das migalhas de seus banquetes. Desde então, o que sempre distinguiu o ex-militar, diz, foi a briga, a guerra, a defesa da ditadura e da tortura e o desprezo pelos diferentes, dos gays aos negros.

O presidente, que tinha insuflado suas hostes mais aguerridas a saírem às ruas para defendê-lo dos que preferem, segundo ele, um país “ingovernável”, não deve ter se entusiasmado, de fato, com a marcha de milhares de seus seguidoressobre Brasília. Não porque lhe parecessem poucos, já que certamente temia que fossem menos, mas porque preferia que se manifestassem com mais garra, mais radicais, pedindo em coro, por exemplo, o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Fizeram-no só um punhado de vozes isoladas.

Foi, para assombro dele, uma manifestação até pacífica, sem grande aparato policial, em que se defendiam bandeiras que não entusiasmam o presidente hoje em dia, como a aprovação pelo Congresso da reforma da Previdência, indispensável para que a economia do país não desmorone. Tampouco parece interessar a Bolsonaro a tal lei com a qual surpreendeu dias atrás ao garantir que tinha uma proposta para melhorar a arrecadação pública. No final, era a magia ridícula de um suposto imposto sobre a venda de imóveis.

Não deve ter agradado ao presidente tampouco a ênfase que seus manifestantes puseram em exigir a aprovação imediata do projeto do ministro da Justiça, o juiz Moro, sobre o combate à criminalidade e à corrupção. O gigantesco boneco inflável de Moro que dominava a Esplanada dos Ministérios, tratado como “herói nacional”, apareceu no momento em que Bolsonaro se mostra arrependido de ter escolhido o juiz da Lava Jato como um de seus ministros-estrela. A cada dia ele dá sinais de que o juiz, que aparece nas pesquisas com 60% de aprovação nacional, o dobro da que o presidente obtém, perdeu o interesse para Bolsonaro e começa até a lhe dar medo. Defende-o cada vez menos das investidas do Congresso, que abandonou seu projeto. Começa a lhe parecer incômodo.

Aliás, a bandeira da luta contra a corrupção política, identificada no ministro Moro, que foi uma das que deram milhões de votos a Bolsonaro, começou a se desinflar quando surgiram as primeiras notícias de que tanto os filhos do presidente como ele próprio e sua esposa estariam envolvidos em um esquema de corrupção política e em suas perigosas relações com as violentas milícias do Rio, a cujos líderes os Bolsonaro tinham condecorado como heróis. E, como se fosse pouco, começou a cair sobre eles a sombra do assassinato da jovem militante de esquerda Marielle Franco, vítima das milícias em cujas águas nadava toda a família do presidente. E o mistério continua enquanto as pessoas se perguntam o que Moro fará.

Clóvis Rossi: Melhor o pacto do que os tuítes de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Mas é preciso envolver a sociedade nessa conversa

Sou fã de Ranier Bragon, um dos colunistas da página 2 da Folha(todos eles excelentes, aliás). Mas acho que ele talvez tenha se precipitado ao colocar o rótulo de “conto do vigário” na tentativa de pacto que Jair Bolsonaro anunciou nesta segunda-feira (27).

Até entendo a desqualificação: tudo o que vem de Bolsonaro me parece ruim, feio —e creio que a Ranier também. Já escrevi mesmo antes da eleição que quem defende uma ditadura e um torturador (condenado, diga-se) promove um retrocesso civilizatório em um país que nunca conseguiu chegar a ser realmente civilizado.

Mas vou ser ingênuo o suficiente para ler a proposta do presidente de um ângulo positivo. Digamos que ele, em vez de procurar destruir tudo “o que está aí", queira, com o pacto, construir de fato uma colaboração entre os poderes para fazer o que é preciso fazer.

Acho que ninguém de bom senso dirá que não são importantes os temas escolhidos para o proposto pacto, a saber: reformas da Previdência e tributária, revisão do pacto federativo, desburocratização e política nacional de segurança pública.

Claro que faltam mais temas na lista, mas não é mais produtivo discutir tais assuntos do que ficar tuitando asneiras, como tem sido o esporte favorito de Bolsonaro?

Vinicius Torres Freire: Corra para a luz, Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Pacto entre Poderes é nada, mas vale, se presidente quer dar adeus às armas

Os presidentes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário vão assinar um pacto em junho. É ideia melhor do que "quebrar o sistema" ou agradar a militantes fanáticos que querem fechar Congresso e Supremo. A perspectiva de terra arrasada cria otimismos miseráveis.

Além disso, de "protestos da mais alta estima e consideração" pela ordem constitucional, o que mais pode ser esse pacto? Algo entre nada e disparates, de preferência inócuos.

Segundo o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), o pacto defenderia a reforma da Previdência. Segundo mais gente do governo, incluiria a "reforma do pacto federativo", a "melhoria da segurança pública" e a "reforma tributária".

Hum.

O presidente do Supremo Tribunal Federal não pode subscrever um projeto político, por mais meritório que pareça. Não pode se transformar na vontade geral dos juízes. Não pode tomar partido de causas que podem ser objeto do seu juízo. A lista de obviedades vai longe.

Os presidentes da Câmara e do Senado também não podem subscrever um programa em nome das casas legislativas. Podem fazê-lo como o deputado "x" e como o senador "y" ou como lideranças partidárias que receberam delegação para tanto.

O presidente da República, no entanto, deve fazê-lo. Deve propor um programa e articular sua aprovação por meio de acordos sociais, políticos e partidários, o que, no entanto, não faz.

Bruno Boghossian: O terraplanismo no poder

-Folha de S. Paulo

Presidente rejeita pesquisas e joga no lixo estudos que vão contra suas convicções

Jair Bolsonaro não quer saber de dados e números. “Ao invés de financiar atos e ‘estudos científicos’ dos mesmos de sempre e ONGs, vamos destinar recursos para buscar solucionar os reais problemas do Brasil”, escreveu, no dia 13. Ele queria desdenhar de organizações que brigam pela preservação ambiental, mas acabou revelando o desprezo de seu governo pela ciência.

O presidente e seus ministros preferem basear suas decisões em achismos. Qualquer pesquisa técnica que se choque com suas convicções é rejeitada. Valem mais as teorias da conspiração e a cegueira ideológica de ex-astrólogos e youtubers.

Evidências produzidas pelo próprio governo são tratadas como lixo. Osmar Terra decidiu jogar fora um estudo de R$ 7 milhões sobre drogas feito pela Fiocruz. A pesquisa diz que o consumo no país não pode ser classificado tecnicamente como epidemia. O ministro não gostou.

“Andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada”, afirmou ao jornal O Globo. A caminhada do ministro na orla valeu mais que os três anos de pesquisa da Fiocruz, com 16 mil entrevistados.

Hélio Schwartsman: Ordem e progresso

- Folha de S. Paulo

Ainda vamos ver muitas tragédias como a que ocorreu em presídios no Amazonas

Disputas entre facções criminosas em quatro presídios no Amazonas deixam um saldo de 55 mortos. Ainda vamos ver muitas dessas tragédias. Na verdade, o problema tende a se agravar se o governo levar a cabo seus planos de endurecer penas e restringir benefícios de progressão de regime.

Gostamos de pensar os presos como valentões que resolvem tudo na base da violência. Se deixados à própria sorte, rapidamente entrariam numa espiral de caos e anarquia. Mas, como mostra o celebrado economista David Skarbek, essa imagem está errada.

Presos, como quaisquer seres humanos, preferem viver em ambientes organizados e previsíveis. O Estado até consegue propiciar um meio relativamente seguro em presídios pequenos ou enquanto a unidade conta com recursos adequados. Mas, se a população carcerária crescer sem que o número de celas, guardas etc. acompanhe, surgem instabilidades que os próprios presos tratarão de resolver. Está aí o embrião das organizações criminosas.

Um pacto enganador: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro escolheu novamente a solução errada – e enganadora – ao reavivar, em café da manhã com chefes dos outros Poderes, a ideia de um pacto a favor da pauta de reformas e do crescimento. Apresentada há dois meses pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, a proposta, quase esquecida, foi agora espanada e convertida em símbolo de harmonia e de cooperação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Com esse lance, o presidente da República mais uma vez jogou sobre o Congresso e a Justiça – embora de forma implícita – a responsabilidade por entraves a mudanças importantes para o País. A responsabilidade principal pelos impasses, no entanto, está na chefia do Executivo, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada.

Um pacto sobre as metas será assinado na semana de 10 de junho, disse o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas a declaração pode ter sido precipitada. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, informou a intenção de submeter o papel aos líderes da Casa antes de assiná-lo. Só o assinará, acrescentou, se houver apoio da maioria. Mas será mesmo necessário?

O próprio Maia, juntamente com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já se havia comprometido a apoiar a reforma da Previdência e outras iniciativas importantes para a correção de desajustes e a reativação da economia. Esse compromisso, deixaram claro, seria cumprido com ou sem a cooperação do presidente da República. O presidente da comissão especial da Câmara e o relator do projeto das aposentadorias também têm afirmado seu empenho em cuidar do assunto com presteza e atenção aos efeitos fiscais. Todas essas declarações são anteriores às passeatas do último domingo.

Vera Magalhães: Pacto para inglês ver

- O Estado de S. Paulo

Teve um quê de cinismo generalizado o encontro desta terça-feira entre representantes dos três Poderes, que prometeram um pacto pelas pautas de interesse do Brasil apenas dois dias depois de o presidente Jair Bolsonaro instigar e comemorar manifestações em todo o País que clamaram não por pacto, mas por cabresto no Legislativo e no Judiciário.

Os presidentes da Câmara e do Senado não vestiram a carapuça de inimigos da Nação que tentaram lhes enfiar nas cabeças – mais na de Rodrigo Maia que na de Davi Alcolumbre, pelo fato de a Câmara estar com a maior parte dos projetos de relevo, como a reforma da Previdência.

Foram ao encontro, comeram pão de queijo, sorriram amarelo para as fotos e voltaram para suas Casas na certeza de que não há confiança de parte a parte. Foi isso que relataram a seus liderados e deles colheram.

Da mesma maneira, seja a ser engraçado o presidente do STF, Dias Toffoli, ser autor da ideia de pacto (surrada, diga-se, clichê também tirado da cartola cedo demais, aos cinco meses de um mandato). O Supremo acaba de derrubar as concessões de subsidiárias da Petrobrás e a decidir sobre homofobia na frente do Congresso. O nome disso não é pacto, mas superveniência de atribuições entre os Poderes.
Maia não acusou o golpe do pixuleco em que o colocaram de pirulito na mão, mas reagiu sem passar recibo. Ao pedir que o relator da reforma antecipe seu parecer, ele devolve a bola a Bolsonaro: presidente, a Câmara tem pressa; pelo bem do País, deixe de travar a Nova Previdência e consiga os votos de que precisa.

Monica De Bolle*: Estagnação secular?

- O Estado de S.Paulo

O que temos é uma crise fiscal crônica para a qual soluções têm de ser encontradas

Em 1938, o então presidente da Associação Americana de Economia (American Economic Association), Alvin Hansen, proferiu discurso perturbador. Era o final da Grande Depressão, mas Hansen sugeria que talvez o mundo estivesse à beira de nova era em que o desemprego seria persistentemente mais elevado do que anteriormente e o crescimento econômico permaneceria muito baixo sem alguma outra força que pudesse empurrar a economia de volta aos níveis de emprego que predominaram antes da crise de 1929. A tese ganhou termo próprio: estagnação secular. Seus principais fatores propulsores seriam a queda na taxa de natalidade e a demanda agregada deprimida em decorrência de fatores diversos. A visão de Hansen provou-se equivocada para a época, mas o economista Larry Summers a retomou recentemente para explicar as taxas de juros reais persistentemente baixas em várias economias maduras. Desde então, o debate sobre a existência ou não de estagnação secular nos países avançados tem sido terreno fértil para o debate econômico.

Luiz Carlos Azedo: O pacto de cada um

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O presidente Bolsonaro, para evitar a derrubada da reforma administrativa, pediu para que sua base não emendasse o que havia sido aprovado pela Câmara, mantendo o Coaf no Ministério da Economia”

Todo governo tem o pacto que merece. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e o presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Dias Toffoli, anunciaram que pretendem assinar um pacto de governabilidade com cinco eixos: reforma da Previdência, reforma tributária, pacto federativo, segurança pública e desburocratização. Os Três Poderes estariam irmanados para enfrentar esses problemas de mãos dadas. Veremos nos próximos capítulos.

Ontem mesmo, porém, o ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, foi convocado pela poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para prestar esclarecimentos sobre o pacote anticrime do governo, enquanto o pau quebrava na reunião de líderes do Senado em relação à volta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Economia, matéria aprovada pela Câmara, ao contrário da proposta original, que era subordinar o órgão ao Ministério da Justiça. Nova mudança no Senado poderia inviabilizar a reforma administrativa, que reduziu o número de ministérios, entre outras medidas, porque o projeto teria que voltar à Câmara.

O pano de fundo da questão é uma das variáveis que decidiram as eleições passadas, mas ainda assombra o Congresso: a Operação Lava-Jato. As outras foram o desemprego, a violência, o colapso dos serviços públicos e a desestruturação das famílias. A vinculação do Coaf ao Ministério da Justiça, uma das exigências do ex-juiz Sérgio Moro para assumir a pasta, segundo o próprio, teve por objetivo fortalecer o órgão administrativamente, com o propósito de combater a lavagem de dinheiro.

A interpretação dada à proposta pela maioria dos políticos é outra: o Coaf seria transformado num órgão policialesco, em vez de fiscalizador, com a prerrogativa de quebrar o sigilo fiscal de qualquer cidadão sem a devida autorização judicial. Hoje, todas as operações financeiras acima de R$ 5 mil são comunicadas ao Coaf, que é obrigado a informar às autoridades policiais aquelas que são consideradas “atípicas”. Seguir o dinheiro foi o segredo do sucesso da Operação Lava-Jato. Quem quiser ter uma ideia de como essa estratégia foi importante, pode assistir à série O Mecanismo, da Netflix, do cineasta brasileiro José Padilha, o mesmo do blockbuster nacional Tropa de Elite.

Rosângela Bittar: Guedes, qual o plano?

- Valor Econômico

O ministro só diz: "Estamos vendo, estamos vendo"

A Câmara, que vinha tendo um bom diálogo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, graças à intermediação do presidente da Casa, Rodrigo Maia, já está saturada do seu estilo. Tanto quanto ele está agastado, ou apenas teatralmente desacorçoado, depois de dois entreveros e vários outros embates provocados pela impaciência do homem de mercado com os difíceis trâmites da negociação política.

Vários líderes têm cobrado ao ministro um plano para depois da aprovação da reforma da Previdência. O mínimo que se precisa saber é o que vem por ai para resolver outros graves problemas, vez que a reforma da Previdência só está inserida apenas na equação do equilibrio fiscal. O grande drama brasileiro hoje é o desemprego que só terá solução com o crescimento. São as medidas para atingir essa meta que estão na agenda de conversas entre o parlamento e o Ministério da Economia.

A reforma da Previdência, segundo afirmam os interlocutores de Guedes, já tem sua aprovação assegurada. Como dizem no próprio Ministério da Economia, é uma aprovação "precificada". Terá mais impacto se não for aprovada do que quando for. Os parlamentares de liderança também consideram a Previdência resolvida, há uma convicção generalizada e crescente que poucos hoje reagirão a ela.

Com essa constatação, líderes foram ao ministro perguntar, mais de uma vez: "Guedes, qual o plano?" Ou seja, o que o governo fará para resolver os demais problemas que não são o ajuste fiscal? Constatam que o governo, mesmo no superministério, continua sem saber a que veio e para onde vai. O presidente Jair Bolsonaro, repetem os líderes, não sabe governar nem articular-se com os demais Poderes e por isso exige, com suas forças de pressão, que lhe deem de mão beijada e a custo zero o que precisa.

*José Eli da Veiga: Planeta dos estranhos

- Valor Econômico

Os atuais discursos reacionários evocam particularismos civilizacionais e religiosos contrários à Ciência

O maior desafio às tentativas de periodização histórica está em identificar algum padrão que claramente supere a inevitável heterogeneidade dos fatos. Ao caracterizar o Absolutismo, por exemplo, os historiadores precisam deixar de lado as gritantes diferenças entre a França de Luís XV, a Inglaterra de Elizabeth I, a Espanha de Felipe II ou a Rússia de Catarina II. Da mesma forma, ao se distinguir etapas ou fases da democracia liberal do Ocidente, é preciso "ignorar" as muitas diferenças nacionais, europeias e norte-americanas.

Por longos duzentos anos, entre o decênio da Revolução Francesa (1789-99) e a década Thatcher-Reagan (1979-80 a 1989-90), o Ocidente democrático teve três nítidos avanços, sempre seguidos de furibundas contraofensivas.

A primeira dessas três ondas reacionárias foi contra a afirmação dos direitos civis (ou do componente 'civil' da cidadania), em poderosos ataques à Declaração dos Direitos Humanos. A segunda - que ocupou o último terço do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX - foi essencialmente contra o componente 'político' da cidadania, concentrando-se no repúdio ao sufrágio universal, particularmente na Itália, na Alemanha e na Rússia soviética. A ampla gama de avanços socioeconômicos promovida pelo Welfare State foi a vítima da terceira onda, na década de 1980. Tudo isso está minuciosamente descrito em livro de 1991, publicado pela Harvard University Press: "The Rhetoric of Reaction: Perversity, Futility, Jeopardy", de Albert O. Hirschman. Pena que a tradução permaneça esgotada.

Ricardo Noblat: Que governo é este?

- Blog do Noblat / Veja

Pior do que a encomenda
… onde o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional, o mais ouvido pelo presidente, primeiro desacredita um estudo científico que apontou o aumento do desmatamento na Amazônia, para em seguida afirmar, com base em vídeos do Youtube e mensagens do WhatsApp, que as salas de aula do país estão tomadas “pela doutrinação ideológica?

Onde o ministro da Cidadania engaveta uma pesquisa que custou caro à Fiocruz só por que ela desmente a lenda de que o Brasil é vítima de uma epidemia de drogas? Onde a ministra da Mulher diz ter-se encontrado com Jesus no alto de uma goiabeira? E o ministro da Economia, embora apoiado pela mídia, não perde a chance de acusá-la de estar “a fim de bagunçar”?

Trata-se do governo do capitão, gente, que derrotou a esquerda há sete meses, mas que a vê ameaçadora em cada esquina, expelindo fogo pelas ventas, e forte o suficiente para arrebatar-lhe o poder a qualquer momento. Sim, o capitão que se sentiu obrigado, ontem, a remeter uma carta aos seus aliados no Senado porque apenas sua palavra não bastaria para convencê-los a votar assim ou assado.

Enquanto isso… Enquanto isso o desemprego aumenta, a economia permanece ao rés-do-chão e o tempo passa sem que se veja luz no fim do túnel, só breu por ora.

Pacto de espuma

*João Pedro Accioly: Governo de polêmicas frívolas e ignorância constitucional

- Valor Econômico

Governo não conhece nem as possibilidades nem os limites da Constituição, e insiste em disputas ideológicas irrelevantes

A principal discussão política quanto à reforma administrativa de Bolsonaro foi a respeito do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. O Planalto gastou tempo e energia tentando, sem sucesso, convencer a Câmara a rejeitar a emenda que retirara o Coaf do âmbito do Ministério da Justiça e o realocara na pasta da Economia.

Ao que parece, ninguém no governo conhece a figura do decreto autônomo, do modo como desenhada pela Emenda Constitucional nº 32/2001 - que também modificou a redação do artigo 88 da Constituição, para revogar a reserva de Lei que antes se impunha à definição e à repartição das atribuições que tocam a cada Ministério. Ao presidente da República compete, como diz a Carta, "dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos" (CF/88, art. 84, VI, a).

Ora, o presidente pode, via decreto, a qualquer tempo, alterar a vinculação ministerial de órgãos infraministeriais da Administração Pública Federal, a exemplo do Coaf. Tendo esse objeto, o ato tratar-se-á, justamente, de decreto sobre a organização administrativa que não aumenta despesa nem cria ou extingue órgãos públicos.

Fosse essa a via eleita, o Congresso não precisaria aprovar a medida nem previamente, como ocorre com as leis em geral, nem posteriormente, como se dá com as Medidas Provisórias, sob pena de perderem a eficácia. Nessa hipótese, o Parlamento também não teria competência para sustar o decreto autônomo (CF/88, art. 49, V, a contrario sensu) nem, sequer, para revogá-lo por meio de nova Lei, cuja iniciativa competiria, em razão da matéria, privativamente ao presidente da República (CF/88, art. 61, §1º, e).

Mesmo a esta altura, portanto, o presidente pode simplesmente revincular o Coaf ao Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio de um decreto autônomo; fica a dica. Aliás, o governo deveria ter usado esse argumento para dissuadir o Congresso de aprovar a emenda indesejada, o que provavelmente lhe teria poupado esforços e nova derrota política. A rigor, de um jeito ou de outro, não se precisava ter gasto um minuto com essa briga despropositada.

Este, infelizmente, não é o primeiro episódio a evidenciar o apreço pelas polêmicas inférteis e o desconhecimento da Constituição pela atual administração. Há cerca de um mês, no contexto da crise venezuelana, o deputado Rodrigo Maia precisou advertir Bolsonaro que a declaração de guerra depende de autorização congressual (CF/88, art. 49, II c/c art. 84, XIX), após tweet em que Bolsonaro afirmou que qualquer hipótese a esse respeito seria "decidida EXCLUSIVAMENTE pelo Presidente da República". [Assim mesmo, em letras garrafais].

Estatais no tapetão: Editorial / Folha de S. Paulo

STF precisa restabelecer logo segurança jurídica para ajustes e privatizações

Composto pela gigante estatal e suas subsidiárias, o grupo Petrobras contava 44 empresas em 2016. Ao final do ano passado, o número havia caído a 36, graças a um programa de desinvestimentos tido como fundamental para a recuperação financeira da companhia.

Quando o desinvestimento é chamado de privatização, porém, o processo de venda de ativos começa a correr riscos na Justiça.

Assim se viu, mais uma vez, na segunda-feira (27), quando uma liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG) pela Petrobras, realizada em abril por US$ 8,6 bilhões (mais de R$ 34 bilhões pelas cotações atuais).

Embora não fosse controlada diretamente pelo Tesouro Nacional, a TAG figurava entre as estatais federais por pertencer à petroleira. Por esse motivo, Fachin concluiu que o negócio depende de autorização do Legislativo e deve se dar por meio de licitação.

Trata-se de uma decisão monocrática a interferir numa operação de grande vulto, com impactos dramáticos sobre o balanço da empresa e, potencialmente, sobre os investimentos no setor. Pior, ela não se amparou em um entendimento consolidado no tribunal.

Melhoria do saneamento é meta cada vez mais distante: Editorial / Valor Econômico

Às vésperas de caducar, a Medida Provisória (MP) 868, que estabelece um novo marco legal para o saneamento no país, pode ser salva por um renovado esforço do governo para obter apoio à proposta. A tarefa não parece ser fácil. Nem os dados alarmantes a respeito da situação do saneamento básico no país, divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parecem ter sido suficientes para convencer os parlamentares de que algo precisa ser feito, e rapidamente. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que tentará acertar com os líderes partidários um acordo para votá-la em regime de urgência. Se a iniciativa fracassar, a MP perde a validade.

O IBGE mostrou que o inimaginável aconteceu: apesar de o país não estar vivendo nenhuma guerra nem ter passado por algum desastre natural, está andando para trás em termos de saneamento, com reflexos inevitáveis na saúde da população. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, pouco mais de um terço das moradias não tinha acesso ao serviço de esgoto em 2018, o que significa que 72,4 milhões de brasileiros viviam em casas sem rede coletora, mais do que os 72,1 milhões de 2017. É uma população igual à da França. A coleta de lixo também não avançou. Cerca de 20 milhões de pessoas, ou 9,7% da população, viviam em residências sem serviço de recolhimento de lixo, o mesmo percentual do ano anterior. Continuou igual o percentual de lares com água encanada, de 88,3% do total.

Fernando Pessoa: Ah, onde estou

Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)

Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...

Ana Moura: Desfado