*Míriam Leitão, jornalista. “Estado geral da democracia”, O Globo, 21/10/2020.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Opinião do dia – Míriam Leitão*
Merval Pereira - Volta ao passado
O
presidente Bolsonaro faz o país viver um esdrúxulo retrocesso ao assumir a
disputa comercial dos Estados Unidos com a China. Caminhamos para uma relação
conturbada com a empresa chinesa Huawei devido à tecnologia 5G, pois a China
está mais avançada que os Estados Unidos nesse quesito, mas nossa política
externa acha justificável o veto americano à empresa chinesa devido a uma
geopolítica ultrapassada que nos coloca como subalternos dos Estados Unidos,
numa guerra comercial entre as duas potências que poderia nos trazer vantagens.
Agora,
abre-se a disputa sobre a “vacina chinesa”, como Bolsonaro chama a vacina que
será produzida no Instituto Butantã, assim como Trump gosta de chamar a
Covid-19 de “vírus chinês”. A pandemia foi politizada entre nós desde seu
início, quando o Palácio do Planalto colocou-se contra os governadores na
definição das medidas preventivas ao novo coronavírus, como distanciamento
social, uso de máscaras e lockdown.
Houve
a contraposição de uma política personalista, que queria encontrar a todo custo
um remédio milagroso para evitar que a economia parasse, às recomendações
médicas que eram seguidas pelos dois primeiros ministros da Saúde, Luiz Mandela
e Nelson Teich, demitidos por causa dessa divergência.
O
governador de São Paulo João Doria viu nessa situação a possibilidade de
destacar-se como defensor da ciência e da medicina, e assumiu essa tarefa com
afinco, produzindo coletivas diárias dando conta do que o estado mais rico do
país fazia contra a Covid-19, montou uma equipe técnica do mais alto nível.
Bernardo Mello Franco - Não há vacina contra a insensatez
Durou
pouco a ilusão de que o governo deixaria a saúde passar à frente da
politicagem. Na terça-feira, o ministro Eduardo Pazuello anunciou a compra de
46 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Sinovac e pelo Instituto
Butantan. Menos de 24 horas depois, o capitão desautorizou o general.
Eduardo
Pazuello havia sido taxativo. “A vacina do Butantan será a vacina do Brasil”,
afirmou. Ao ler a declaração nos jornais, Jair Bolsonaro metralhou o próprio
ministro. “Alerto que não compraremos vacina da China”, escreveu, em mensagem a
aliados.
Nas
redes sociais, o presidente chamou a Coronavac de “vacina chinesa de João
Doria”. O ataque uniu duas obsessões bolsonaristas: a paranoia com a China e a
ideia fixa com o governador de São Paulo.
Para
agradar seus radicais, Bolsonaro imita Donald Trump, que chama o coronavírus de
“praga chinesa”. A macaquice ignora uma diferença sensível. Washington trava
uma disputa por hegemonia com Pequim, enquanto Brasília só tem a perder ao
provocar seu maior parceiro comercial.
Míriam Leitão - A morte, a vacina e o presidente
Em
2020, estamos morrendo, mas o presidente só pensa em 2022. É capaz de qualquer
ato, o mais temerário que seja, para realizar seu plano. Ontem foi um dia em
que o Brasil perdeu tempo na nova desordem criada por Jair Bolsonaro. Ele
atacou a China, o governador João Doria, humilhou o general Pazuello e fez sua
revolta da vacina para agradar sua milícia digital. O presidente conspira
contra a saúde dos brasileiros para aplacar seus radicais.
Há uma minoria muito estridente nas redes que cobra dele provas de lealdade. Abraçado a políticos com dinheiro nas cuecas, com sua família toda enrolada, o presidente não pode mesmo entregar a promessa de combate à corrupção. Então ele cria conflitos com a China, com Doria, com a vacina para provar que permanece sendo o mesmo. Ele foi cobrado pelo acordo de intenção assinado com o governo de São Paulo e por isso deu o seu chilique.
O
Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacina para o programa nacional de
imunização e tem a confiança do país. É óbvio que será um dos fornecedores,
caso a vacina desenvolvida na cooperação com a China passe bem por todo o
processo da Anvisa. Como disse ontem a agência, existem quatro “protocolos de
desenvolvimento vacinal” correndo na Anvisa e nenhum pedido ainda de registro.
Quando houver, será avaliado tecnicamente. O presidente da Anvisa, Antonio
Barra, procurava palavras para não sair do roteiro da agência. Barra é o mesmo
que em março foi para uma manifestação contra o Congresso junto com o
presidente, participando de aglomeração. Recebeu esta semana a aprovação do
Senado e agora tem mandato.
William Waack* - A cor da vacina
Bolsonaro
ignora que o eleitor é mais pragmático do que ele pensa
Por
ter muita raiva da China ou de João Doria,
o rompante de Jair Bolsonaro prometendo que não vai comprar a vacina chinesa – desautorizando o
general da Saúde – ajuda a entender a razão de capitães comandarem uma
companhia, enquanto generais comandam divisões, exércitos, grupos de exércitos.
É a falta de visão de conjunto.
Bolsonaro
submeteu tudo ao projeto de reeleição, confundindo seu destino político com o
do País. É postura comum a políticos de várias colorações, mas, no caso de
Bolsonaro, a obsessão com o ganho eleitoral de curtíssimo prazo paradoxalmente
ameaça seu próprio projeto de reeleição. A popularidade desse presidente, como
a de outros, está diretamente ligada ao desempenho da economia, e esse
desempenho (até o fim de 2022, digamos) é função de uma série de decisões
políticas difíceis que ele está protelando – em nome do conforto da
popularidade no curto prazo.
Luiz Carlos Azedo - A teoria do dano e a vacina
Bolsonaro não leva em conta que uma pessoa infectada, por se recusar a tomar a vacina, pode contaminar as outras, com consequências trágicas e irreparáveis
A
ideia de que um presidente eleito por maioria pode tudo é profundamente
autoritária e colide com os fundamentos do liberalismo moderno, apesar de agora
ter virado moda em algumas democracias do Ocidente, inclusive a nossa. O filósofo
e economista John Stuart Mill, um liberal utilitarista britânico que se
inspirou nas ideias dos iluministas franceses, em meados do século XIX já
classificava essa visão como uma “tirania da maioria”, expressão que causa
certo espanto, porque muitos acham que maioria e democracia são exatamente a
mesma coisa. Não são.
Sobre
a Liberdade (Saraiva), um clássico da ciência política, é um libelo de Mill em
defesa da liberdade de expressão e da autonomia dos cidadãos. Nascido em
Londres, em 1806, destacou-se também pela defesa do civismo público e dos
direitos das mulheres. Era um liberal progressista. Acabou preso por defender o
direito ao aborto, a reforma agrária e a democratização da propriedade por meio
de cooperativas, ideias social-liberais. Tentou definir um modelo para regular
as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado, que deveria ser capaz de
preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a “tirania da
maioria”, a partir de um conceito simples: tudo é permitido ao indivíduo, desde
que as suas ações não causem danos a terceiros.
Ricardo Noblat - Mais uma bravata de quem não governa o país, só é candidato
Veto
de mentirinha à vacina chinesa
Boa
notícia: o presidente Bolsonaro passou a acreditar na Ciência. Se até outro dia
recomendava o uso da cloroquina para os infectados pela Covid-19, agora diz que
a vacina chinesa contra o mal não será aplicada porque carece de aprovação
científica.
Ou
ele fala sério ou dança em cima dos cadáveres de 156 mil brasileiros vítimas do
vírus até aqui. Como Bolsonaro é um homem honrado, deve falar sério porque
jamais trairia os que o elegeram e poderão reelegê-lo daqui a dois anos.
A situação é tão ruim para os que gostariam de vê-lo derrotado que a oposição comemora a aprovação pelo Senado do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo presidente, e sai em socorro do ministro da Saúde, ameaçado pelo presidente.
A
oposição sente saudade dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich,
forçados por Bolsonaro a desembarcarem do governo. E a essa altura, seria capaz
até de votar para presidente no general Santos Cruz, escorraçado do governo
pelos três zeros.
Que
falta faz Gustavo Bebianno, um dos mais fanáticos adoradores de Bolsonaro, o
primeiro ministro a ser demitido por ele. Desgostoso, morreu. Se pelo menos
fosse possível resgatar o conteúdo do seu celular desaparecido, lamenta a
oposição…
Bruno Boghossian – Nova aliança de Bolsonaro
Aprovação
para STF e guerra da vacina mostram como presidente se equilibra entre dois
grupos
A
quarta-feira mostrou a cara do novo núcleo político que sustenta Jair
Bolsonaro. Pela manhã, o presidente abasteceu a ala ideológica do governo e
vetou o acordo para comprar a vacina chinesa contra a Covid-19. Depois, ele
contou com a boa vontade do centrão para aprovar
o nome de seu indicado para o STF.
Ainda
que muita gente prefira acreditar que Bolsonaro se tornou um presidente
moderado ao abraçar os velhos caciques, está cada vez mais claro que o governo
se equilibra numa aliança entre as cortesias da política tradicional e o
radicalismo que o projetou para a fama.
Desde
que deu início à reforma de sua coalizão e parou de xingar o Congresso, o
presidente descobre aos poucos até onde pode ir para manter o apoio desses dois
grupos. Se acha que chegou longe demais, ele
sempre pode entregar um cargo ao centrão ou lançar uma nova teoria
conspiratória nas redes.
Ascânio Seleme - La Catedral
Está
claro que não havia razão para se dar licença ao Conselho de Ética e a outras
comissões
Desde
o início da pandemia, em março, o Conselho de Ética do Senado não funciona. A
explicação é que se quer resguardar a saúde dos senhores senadores. Enquanto
isso, 13 casos repousam nos seus escaninhos fechados à luz do sol. No mesmo dia
em que o senador Chico Rodrigues (que foi apanhando com pacotes de dinheiro
enfiados entre as nádegas) pediu afastamento por 120 dias, o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre, disse não ter pressa para julgá-lo.
Alcolumbre
avisou que não vai reabrir o conselho apenas para atender a uma conveniência,
que seria investigar o malfeito de Chico. Segundo ele, “há uma preocupação de
muitos senadores em relação ao funcionamento do Senado, por conta do
coronavírus. Então, eu não posso por uma conveniência, de um assunto ou outro,
decidir sozinho isso. Eu tenho que dividir com todos que estão preocupados com
o coronavírus".
Bobagem.
Ou desculpa esfarrapada para não julgar o colega e empurrar o processo com a
barriga como sempre se fez com casos de parlamentares encrencados. Funciona
como máfia ou cartel, onde um membro defende o outro em favor da impunidade de
todos.
O
Senado opera muito bem remotamente. Aliás, o Congresso trabalha bem de maneira
remota. As duas Casas aprovaram por videoconferência inúmeros projetos ao longo
dos últimos seis meses, e em sessão conjunta votaram até mesmo emendas à
Constituição, como a que mudou a data das eleições deste ano, a que instituiu
as regras para o enfrentamento da pandemia, e até mesmo uma de natureza mais
corriqueira, a que mexeu com o ICMS.
Maria Cristina Fernandes - Uma garantia estendida por 27 anos
Vínculos
de Kassio Nunes com a OAB precedem Bolsonaro
O
desembargador Kassio Nunes Marques foi inquirido por quase dez horas, só
perdendo para a sabatina do ministro Edson Fachin (11 horas), mas duração não
foi reflexo de contenciosos. Com 57 votos favoráveis, 10 contrários e 1
abstenção no plenário do Senado, o novo ministro chegará ao Supremo Tribunal
Federal com uma aprovação menos contestada que a de Fachin (52 a 27), Gilmar
Mendes (57 a 15) e Rosa Weber (57 a 14). O quórum de sua aprovação aproxima-se
daquele de Dias Toffoli (58 a 9), o último dos ministros a ter um currículo tão
contestado quanto o de Nunes Marques. Apesar da pandemia, a votação teve a
presença de um número maior de senadores (68) do que a aprovação dos ministros
Cármen Lúcia (56), Marco Aurélio (54), Ricardo Lewandowski (67) e Luís Roberto
Barroso (65).
O
panorama da votação foi antecipado pelo voto em separado de Alessandro Vieira
(Cidadania-SE). O senador anotou que o desembargador “é a mais perfeita
materialização do sistema de cruzamento de interesses que impera no Brasil há
décadas”. Por esta razão, disse o senador, “não surpreende o fato de a
indicação angariar apoios entusiasmados de políticos que vão do petismo ao
bolsonarismo, nem a recepção expressiva por parte de ministros da Suprema Corte
que confundem costumeiramente o republicano dever de urbanidade com a
condenável confraternização efusiva com investigados poderosos e seus
representantes”.
Vinicius Torres Freire - Não se esqueça do antibiótico da China
Show
de demagogia desvairada de Bolsonaro é o de sempre, mas um dia a casa cai
Da
longa lista de produtos que importa da China, plataforma de petróleo é aquele
em que o Brasil gasta mais. Depois, vêm telefones celulares. Em 2019 gastamos
também US$ 70 milhões em “edredons, almofadas, pufes e travesseiros” chineses.
Qual
o maior fornecedor estrangeiro de antibióticos para o Brasil? A China, que
aliás aparece em terceiro lugar nas vendas de produtos de beleza, por exemplo.
Não
dá problema, por ora, porque basicamente quase ninguém sabe alguma coisa de
comércio internacional, porque um governador desafeto de Jair Bolsonaro não
disse que vai importar antibióticos ou pufes e porque a milícia digital
bolsonarista não se ocupou do assunto.
Até
o ano passado, o Brasil comprava pouca vacina e produtos imunológicos prontos
da China. As importações maiores tradicionalmente vinham de Alemanha, Suíça,
Estados Unidos e Bélgica, com Irlanda, Itália, Reino Unido e França logo atrás.
Neste ano, a China começou a aparecer entre os quatro maiores.
Mas
nada disso importa no nosso ambiente de selvageria lunática. Além do mais, o
Brasil fabrica o grosso de suas vacinas, por vezes com matérias primas
importadas de vários países, como aliás é o caso de tanta mercadoria. Até de um
simples lápis de grafite.
Bolsonaro
sabia o que Eduardo
Pazuello andava fazendo com a “vacina chinesa”. Mas a reação dos
milicianos digitais, os discursos vitoriosos de João Doria e a baixa vaidade
presidencial, de valentão provinciano ou síndico maníaco, provocaram o chilique
(“eu é que mando!”). O general-chefe do almoxarifado da Saúde é menos que um
ajudante de ordens do capitão, é uma ordenança.
Maria Hermínia Tavares* - Chile, 2020: plebiscito e paridade renovam a democracia
Efeitos
das rebeliões populares dependem da abertura do sistema político para ouvir o
grito das ruas
No próximo domingo, dia 25, os chilenos dirão se querem uma nova Constituição ou se preferem emendar a atual —e, em qualquer hipótese, decidirão quem se incumbirá da tarefa. Na Suíça, por exemplo, o plebiscito seria uma trivialidade.
Longe disso no país andino, onde, há um ano, a política e a vida
cotidiana viraram de ponta-cabeça, sob o impacto de um insuspeitado terremoto
de protestos de rua contra o aumento das passagens do metrô de Santiago.
Assim como em outras explosões pelo mundo afora, um ato administrativo foi o estopim da rebelião contra tudo e todos --a começar, como de costume, contra o establishment político. Sua força mediu-se pelas multidões mobilizadas na capital e nas principais cidades ao longo de cinco meses, até serem vencidas pela Covid-19.
Irrupções populares são sempre imprevisíveis e indecifráveis: somam demandas e sentimentos heterogêneos. Seus efeitos mais duradouros sobre a democracia dependem da reação do sistema político e de sua aptidão para ouvir o grito das ruas, reconhecer o mal-estar que vocaliza e traduzi-lo em reformas institucionais que o tenham na devida conta.
Fernando Schüler* - Meritocracia: que bicho é esse?
O
esforço por óbvio faz diferença na vida, mas o mercado remunera a criação de
valor, e isso frequentemente nada tem a ver com o mérito de cada um
Daniel
Markovits lançou um livro chamado “The Meritocracy Trap” (a armadilha
da meritocracia, ainda sem edição no Brasil), com as habituais denúncias contra
o “mito” ou a “farsa” da meritocracia. O argumento central é um velho
truísmo. Nossas
sociedades são desiguais, as famílias entram no jogo e, por óbvio, os
pontos de partida de cada um na vida são muito diferentes.
O
interessante desse debate é que raramente alguém diz quem exatamente defende a
ideia sem sentido de que nossas sociedades sejam meritocráticas. As referências
sempre se dirigem a uma vaga “cultura popular” que preza o mérito, ou recomenda
que as pessoas confiem nelas mesmas e ponham a mão na massa (a cultura da autoajuda é
isso, não?).
Nos
anos 1950, o sociólogo britânico Michael Young escreveu um livro distópico,
“The Rise of The Meritocracy” (a ascensão da meritocracia, também sem edição no
Brasil), tentando imaginar como funcionaria uma sociedade em que as posições de
poder fossem acessíveis aos mais talentosos. A coisa toda era, por óbvio, uma
grande ironia. E um inferno totalitário, apenas isso.
Ribamar Oliveira - Mais uma renegociação de dívidas a caminho
Projeto
substitui e amplia o “Plano Mansueto”
Um
projeto de lei complementar que deverá ser colocado em votação na Câmara dos
Deputados em novembro vai alterar três leis complementares, três leis
ordinárias e uma medida provisória. Ele prevê uma nova renegociação das dívidas
estaduais com a União e estabelece condições para que os Estados classificados
com capacidade de pagamento “C” pelo Tesouro Nacional possam realizar novas
operações de crédito, com aval da União. Atualmente, existem 13 Estados com
essa classificação de risco.
O
projeto de lei complementar 101/2020 é de autoria do deputado Pedro Paulo
(DEM-RJ) e substitui e amplia o escopo do chamado “Plano Mansueto” (PLP
149/2019), que foi encaminhado pelo governo ao Congresso no ano passado, mas
que não chegou a ser votado.
O
objetivo do plano, que leva o nome do ex-secretário do Tesouro Mansueto
Almeida, era justamente estabelecer condições para que os Estados classificados
como “C” pudessem fazer novas operações de crédito, com aval da União. O PLP
149 terminou sendo transformado, na Câmara dos Deputados, em um seguro-receita
aos Estados e municípios, com validade durante a pandemia da covid 19, o que
foi rejeitado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e enterrado pelo Senado.
Celso Ming – E se der Joe Biden nos Estados Unidos?
Em
substituição ao slogan de Trump 'America first', Biden acena com 'America will
lead again'
Na
campanha eleitoral dos Estados
Unidos, a política econômica vem sendo uma falsa ausente. Os temas
da área parecem esquecidos, mas permeiam os demais.
Os
debates têm focado mais a questão racial, a maneira desastrosa com que Trump enfrentou (ou
não enfrentou) a pandemia e sua incapacidade de liderar o país e o mundo. Mas a
insatisfação com o desemprego, com a perda de renda, com a destruição de
pequenos e médios negócios e com a falta de visão social na distribuição de
ajudas está por detrás de tudo.
Se
as pesquisas não errarem tanto quanto erraram na eleição de 2016, o morador da
Casa Branca a partir de 20 de janeiro será o democrata Joe Biden.
Para
enfrentar o mau desempenho da economia, na maior crise desde os deprimentes
anos 1930, Biden promete aumentar as despesas públicas e, em contrapartida,
pretende arrancar do Congresso um aumento de impostos, especialmente sobre o
lucro das empresas e sobre a renda dos mais ricos.
Alguns
analistas ainda preveem reação negativa dos mercados financeiros caso se
confirme a vitória de Biden. Mas, depois do recado tão insistente e tão
enfático passado pelas pesquisas de intenção de voto, esse resultado já deve
ter passado para o preço.
Zeina Latif* - Sem meias palavras
A
crise fiscal explode diante de nossos olhos e a cada dia novos riscos aparecem
Faz
parte da nossa cultura buscar sempre um lado positivo em tudo. Temos baixa
tolerância a más notícias. Não é incomum os noticiários na televisão terminarem
a edição com algum assunto ameno, provavelmente para não perder audiência.
É
possível que esse traço cultural atrapalhe o enfrentamento de problemas. Ao
negá-los ou atenuá-los, a busca por soluções tende a ser protelada. A reforma
da Previdência saiu porque paramos de dourar a pílula.
O
momento atual pede o enfrentamento da dura realidade fiscal, que se agravou. A
recomendação de muitos de fazer tudo que fosse possível na pandemia, sem se
preocupar com a qualidade e calibragem dos gastos, foi imprudente. Gastamos
muito em comparação aos emergentes e não tão bem, como já discutido em outro
artigo.
José Serra* - Frear a deterioração educacional
Já
não há espaço para remédios improvisados, são necessárias medidas inovadoras e
corajosas
A
pandemia tem aumentado o esgarçamento da educação no Brasil, tanto pública
quanto privada, mas também vem ampliando a oportunidade para uma agenda social
com políticas educacionais inovadoras. Com a paralisação parcial da atividade
econômica, milhares de jovens perderam o emprego e a renda para bancar os
estudos. Muitos estabelecimentos de ensino paralisaram as aulas presenciais
para evitar a proliferação do vírus, o que afetou, sobretudo no ensino público,
estudantes das famílias de baixa renda.
A
situação da educação no Brasil é tão grave quanto desigual. No ensino infantil
faltam creches para 86% das crianças mais pobres. Já entre os 20% de famílias
com renda mais alta no País, a falta de creches atinge apenas 6,9% das crianças
entre 0 e 3 anos.
Os
números que retratam o ensino médio são igualmente alarmantes: nossa taxa de
conclusão do ensino médio antes de completar 25 anos é de apenas 58%.
Comparando com taxas de conclusão de 86,1% no Chile e 79,1% nos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o quadro é
dramático. Quanto à metade dos estudantes que conclui o ensino médio, segundo
dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cerca de 70%
apresentam resultados considerados insuficientes em Matemática e Português,
requisitos hoje mínimos para sua empregabilidade, mesmo em funções modestas.
Eugênio Bucci* - Uma trilha sonora para um Brasil pandêmico
O
presidente está mais para lobisomem de filme de Mazzaropi do que para Duce...
O
presidente da República está em plena Revolta da Vacina. Tem ciúme da vacina.
Tem ciúme de quem a tem e mais ciúme ainda de quem a terá. O presidente se
descabela e se rebela. Homem do seu tempo, vive com ardor o ano de 1904. Quer
atirar cadeiras nos mata-mosquitos de Oswaldo Cruz, mas o sanitarista, mau
brasileiro, impatriótico, sumiu de cena antes que terminasse o ano da desgraça
e não mais se voluntaria a receber desaforos.
O
presidente, resoluto, impoluto e estulto, não desiste. Não abre mão da revolta.
Na falta do Cruz, dispara perdigotos contra o Instituto Butantan. A vacina que
se cuide. Estão pensando o quê?
A
fúria presidencial, impetuosa, pomposa e prosa, é máscula, mas dança conforme a
cançoneta: “Anda o povo acelerado/ com horror à palmatória/ por causa dessa
lambança/ da vacina obrigatória”. Na voz do cantor Mário Pinheiro, os versos
ressequidos arranham o mármore do Palácio do Planalto. Raiva da vacina. Ódio
febril e varonil.
E
o que virá depois? Inútil tentar descobrir. No Brasil, o passado é imprevisível
(abraço, Pedro Malan).
Raul Jungmann*- O segundo governo Bolsonaro
Na
política a chamada “antipolítica” e o combate à corrupção, cujo núcleo era a
renúncia ao “presidencialismo de coalizão”. Nesse último caso, a solução
aventada para o dilema de como levar o Congresso a aprovar o programa do
governo, sem o usual recurso à troca de apoios partidários por cargos no
Executivo, foi o “presidencialismo de colisão”. Neste, buscava-se o confronto e
a pressão sobre o parlamento, mas também sobre o Judiciário, mediante o recurso
à espada, isto é, às Forças Armadas, que teoricamente estariam ao seu lado,
como atestavam as falas dos militares em cargos ministeriais.
Cristovam Buarque* - Depois da devastação
É
equívoco responsabilizar a covid-19 pelo agravamento da desigualdade
educacional, porque ela sempre foi tão grande, que é impossível ter piorado. É
como dizer que a desigualdade aumentava entre a senzala e a casa grande, em
momentos de epidemia. Os senhores tinham mais remédios, mais cuidados, menos
promiscuidade sanitária, mas a desigualdade entre eles e os escravos era tão
abismal que não piorava. A epidemia mostra a desigualdade, não piora.
O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais
O
que Bolsonaro deseja – e assim faz valer – é uma pasta incondicionalmente
subserviente a suas idiossincrasias políticas e ideológicas
Em plena pandemia, o presidente Jair Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde porque eles insistiram em seguir os protocolos profissionais. Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich recusaram-se a indicar um medicamento contra as evidências científicas e, por isso, tiveram de deixar a pasta. O presidente Bolsonaro queria um ministro da Saúde obediente às suas ordens, mesmo que elas afrontassem a ciência e a medicina. Foi assim que se chegou ao nome de Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde. Tão logo assumiu a pasta, o general de brigada ampliou, em estrita obediência ao arbítrio do chefe, o uso de cloroquina em pacientes com covid-19.
Ontem,
o presidente Bolsonaro reiterou que, durante seu mandato, não quer o Ministério
da Saúde atuando pela saúde pública. O que ele deseja – e assim faz valer – é
uma pasta incondicionalmente subserviente a suas idiossincrasias políticas e
ideológicas.
Na
terça-feira, em reunião virtual com os 27 governadores, o ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, anunciou a assinatura de um protocolo de intenções para
adquirir 46 milhões de doses da vacina Coronavac, desenvolvida pela
farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Era uma
decisão estritamente técnica, em benefício da população. No momento, a
Coronavac é a vacina em estágio de testes mais avançado, tendo mostrado, até
agora, os melhores índices de segurança. Com um investimento estimado em R$ 1,9
bilhão, a compra até o fim do ano permitiria iniciar a vacinação já em janeiro
de 2021.
Na
ocasião, Eduardo Pazuello fez questão de esclarecer eventual dúvida ou
desconfiança sobre a origem da vacina. Segundo o ministro da Saúde, a “vacina
do Butantan será a vacina brasileira”, lembrando que o imunizante, tendo sido
desenvolvido na China, será produzido integralmente no Instituto Butantan, em
São Paulo.
Poesia | Cecilia Meireles – Renova-te
Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.