segunda-feira, 30 de março de 2015

Opinião do dia Merval Pereira

Para que todos fiquem satisfeitos, é capaz de Vinicius Lages ir para outro ministério, não se sabe qual mesmo, e acabar irritando o PT, ou o PP, ou outro aliado de ocasião qualquer. Enquanto perscruta o humor de Calheiros como os antigos tentavam entender os sinais dos oráculos, a presidente vai limitando sua capacidade de governar, já afetada pelos baixíssimos índices de aceitação popular, que deslegitimam suas decisões.

Como resultado desta inação governamental, cada setor exerce seu pequeno poder sem olhar para o lado, e o Estado vai se desmilinguindo.

-------------------------
Merval Pereira, jornalista, em artigo ‘A inação do governo’. O Globo, 29 de março de 2015

Aperto fiscal reduz gasto do PAC em 31,8%

• Levantamento da Contas Abertas mostra que pagamentos feitos até fevereiro caíram de R$ 11 bi em 2014 para R$ 7,5 bi este ano

Lu Aiko Otta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A ausência de uma lei orçamentária e o cofre do governo trancado pelo ajuste fiscal derrubaram os gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a dois terços dos valores verificados no ano passado. De acordo com dados levantados pela organização não governamental (ONG) Contas Abertas, os valores pagos até o fim de fevereiro somaram R$ 7,5 bilhões, ante R$ 11 bilhões em 2014, uma queda de 31,8%. Essa cifra inclui investimentos e também gastos com custeio e inversões financeiras (aquisições como imóveis e bens) relacionados ao programa.

O Estado publicou um levantamento mostrando que há pelo menos 30 grandes obras paradas em todo o País, principalmente por causa dos efeitos da operação Lava Jato, que afetou a Petrobrás e as gigantes da construção civil, e também por conta do aperto fiscal.

Empresários que prestam serviços ao governo federal já vinham relatando a forte desaceleração das obras do PAC. “É uma situação muito difícil para os investimentos este ano”, comentou o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco. “A União já apresenta retração nos dois primeiros meses, que pode ser justificada pela ausência do orçamento, mas também é fruto do ajuste, que não vai poupar os investimentos.” Ele avalia que o quadro se mostrará ainda mais grave quando saírem os dados sobre investimentos das empresas estatais do primeiro bimestre.

Eles deverão mostrar mais claramente os efeitos da Lava Jato sobre os investimentos da Petrobrás e também, eventualmente, sobre a Eletrobrás e outras empresas estatais federais.

O Ministério do Planejamento, porém, tem outra explicação para esse fato. Segundo a pasta, o PAC entrou na fase de conclusão de sua segunda etapa, iniciada no primeiro mandato de Dilma Rousseff e, portanto, “é natural que o ritmo de pagamentos seja diferente quando comparado ao período anterior”.

Os números da Contas Abertas mostram redução nos gastos do governo como um todo, que encolheram 5,3% no período, baixando de R$ 435,7 bilhões no primeiro bimestre de 2014 para R$ 412 bilhões este ano. Boa parte dessa queda é explicada por menores gastos em amortização e refinanciamento da dívida pública, uma despesa que é determinada pelo calendário de vencimento dos títulos da dívida pública e fica fora dos pacotes de arrocho fiscal.

Cortes. Nos investimentos, os pagamentos feitos até fevereiro foram 28% inferiores aos de igual período em 2014, caindo de R$ 9,3 bilhões para 6,7 bilhões. Os números mostram que a redução mais forte ocorreu no Ministério da Defesa, com redução de R$ 1,6 bilhão. Também foi afetada a pasta do Desenvolvimento Agrário, com queda de R$ 824 milhões, e no Ministério da Educação, que gastou R$ 421 milhões menos.

O Planejamento informa que os gastos de investimento previstos no Orçamento de 2015 ainda não foram autorizados. É uma situação diferente da de 2014, quando essa autorização já existia em fevereiro.

A regra adotada no início deste ano, que permitiu aos ministérios gastarem apenas 1/18 de sua previsão orçamentária a cada mês, provocou queda nas chamadas inversões financeiras, que também incluem investimentos financeiros. Entram nesse grupo gastos como aumento de capital ou concessão de empréstimo, por exemplo. Os pagamentos caíram à metade, de R$ 16 bilhões em 2014 para R$ 8 bilhões em 2015.

Mercadante manifesta insatisfação de Dilma com declaração de Levy

• Coube ao chefe da Casa Civil telefonar ao ministro da Fazenda para falar da irritação da presidente com frase divulgada no sábado

Ricardo Della Coletta e Fábio Brandt - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff escalou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para transmitir sua profunda insatisfação com declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que ela nem sempre age da forma mais eficaz. Dilma, segundo interlocutores, ficou irritada e indignada ao tomar conhecimento da fala de Levy, feita na terça-feira passada em um encontro em São Paulo, e divulgada no sábado.

Mercadante telefonou ao ministro da Fazenda ainda no sábado, após tomar conhecimento da fala de Levy, feita numa palestra para ex-alunos e professores da Universidade de Chicago. “Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes, não da maneira mais fácil... Não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno”, disse ele, em inglês.

A avaliação no Planalto e no Congresso é que esse tipo de discurso vindo do principal ministro da área econômica e responsável por sanear as contas públicas do País dificulta as negociações em torno do ajuste fiscal. É dado como certo que o tema deve interferir nas discussões em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, marcada para terça-feira, quando o ministro pretende detalhar seu plano de corte de gastos e a política de retomada do crescimento.

Resistências. Em meio a sucessivas derrotas sofridas pelo governo no Congresso, um dos principais objetivos do Planalto é que o Senado retire de pauta projeto que obriga a presidente a regulamentar a troca dos indexadores da dívida de Estados e municípios com a União, reduzindo o valor devido. Isso depende de a audiência de Levy na CAE não ser contaminada pelas suas recentes declarações.
“Ele (Levy) tem que tomar mais cuidado. É evidente que é ruim e dá munição para quem quer. A presidente já está sendo muito atacada”, afirmou, reservadamente, um ministro próximo à presidente.

A avaliação de aliados é que, se o próprio ministro da Fazenda questiona a eficiência da presidente, é difícil convencer os congressistas a aderir a um pacote de medidas impopulares proposto por ela. Para o Planalto e aliados, Levy, mais do que ninguém, precisa defender o governo em um contexto em que o ajuste enfrenta resistência da oposição e de partidos da base, entre eles o próprio PT.

Apesar do mal-estar causado pelas declarações, o Planalto trabalhará para minimizar o episódio. Espera-se que Dilma se posicione na primeira oportunidade em que for questionada por jornalistas, mas uma reprimenda dura ao ministro fragilizaria ainda mais o governo nas negociações.
Reações. No Congresso, a polêmica deve fermentar com a ajuda da oposição e do próprio PT. “Do ponto de vista político, a fala do ministro é temerária: ironiza a presidente em público. Isso corrói ainda mais a credibilidade do governo a que pertence”, afirmou o senador José Serra (PSDB-SP), suplente da CAE.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), também integrante da CAE, disse que perdeu o cargo de ministro da Educação no primeiro mandato de Lula por ter criticado o governo de forma mais branda do que fez Levy. Buarque ocupou o cargo entre 2003 e 2004 e foi demitido por telefone. “Fui dizer coisas desse tipo sobre o Lula, sem nem citar o nome dele, e acabei caindo. Lembro da frase que eu disse: não precisa do Fome Zero, basta ampliar a Bolsa Família. Essas coisas é perigoso para um ministro dizer.”

Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), “não é recomendado a um subordinado esse grau de liberdade”. “Espera-se dele um discurso mais uníssono ao da presidente.” O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que “ele quis dizer que a presidente é bem intencionada e, às vezes, as coisas não dão certo ou é difícil.

Levy não quis se pronunciar neste domingo, 29. Na noite de sábado, ele divulgou nota dizendo que sua declaração foi mal interpretada.

Parlamentares criticam fala de Joaquim Levy sobre Dilma

• Ministro da Fazenda disse que a presidente demonstra um 'desejo genuíno' de acertar, mas não o faz 'da maneira mais fácil' e 'efetiva'

Ricardo Della Coletta – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Parlamentares criticaram a declaração do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que a presidente Dilma Rousseff nem sempre age da forma mais eficaz. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, que a fala de Levy foi infeliz. "Não é recomendado a um subordinado esse grau de liberdade. Espera-se dele um discurso mais uníssono ao da presidente", afirmou.

A fala de Levy ocorreu na semana passada, a um grupo de ex-alunos e professores da Universidade de Chicago. A gravação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo e, nela, o ministro diz em inglês: "Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes, não da maneira mais fácil... Não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno".

Do PT da Bahia, o deputado Afonso Florence também questionou o que disse Levy. "(É) outra afirmação do ministro que requer ''ajuste''. Ele (Levy) vai ajudar mais tornando ''efetiva'' a política econômica, ajudando a presidente a levar o País à retomada do crescimento, do que falando novamente coisas desse tipo", avaliou.

O senador José Serra (PSDB), ex-governador de São Paulo, afirmou que a declaração "corrói ainda mais a credibilidade do governo". "O ministro está certo: como eu disse várias vezes, para a presidente Dilma a menor distância entre dois pontos não é uma linha reta. Seu governo transforma soluções em problemas e facilidades em dificuldades", disse. "Mas, do ponto de vista político, a fala do ministro é temerária: ironiza a presidente em público. Isso corrói ainda mais a credibilidade do governo a que pertence", concluiu.

Já o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) minimizou o caso. Segundo ele, o destaque dado para a notícia visa provocar uma "contradição" entre Levy e a presidente Dilma. "Muitas vezes você quer acertar e tem dificuldades por vários motivos, como o excesso de burocracia e o próprio Congresso", disse.

As declarações de Levy devem ser questionados na audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na próxima terça-feira, 31, onde ele detalharia o plano da equipe econômica para a contenção de despesas e para a retomada do crescimento.

Deputados com votos dos outros

Na carona do voto alheio

• Só dois dos 22 deputados envolvidos na Lava-Jato foram eleitos graças à própria votação

Julianna Granjeia – O Globo

Escândalos na Petrobras

SÃO PAULO - Dos 22 deputados federais envolvidos na Operação Lava-Jato incluídos na lista levada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que sejam investigados, só dois foram eleitos graças à sua própria votação. Os demais não tiveram votos suficientes, mas entraram na Câmara devido ao complexo cálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Ou seja, a soma dos votos de legenda e os chamados puxadores de voto beneficiaram nomes jogados no centro das denúncias que assolam a Petrobras. Para especialistas, o cálculo que levou à eleição da maioria desses parlamentares, um dos temas em análise na reforma política, gera distorções no sistema representativo.

É o caso do deputado Simão Sessim (PP), que teve apenas 58.825 votos mas foi beneficiado pela coligação PMDB/PP/PSC/PSD/PTB, do Rio de Janeiro. A chapa teve como estrela o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), que recebeu 232.708 votos, e, assim, ajudou a eleger outros parlamentares da coligação. Sessim foi citado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa em depoimentos da Lava-Jato. Segundo Costa, o deputado pediu uma "valiosa ajuda" para indicar uma locadora de veículos de um amigo para "grandes empresas".

Eleito com menos votos do que o rival
Na lista de Janot, ainda constam dois deputados eleitos pelo chamado cálculo das sobras (José Germano, do PP-RS, com 81.503 votos, e José Mentor, do PT-SP, com 82.368). O sistema de sobras considera o desempenho médio dos partidos e é o fator que mais gera distorção no sistema eleitoral, segundo os especialistas ouvidos pelo GLOBO.

O atual cálculo das sobras para definição dos eleitos nas casas legislativas faz com que, no Rio Grande do Sul, o candidato José Fogaça (PMDB-RS), que teve 103.006 votos, cerca de 20 mil a mais do que o parlamentar eleito do PP, ficasse como suplente.

Segundo depoimento do doleiro Alberto Youssef na Lava-Jato, Germano teria recebido dinheiro desviado de contratos da Petrobras por meio de doações oficiais para sua campanha. Além disso, ele é acusado de chefiar um esquema desbaratado em 2007 pela Polícia Federal, durante a Operação Rodin, que desviou R$ 44 milhões do Departamento de Trânsito do governo gaúcho, entre 2003 e 2006, quando era secretário estadual.

Sem limite de siglas na chapa
Em São Paulo, Mendes Thame (PSDB) também ficou como suplente mesmo com 106.676 votos, enquanto Mentor (PT) conseguiu entrar na Câmara beneficiado pelo cálculo das sobras. O petista foi citado na delação premiada de Youssef. Ele teria recebido dinheiro após ordem do ex-deputado André Vargas (sem partido-PR).

- É muito difícil um parlamentar ter votos suficientes para se eleger sozinho. O mais comum é que parlamentares sejam eleitos com os votos da coligação. O cálculo das sobras é um dos fatores que gera distorção na distribuição de cadeiras, além das coligações. Quanto mais partidos se coligam, mais partidos participam da distribuição das sobras. Isso influencia na representatividade dos candidatos - explica o mestre em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Carlos Nepomuceno.

Atualmente, nas eleições proporcionais (vereador e deputados estadual, federal e distrital), os partidos podem concorrer sozinhos ou em coligação. Não há limite de siglas para uma chapa. Também é possível apresentar mais candidatos do que cadeiras disponíveis. O eleitor pode votar na legenda ou no candidato.

'Você elege quem não quer'

• Professor da FGV explica que cálculo de sobras amplia distorção e favorece quem teve menos votos

- O Globo

SÃO PAULO - O cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Carvalho Teixeira afirma que o sistema de sobras resulta em eleições de candidatos de pouca representatividade no Legislativo.

- É aquele ditado: você vota em quem quer e elege quem não quer. O maior exemplo disso foi a eleição do Enéas, que possibilitou ao Prona, em 2002, eleger mais cinco deputados, um deles com 275 votos. E, mais recentemente, tivemos o Tiririca - diz.

Do atual sistema eleitoral, a conta mais polêmica é a do preenchimento das vagas remanescentes por meio do cálculo das sobras. Ele é feito dividindo-se o número de votos obtidos pela coligação pelo número de vagas obtidas pelo quociente partidário. A esse total é somado um, para evitar frações. A conta é aplicada a todos os partidos da coligação. O que tiver maior quociente médio fica com uma vaga remanescente. Ou seja, a cadeira vai para a coligação e depois é preenchida pela ordem de votação nominal dos candidatos.

Esse cálculo, definido pelo artigo 109 do Código Eleitoral, é refeito até todas as vagas serem preenchidas. Os demais candidatos dos partidos e coligações que elegeram candidatos serão todos suplentes.

Para o professor da FGV, os quocientes servem só para fins eleitorais de cálculo do tamanho da bancada e não contribuem para a atividade política:

- Um exemplo é o PP (partido de 18 dos 22 deputados investigados na Lava-Jato), que virou a "Geni" da vez. Em São Paulo, a legenda se coligou com o PMDB. Na Bahia, com o PT. O PSDB comemora a Operação Lava-Jato, mas se coligou em vários estados com o PP.

Para Teixeira, é preciso criar mecanismos que dificultem a proliferação de partidos sem competitividade:

- Basta ter registro provisório que (a legenda) já tem direito ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral na TV. Vimos agora os parlamentares triplicarem o valor do fundo, porque, quanto mais partidos entram no cenário, menor o valor a ser distribuído para eles.

Nem o projeto popular de reforma política, liderado pela OAB, que estipula eleições proporcionais em dois turnos e paridade de gênero na lista de candidatos pré-ordenada, resolveria a questão, segundo Teixeira:

- Ele não acaba com a coligação e ainda acrescenta o modelo de lista. É um sistema muito confuso também.

Fim das coligações não garante um sistema mais equilibrado

• Para cientista político, é necessária mudança mais ampla para evitar concentração de poder

- O Globo

SÃO PAULO - O mestre em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Carlos Nepomuceno fez um estudo para comparar modelos de eleição proporcional. Se não houver coligação e o cálculo das sobras continuar o mesmo, quem ganhará serão os grandes partidos. Os pequenos sairiam do mapa.

O PMDB iria de 66 cadeiras para 102; o PT, de 70 para 101; e o PSDB, de 54 vagas para 71. O DEM perderia 10 cadeiras, o Solidariedade, 8, e o PPS, 5.

Essa é a proposta de emenda à Constituição (PEC) 40/2011, do ex-senador José Sarney (PMDB-AP), aprovada em segundo turno pelo Senado na semana passada.

- Se for extinta a possibilidade de os partidos se coligarem, mas mantido o mecanismo de distribuição de sobras, não se vai garantir a proporcionalidade do sistema. Manter a regra de cálculo das maiores médias, mas sem coligações, produzirá outro viés, em favor dos maiores partidos. Se não houvesse restrições no cálculo das sobras, ficaríamos mais próximos de uma proporcionalidade. Essa é uma discussão que está sendo totalmente ignorada no Congresso - diz Nepomuceno.

Sem a necessidade de atingir o quociente eleitoral para ter acesso às sobras, o PT, por exemplo, faria 89 cadeiras e o PMDB, 79. Nepomuceno cita mais um caso de distorção revelado por sua simulação:

- Sem coligação e com a regra atual para as vagas remanescentes, o PT no Acre levaria todas as oito vagas a que o estado tem direito, por ser o único partido que conseguiu atingir o quociente eleitoral. Os votos dados aos outros partidos iriam para o lixo. É um contrassenso achar que apenas um partido representa todo o estado. No outro modelo, sem coligação e que permite que todos os partidos participem da distribuição das sobras, o PT teria quatro das oito cadeiras, o que é mais proporcional - diz ele.

Outra proposta em discussão, defendida pelo PMDB, é o chamado distritão, que elege os mais votados, sem influência do voto na legenda. Em São Paulo, que tem 70 vagas na Câmara, os candidatos mais votados seriam eleitos. Parece mais democrático, mas há controvérsias:

- Nesse sistema, você personaliza demais a disputa, ainda mais do que hoje, e não garante que o partido vai ter proporcionalidade de cadeiras correspondentes à proporção de votos que teve nas urnas.

Grupo de Marina Silva vai pedir registro da Rede até o final de abril

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Segundo o grupo, faltaria comprovar a validade de 32 mil assinaturas das cerca de 500 mil exigidas. Após o pedido, o Tribunal Superior Eleitoral tem 30 dias para confirmar a criação da legenda.

Marina deve ficar filiada ao PSB até que saia o registro. A ideia é que a Rede dispute as eleições municipais de 2016.

Como a maioria das assinaturas já foi protocolada em cartório, o grupo crê não estar sujeito à nova lei para criação de partidos, pela qual só valem assinaturas de eleitores sem filiação prévia. Especialista em direito eleitoral, Alberto Rollo diz que a tramitação do pedido não é garantia e que o TSE deve discutir se aplicará a nova lei.

Para Rede, nova lei não será obstáculo

• Criação do partido não será afetada por novas regras para coleta de assinaturas, diz porta-voz

Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Quatro dias após a presidente Dilma Rousseff sancionar lei que dificulta a criação de partidos políticos, o porta-voz da Rede Sustentabilidade, Basileu Margarido, afirmou que a mudança não vai atrapalhar o registro da nova legenda, que tem à frente a ex-senadora Marina Silva, terceira colocada nas eleições presidenciais do ano passado. Até o fim de abril, serão apresentadas as assinaturas que faltam para permitir a aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo da sigla é lançar candidaturas próprias nas principais capitais do País em 2016.

De acordo com Basileu, cerca de 450 mil assinaturas já foram aprovadas pelo TSE. A Rede precisa validar mais 32 mil para obter o número exigido. Para garantir uma margem de segurança, cerca de 80 mil foram protocoladas nos cartórios eleitorais. Segundo o porta-voz, 80% delas foram apresentadas antes da sanção da lei, o que tornaria o efeito da nova regra "muito pontual" para o registro da Rede. "A lei não pode incidir sobre essas assinaturas (anteriores à sanção)", ressaltou. Um trecho da nova lei define que somente pessoas sem filiação partidária podem assinar fichas para a criação de novos partidos.

Manobras. Para Basileu, desde 2013, ano em que a Rede teve seu registro negado por falta de assinaturas, é visível que a "dita reforma política" tem se transformado em medidas pontuais e casuísticas, "privilegiando o status quo partidário e com ações visivelmente direcionadas a dificultar a criação da Rede". "Sempre que existe pressão pela reforma política, as forças políticas constituídas buscam dar uma resposta imediata, mas absolutamente desconectada das aspirações reais da sociedade", criticou.

A cúpula da Rede fez no fim de semana a última reunião antes de ingressar com o pedido de criação do partido no TSE. "Como todos os requisitos já foram julgados pelo tribunal em 2013, acreditamos que o único quesito que ficou pendente é a apresentação dessas assinaturas", afirmou Basileu.

Contraponto. O diagnóstico feito pela Rede não é consensual. Em entrevista ao Estado, publicada ontem, o advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado afirmou que o partido de Marina foi vítima da nova regra. "Como a Rede não terminou o recolhimento de assinaturas de apoiamento, vai ser assim violentamente atingida. Porque todos os nomes que ela já trouxe e todos aqueles que vai trazer terão de ser rechecados pela Justiça para saber se são ou não filiados a um partido político", disse.

Após a apresentação das assinaturas, o TSE terá 30 dias para se pronunciar. Integrantes da Rede, entretanto, já começam a se organizar para as eleições municipais de 2016. Segundo Basileu, o foco principal será levar candidaturas próprias em grandes capitais do País, nas quais Marina teve expressiva votação nas eleições de 2010, concorrendo pelo PV, e de 2014, pelo PSB. Após a formalização da Rede, começará um trabalho de filiação daqueles que desejam se candidatar.

A ex-senadora, que participou das discussões apenas no sábado, deve permanecer filiada ao PSB até que o registro do novo partido seja liberado. Ela pretendia se lançar candidata à Presidência pela Rede no ano passado, mas, em outubro de 2013, o TSE negou o registro por falta de assinaturas, com um resultado de seis votos a um. Diante disso, ela se filiou ao PSB e aceitou a vaga de vice do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. Em agosto, com a morte de Campos num acidente aéreo, Marina assumiu a cabeça de chapa e chegou a figurar em primeiro em algumas pesquisas.

Para advogado, Rede foi vítima de Lei dos Partidos

• Ricardo Penteado, especialista em direito eleitoral, diz ser ‘inconstitucional’ mudança na lei sancionada por Dilma na semana passada

Julia Duailibi – O Estado de S. Paulo

O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado avalia que a Rede, partido que a ex-candidata a presidente pelo PSB, Marina Silva, pretende criar, foi “vítima” da nova regra que altera a Lei dos Partidos, sancionada pela presidente Dilma Rousseff na semana passada.

“Como a Rede não terminou o recolhimento das assinaturas de apoiamento, vai ser assim violentamente atingida. Porque todos os nomes que ela já trouxe e mais aqueles que ela deve trazer terão de ser rechecados pela Justiça para saber se são ou não filiados a um partido político”, afirmou sobre trecho da nova regra segundo o qual só podem assinar fichas de apoiamento para a criação de novos partidos pessoas sem filiação partidária. Mas, de acordo com Penteado, a regra é inconstitucional e será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

A nova lei também tenta impedir que a regra da fidelidade partidária seja burlada e determina que a fusão de partidos só pode ocorrer cinco anos depois de criados. Para Penteado, que atuou em campanhas do PSB e do PSDB nas eleições de 2014 e que já advogou para o ministro Gilberto Kassab (Cidades), a regra é “conservadora”. “O que se pretende aqui é: ‘Não queremos perder parlamentares, não queremos uma dança de cadeiras’. Mas essa dança de cadeiras, quando é a criação de novos partidos, é legítima.”

Leia abaixo a entrevista.

O que achou da aprovação da lei que trata da fusão dos partidos políticos?

Aprovou-se uma lei que mexe muito com a estrutura partidária e que é muito importante, mas que passou meio despercebida. Foi um projeto aprovado com muita rapidez, tramitou de uma forma muito célere e, depois, foi sancionado com alguns vetos. Nem a sanção nem os vetos foram muito discutidos. Veio meio de “surpresa” e mexe na questão de criação de partido político e, sensivelmente, na distribuição de tempo e recursos dos partidos.

Precisamos identificar qual é o principal ponto dessa reforma que estamos discutindo. Toda a legislação político-partidária tem que ter uma grande coerência. Não pode ser contraditória. O sistema tem que ter uma harmonia mínima. Hoje a gente fala muito sobre um excesso de partidos políticos. Ninguém consegue mais identificar ideologias em tamanho número. E o ideal seria que essas ideologias se aproximassem mais e houvesse uma diminuição desse número de partidos.
Qual é o caminho? A primeira coisa seria estabelecer a cláusula de barreira, em que você depurasse os partidos que aí estão. Então, se nós vamos falar sobre fusão e incorporação, precisamos lembrar que estamos num processo de reforma. Nós queremos esse cenário que está aí? Essa lei que foi aprovada tem uma cara de que quer garantir aqueles que estão hoje sem mudar. Até numa certa medida, ela dificulta a criação de partidos.

Mas ela desestimula que partidos sejam criados apenas para driblar a regra da fidelidade partidária.

Ela só permite a fusão de partidos que existam há mais de cinco anos. Bom, nós temos um monte de legendas pequenas que se se incorporassem a outros partidos seria muito melhor. E elas não precisavam ficar vivendo cinco anos para que isso acontecesse. Fora que, do ponto de vista técnico, essa regra é absolutamente inconstitucional. O artigo 17 da Constituição diz que fusão, criação e incorporação de partidos políticos é livre.

Cabe recurso ao STF?

Acho que sim. Sem dúvida que o parágrafo 9º pode ser discutido pelo STF sob ponto de vista da constitucionalidade.

O sr. falou da importância da cláusula de barreira, mas o STF a derrubou em 2006.

Mas o STF não proibiu a cláusula de barreira. Você pode através de emenda constitucional mudar a Constituição. Então, por exemplo, essa regra poderia ser aceita se fosse incorporada pela própria Constituição. Teria de ser aprovada como um emenda. A cláusula de barreira existia desde 1995 na Lei dos Partidos. O Supremo adiou a aplicação dela sem discutir a constitucionalidade ou não. Quando ela entrou em vigor, dez anos depois, veio a discussão sobre a sua constitucionalidade. Mas durante um curto período ela chegou a existir e a ser aplicada. O maior efeito dela foi a incorporação e a fusão de diversos partidos.

Quando se discute financiamento político vamos ter que mexer na Constituição. Poderíamos, antes disso, voltar a aplicar a cláusula de barreira instituída na própria Constituição. O fato é que tem coisa mais importante e que diz respeito aos fundamentos da nossa organização político-partidária que estão em pauta e esta lei atropela um pouco esse processo e com uma tendência muito conservadora. Ou seja, o que eles não querem é que haja alteração nos partidos políticos que hoje estão no Congresso. Essa é a verdade.

Há também a proibição de que filiados a partidos políticos assinem a ficha de apoiamento para a criação de novas siglas.

É um absurdo. A constituição garante o pluripartidarismo. O eleitor, quando apóia a criação do partido, ele manifesta apenas o reconhecimento de que aquela ideologia merece estar consubstanciada naquela agremiação política. Então, por exemplo, se eu hoje subscrevo como apoiador, eu manifesto que naquele grupo há uma legitimação para fundar um partido. Não preciso me filiar a ele. Apesar de petista, o ex-senador Eduardo Suplicy, por exemplo, assinou o apoiamento da existência da Rede. E o fez porque deve ter reconhecido naquele grupo uma legitimação ideológica para a criação do partido.

A Rede sairá prejudicada com a sanção da nova lei?

A Rede se tornou vítima. Como a Rede não terminou o recolhimento das assinaturas de apoiamento, vai ser assim violentamente atingida. Porque todos os nomes que ela já trouxe e mais aqueles que ela deve trazer terão de ser rechecados pela Justiça para saber se são ou não filiados a um partido político. Há uma inconstitucionalidade também nisso. Se a Constituição garante o pluralismo, essa lista de apoiamento não pode ter restrição. Pelo menos no mundo teórico, vamos imaginar que 99,9% dos eleitores estejam filiados a um partido político, de tal sorte que você não encontre 500 mil que não estejam. Há uma impossibilidade material de fundar um partido político.
A Marina e a Rede serão prejudicados. Isso não tenho sombra de dúvida. E ainda que o presidente do PSD diga que não tem nada que ver com a criação do PL, é claro que a lei dificulta a criação desse partido.

O PL protocolou o pedido de registro antes da sanção da lei. Qual implicação disso?

O fato de o PL ter protocolado o seu pedido um dia antes da sanção dessa lei faz com que o PL escape ao menos dessa restrição do parágrafo 1º do artigo 7, que exige que os eleitores que apoiem não estejam filiados a partidos políticos.

O PL vai conseguir fundir com PSD?

Há uma cogitação da imprensa e do meio político de que, no futuro, o PL iria se fundir com o PSD. Teoricamente amanhã, sob a égide dessa lei, qualquer partido que queira se filiar a outro vai ter que se filiar de acordo com as condições dessa nova lei. Primeira condição que chama atenção: qualquer partido que não tenha cinco anos não pode se fundir. É uma coisa curiosa. Por que cinco anos? Você não analisa as conveniências políticas contando esse tipo de prazo. Isso depende do que está acontecendo naquele momento. Não pode incorporar, então vamos extinguir os partidos? E os mandatos? É obvio que o parlamentar não pode perder o mandato se o partido deixar de existir. Você só está burocratizando e criando uma situação do “engana que eu gosto porque algum jeito nós vamos ter que dar”.

Por que o Congresso criou essa regra?

Pelo medo político que o atual Congresso tem da criação de novos partidos. Existe um interesse do governo atual em enfraquecer os partidos, principalmente os que hoje constituem a sua base e que estão pressionando o governo para atender algumas de suas reivindicações. Essa lei tem a cara do PMDB. Vamos por os pingos nos ‘is’. Poderia haver um esvaziamento do PMDB para novos partidos que fossem criados. O que se pretende aqui é: “Não queremos perder parlamentares, não queremos uma dança de cadeiras”. Mas essa dança de cadeiras, quando é a criação de novos partidos, é legítima. Nós temos que lembrar isso.

O Congresso tinha que dar uma resposta a essa tentativa de drible da fidelidade partidária.

Devo reconhecer que uma intenção dessa natureza não seria das mais elogiáveis do ponto de vista de um projeto de sistema político. Mas a lei ela não deve, em nome de uma anomalia, aniquilar com todas as outras liberdades e garantias. Em nome de um remédio, você não pode acabar com a saúde de outras coisas. Imaginando alguma coisa que não aconteceu e que poderia acontecer, criaram uma restrição que destrói o próprio sistema e as coisas boas do sistema. O que hoje a gente mais gostaria de ver na política brasileira é uma redução do número de partidos. Isso só vai acontecer com fusões e incorporações. Porque na política, como na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Então os partidos que hoje estão aí têm que se transformar em alguma coisa, têm que se juntar em outros partidos políticos e diminuir o número.

O que vem na reforma política pode conversar com muitas outras coisas. E pode vir uma reforma que venha a exigir uma transformação na lei dos partidos políticos para deixá-la coerente com os princípios que a reforma venha trazer. Essa reforma política está sendo feita de uma forma muito pouco pensada para atender um reclame social de mudança. É impressionante: a sociedade quer mudar o que está aí, mas ainda não tem uma opinião do que quer por no lugar. Enquanto não tivermos certeza do que queremos por no lugar, melhor não mudar.

O que acha da proposta de financiamento público exclusivo?

Como é que vai funcionar esse funcionamento público exclusivo? Será que a população já percebeu que, segundo as propostas que existem no Congresso, os partidos que têm mais voto são os que mais vão receber dinheiro. Portanto, ela tende a perenizar no poder os que lá estão e dificultam uma mudança.

Mas ela inibiria o caixa-dois?

O caixa-dois já está proibido. Essa coisa de você dizer “olha, queremos o financiamento público exclusivo porque não queremos o caixa-dois”… Mas eu não estou entendendo. Vamos proibir a traição no casamento? Vamos, então expulsar a esposa ou o marido? Então, eu não quero caixa-dois, o que eu faço? Proíbo o caixa-um.

O sr. tem uma visão crítica da proposta de mudar o mandato de quatro para cinco anos, defendida pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Ela vem a reboque de uma proposta muito nociva, que é unificar a eleição. Temo que essa seja uma das propostas que vem ganhando quase que um consenso no Congresso. E acho que esse consenso não tem sido muito bem avaliado. Você votar do presidente da República ao prefeito traz um difícil julgamento, e as coisas vão se atropelar. As discussões nacionais serão destacadas pela mídia, tal. Mas uma eleição municipal diz respeito a questões locais, lixo, asfalto da rua, etc. Essas eleições vão ser eclipsadas pela eleição nacional. Vai haver uma discussão empobrecida em prejuízo de alguém. Ou nós vamos municipalizar a eleição presidencial, coisa que eu acho difícil, porque a mídia sempre vai dar destaque para a eleição presidencial, ou vamos presidencializar as eleições municipais.

O que acha do fim da reeleição?

Acho que deveria acabar. Para falar de uma forma muito resumida, o primeiro mandato é um investimento para o segundo e, portanto, ninguém governa sem ter em vista a reeleição, e isso eu acho muito nocivo.

O que acha do pedido de impeachment defendido por setores da sociedade contra a presidente Dilma Rousseff?

A discussão sobre o impeachment não é algo que a gente possa hoje proibir, qualificar ou desqualificar. Porque ela é acima de tudo uma discussão política. Isso para dizer que não acho que nós temos de tirar o microfone nem o direito de qualquer pessoa ir para a rua discutir esse tema. Mas tenho que reconhecer que o impeachment só é aprovado numa análise política e também sob condições jurídicas muito claras. E as condições jurídicas para o impeachment, tanto quanto eu tenho conhecimento, não existem.

O que a gente vê no noticiário é que muitas coisas da Operação Lava Jato e tudo o mais ainda estão cobertas sob segredo de Justiça, e nós não temos todos os elementos. Os elementos que nós temos hoje em discussão, para mim, ainda não são suficientes para justificar a instauração de um impeachment. Os piores fatos revelados e que podem dizer da pessoa da presidente da República, na verdade dizem respeito à pessoa da Dilma Rousseff, não à presidente da República. Ou seja, o impeachment tem em vista a desconstituição de um mandato, e os fatos que hoje são discutidos são anteriores a esse mandato, são da época que era ministra. Posso julgá-la sabedora de diversos ilícitos. No entanto, são anteriores, bem anteriores, não dizem respeito a esse mandato.

O PT de volta ao divã

• O grande dilema do partido é de conteúdo, não de forma; é o de diferenciar bancários de banqueiros

Ricardo Melo – Folha de S. Paulo

De tempos em tempos, assim como reforma política, reforma ministerial, reforma tributária, o destino do PT emerge como assunto de destaque. Com o 5º congresso marcado para junho e em meio a um tiroteio político generalizado, volta-se a falar em refundação, aliança com movimentos sociais e até a criação de "puxadinhos" tipo Frente Ampla do Uruguai.

Fala-se de tudo, menos do essencial. Com base em que propostas, em que projeto social vai repousar esta reformulação? Eis o ponto.

O problema do PT, decididamente, não é organizativo. Está longe dos movimentos sociais? Sim, está, mas é ilusão culpar erros administrativos. Deixou de dialogar com os setores trabalhistas e operários? Evidente, mas o motivo não é uma questão de comunicação. Afastou-se dos sem-teto, da juventude que saiu às ruas, da classe média? Basta olhar os fatos.

Pergunte aos militantes petistas qual programa seguem. "A favor dos pobres", dirão --mesmo porque nem o dirigente mais aguerrido saberá descrever quatro ou cinco pontos específicos da plataforma do partido.

O certo é que não dá para defender a maioria recorrendo ao instrumental da minoria.

Concebido como representante de trabalhadores, o PT pouco a pouco tem abandonado sua essência. De bancário, arrisca-se a virar banqueiro, a ponto de hoje ocupar as manchetes como paladino do superávit primário, do corte de benefícios sociais, do encolhimento de recursos para a educação. Só falta imprimir as propostas em inglês. Isso para não citar os tentáculos expostos na área da corrupção.

A inapetência do PT, sem intenção de trocadilho, salta aos olhos. São Paulo sofre com a falta d'água, vive uma epidemia de dengue e assiste a uma nova greve de professores. Onde está o PT?

O máximo que se vê é sua principal figura no Estado, o prefeito paulistano, preocupado em travar uma batalha de morte por...ciclovias. Nada contra elas, assim como muitos poucos serão a favor da destruição da camada de ozônio ou da proibição de pasta de dente. Mas transformar isto em bandeira de governo numa capital de tamanhas carências revela, como diria o povo, falta de senso de noção.

No plano federal, a mesma coisa. Além do caso Petrobras, o partido submete-se a um papel secundário, de coadjuvante, também frente a escândalos como a lista do HSBC e a recente Operação Zelotes. Ambas provam que o Brasil, tido como um dos campeões de carga tributária, revela-se, na verdade, imbatível na sonegação de impostos.

Só na Zelotes, calcula-se um prejuízo de quase 6 bilhões de reais para o Tesouro --valor três vezes maior que o indicado pelo Ministério Público na Operação Lava Jato. Repita-se: três vezes maior.

Os jornalistas Fábio Fabrini e Andreza Matais, de "O Estado de S. Paulo", deram a lista de alguns acusados: Santander, Bradesco, Ford, Gerdau, Safra, RBS, Camargo Corrêa e outros nomes de calibre parecido. Onde estão o governo do PT e o ministro da Fazenda que ele nomeou? Em vez de atacar os peixes graúdos, os emissários do Planalto mendigam votos no Congresso para encolher pensões de viúvas, cortar bolsas de universitários e onerar desempregados.

Para fazer este trabalho, convenhamos, já há legendas de sobra na paisagem nacional.

Frei Betto - “Assistimos ao começo do fim. O PT tende a virar um arremedo do PMDB”

• Ícone do PT , Frei Betto diz que a única saída para o partido que governa o País há 12 anos é voltar às origens e buscar a governabilidade com os movimentos sociais.

Thais Arbex – O Estado de S. Paulo

Um mês depois de ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff recebeu Frei Betto e o Grupo Emaús, da Teologia da Libertação, no Palácio do Planalto. Durante uma hora e vinte minutos, também na presença do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, ouviu uma série de críticas e sugestões para que o governo continuasse “implementando o projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, principalmente os mais vulneráveis”.

A conversa, de acordo com ele, foi ótima. “Só que, de repente, vem o Joaquim Levy com um ajuste fiscal penalizando, sobretudo, os mais pobres. Quem assistiu ao filme Adeus, Lenin! pode fazer o seguinte paralelo: se um cidadão brasileiro, disposto a votar na reeleição da Dilma, tivesse entrado em agonia no início de agosto de 2014 e despertasse agora, neste mês de março, no hospital e visse o noticiário, certamente estaria convencido de que o Aécio havia vencido a eleição”.

Frei Betto – que, com as comunidades eclesiais de base, ajudou a fundar o PT e, como assessor especial do ex-presidente Lula, coordenou o programa Fome Zero – diz que o que falta ao governo, desde 2003, é “planejamento estratégico”. Segundo ele, que é amigo do ex-presidente Lula há mais de 30 anos e conhece a presidente Dilma desde a infância – “somos da mesma rua em Belo Horizonte” –, em doze anos de governo, o PT não conseguiu tirar do papel nenhuma reforma de estrutura prometida em seus documentos originais e, ao chegar ao governo, “trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder, escanteou os movimentos sociais” e ficou “refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias”.

“Agora, seu grande aliado, o PMDB, se rebela e cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Poder Executivo”.

Qual a saída? “O PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB”, sentencia ele, que é autor de 60 livros, entre eles A Mosca Azul (“uma reflexão sobre a história do poder e a história do PT no poder”) eCalendário do Poder (“um diário do Planalto”), ambos editados pela Rocco.

A seguir, os principais trechos da conversa com Frei Betto, que recebeu a coluna no Convento Santo Alberto Magno, no bairro de Perdizes, onde mora.

Como o senhor avalia o atual momento do País?

O Brasil está vivendo um momento de crise política e econômica. Prevejo quatro anos de governo Dilma com muita turbulência, manifestações, greves, impasses. E me pergunto se, em 2018, o PMDB apoiará o candidato do PT. Como bom mineiro, desconfio que não e não me surpreenderei se o PMDB lançar um candidato próprio, com apoio do PSB e outros pequenos partidos. A questão é que tivemos 12 anos de governo do PT que, na minha avaliação, apesar de todos os pesares – e põe pesares nisso –, foram os melhores da nossa história republicana, sobretudo no quesito social. Efetivamente, 36 milhões de pessoas deixaram a miséria. Hoje, os aeroportos deixaram de ser um espaço elitista. Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem TV a cores, micro-ondas, máquina de lavar, fogão, geladeira, telefones celulares, talvez um computador e, possivelmente, no pé do morro, um carrinho que está sendo comprado em 60, 90 prestações mensais. Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um emprego precário, sem acesso a saúde, educação, transporte público e segurança de qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais.

O que faltou?

Não tivemos, em doze anos, nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta ao governo – e desde 2003 – é planejamento estratégico.

Como assim?

Governa-se na base dos efeitos pontuais, da administração de crises ocasionais, porque o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder. Permanecer no poder se tornou mais importante do que fazer o Brasil deslanchar para uma nação justa, livre, soberana e igualitária. Como é que um governo que pretende desenvolver a nação brasileira cria um ministério que eu qualifico de coral desafinado? O que tem a ver Joaquim Levy com Miguel Rossetto? Kátia Abreu com Patrus Ananias? José Eduardo Cardozo com George Hilton?

Em artigo publicado pouco antes das eleições, o senhor listou 13 razões para votar na Dilma. Agora, escreveu novo artigo, A Farra Acabou, com críticas ao governo. O que mudou?

O que mudou é que, infelizmente, aquelas 13 razões não foram abraçadas no segundo mandato de Dilma. A presidente montou um ministério esdrúxulo, que não conseguiu nem sequer ter um projeto de Brasil minimamente emancipatório, como era o Fome Zero. Aliás, o próprio governo que o criou o matou, substituindo-o por um programa compensatório chamado Bolsa Família – que é bom, mas não tem caráter emancipatório. Todo o governo opera agora em função de um detalhe, não de um projeto histórico, que é o ajuste fiscal. E penalizando os mais pobres, não o capital. Todas as bases desse ajuste estão em cima da redução do seguro-desemprego, do abono salarial, do imposto sobre o consumo. E nada em termos das grandes heranças, dos royalties que saem do País, das grandes transferências de dinheiro, dos brasileiros que têm dinheiro nos paraísos fiscais. A conta vai ser paga por aqueles que já lutam com dificuldade.

O senhor quer dizer que estamos em um caminho sem volta?

O grave do governo do PT – tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais – foi, ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar sua governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora, o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Executivo. Se alguém me pergunta “qual é a saída”? É o PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB. Creio que cabe hoje, ao governo, fazer uma autocrítica séria.

Por meio dos movimentos sociais é que seria possível recuperar a imagem do partido?

Exatamente. O PT precisa sair da posição de bicho acuado em que se colocou. O partido, até hoje, não declarou se os envolvidos no mensalão são inocentes ou culpados; o partido, até hoje, não declarou se ele, que governa o Brasil e, portanto, a Petrobrás, tem ou não responsabilidade na devassa que está sendo feita na maior empresa brasileira. O partido se afastou das bases sociais. Onde estão os núcleos populares que, nos anos 80, encantavam todas as pessoas que chegavam na zona leste de São Paulo, em uma favela, e a dona Maria, orgulhosamente, mostrava um barracão que era a sede do núcleo do PT? Onde está o trabalho de base, de formação política? Embora não tenha sido militante do PT, mas como ajudei a construir o partido por meio do trabalho pastoral, hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias? Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles? Existem. São raros. Não vou citar nomes, mas tenho profundo respeito por militantes e dirigentes do PT que são muito coerentes com aquele PT originário. Mas, infelizmente, eles são exceção.

Como disse recentemente a senadora Marta Suplicy, “ou o PT muda ou acaba”.

É como já disse, o PT tem de mudar no sentido de voltar às suas origens e às suas bases sociais. Acabar não vai, porque tem tantos oportunistas que ingressaram no PT como rampa de acesso às benesses do poder, que o partido tende, inclusive, a inchar de gente que não tem nada a ver com as suas origens. Dou um exemplo: curiosamente, coincidindo com o dia em que a presidente entrega à nação um pacote anticorrupção, no estado do Rio um prefeito é flagrado na corrupção. O que esse cidadão tem a ver com a história de um partido que, ao nascer, se afirmou por três capitais: ser o partido ético na política brasileira, ser o partido dos pobres e ser o partido que, a longo prazo, construiria uma alternativa ao País, com uma sociedade socialista? O PT abandonou os três capitais. Esse pessoal que não tem a ver com o PT viu que, sendo do partido, o maná cai do céu. Fico me perguntando quantos outros exemplos não devem existir por esse Brasil afora?

Poderíamos apontar um culpado por esse rumo diferente que o partido tomou? O ex-presidente Lula?

Jamais, na minha análise – isso é um princípio – personalizo os acontecimentos. Porque não acredito que a história humana seja feita por meio de salvadores da pátria. É feita de movimentos e processos sociais. É preciso que haja uma luta interna no PT muito acirrada para que o partido seja minimamente coerente com suas origens e propostas.

O senhor é a favor do “volta, Lula”? Ele poderia “salvar” o governo desta atual crise?

Minha avaliação é que Lula só não será candidato à presidência em 2018 se morrer. Fora isso, tenho absoluta segurança de que ele será candidato. Não foi ele que me disse isso, é apenas da minha cabeça. Mas a questão não é “com o Lula voltando, as coisas vão se resolver”. O problema é o rumo que o partido tomou e imprimiu ao governo do Brasil. Há coisas extremamente positivas, mas a expectativa era muito maior. Governo se faz com luta interna, aprendi isso nos dois anos em que estive lá. Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão. Aquilo é um caldeirão em fervura permanente. Mas é preciso que haja alguns segmentos dentro do governo capazes de elaborar uma proposta estratégica a longo prazo, que sirva de norte para as políticas. E isso não existe hoje.

O que existe?

Um pacote de propostas pontuais. A falta de horizonte histórico no projeto do governo, agravada pelo fim das ideologias libertárias desde a queda do muro de Berlim, é o que explica por que o debate político hoje desceu do racional para o emocional. É como briga de casal. Quando se perde um projeto amoroso ou da família, emoções afloram, insultos, ofensas, sentimento de ira e vingança, porque não se tem horizonte. Quando esse horizonte histórico existe, quando se tem projeto estratégico, o debate democrático fica no nível da racionalidade, não da emocionalidade. Mas essa fúria nacional que perpassa todos os ambientes só vai terminar se houver alguma força política que aponte um projeto histórico.

Paulo Paim - "O ajuste chama à responsabilidade também o andar de cima"

'Este é o pior momento para o governo, sem dúvida'

Entrevista. Paulo Paim. Senador do Rio Grande do Sul (PT)

Conhecido entre colegas como "o parlamentar dos gastos públicos", por apresentar matérias que elevam as despesas da área social, o senador Paulo Paim (PT-RS) se insurge agora contra o pacote de ajuste fiscal encaminhado pelo governo federal. Dizendo-se constrangido, afirma não ter condições de votar a favor da proposta que contraria tudo o que sempre pregou e pelo que lutou. Em sua cruzada, Paim conta com o aval do ex-presidente Lula. "Não está escrito no estatuto do PT que você não pode votar contra o governo", teria dito Lula ao senador em encontro recente. Paim condiciona a sua permanência no partido que ajudou a fundar a alterações no ajuste, batizado por ele de "arrocho social". No seu entender, o programa conduzido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pune as classes desfavorecidas, apoiadoras do projeto político que hoje está no poder, para privilegiar os mais ricos. "O momento pede para chamar à responsabilidade os brasileiros do andar de baixo, mas também as do andar de cima", apela o senador, que defende a taxação das grandes fortunas e a punição dos maiores devedores da Previdência.

O sr. saiu de uma conversa com o ex-presidente Lula decidido a trabalhar contra as MPs do ajuste fiscal. Foi um conselho de Lula?

A conversa com o presidente Lula foi muito positiva, tranquila. Relatei a ele meu constrangimento com as MPs 664 e 665, chamadas de ajuste fiscal, mas que eu chamo de arrocho social. Não tenho condições de votar contra um pescador. Não posso dizer que o pescador que ganha o Bolsa Família não tem direito ao seguro defeso: ou um, ou outro. Qual é a alegação? Que no período em que ele não está pescando, está ganhando o Bolsa Família? Mas o contra-argumento que eu coloco é que, durante o período em que ele está pescando, tem o Bolsa Família e tem o resultado da pesca. No período em que ele é proibido de pescar, em defesa do meio ambiente e da reprodução dos peixes, ele para de receber o fruto da pesca dele, o seguro defeso entra para suprir a falta do resultado da pesca. Tem que continuar recebendo o Bolsa Família, que é uma renda complementar. Também não posso retirar abono salarial do cidadão que ganha até dois salários mínimos, quando todos nós sabemos que existem empresas, inclusive estatais, que têm14º e até 15º salário. E não são dois salários mínimos, chega a R$ 30 mil ou a R$ 50 mil.

Lula foi contra o ajuste?

Não digo que seja contrário. Ele falou com todas as letras que o governo tem que negociar comas centrais e com o Congresso uma alternativa a essas MPs.

Ele foi solidário com sua decisão de votar contra as MPs?

Foi solidário a mim. Perguntou onde está escrito no estatuto do partido que eu não posso votar contra o governo. Lula disse que as MPs do ajuste vão contra tudo aquilo que nós pregamos ao longo de nossas vidas e que eu sempre defendi dentro do Senado.

Qual é a sua proposta?

Tem que dividir esse tal de ajuste com o andar de cima. Por que dividir só com o andar de baixo? O trabalhador tem direito ao 14º para ter pelo menos um natal um pouquinho melhor. O valor é de apenas um salário mínimo. Vamos tirar? Reduzir este valor? Fomos nós que criamos o14º como uma forma de distribuir mais renda. Não é isso que vai resolver o problema da Previdência. O grande devedor da Previdência não é o peãozinho que ganha até dois salários mínimos. A dívida dos grandes devedores da Previdência ultrapassa R$ 500 bilhões. Há diversas formas de corrigir distorções e arrecadar mais sem tirar de quem mais precisa, daquele que recebe de dia para comer de noite. É isso que nós não conseguimos entender. Se é para votar contra os que mais precisam, prefiro voltar para casa.

O sr. pretende sair do PT?

Estou refletindo tudo isso. Tenho dialogado com inúmeros senadores que estão preocupado se com o olhar além do horizonte. As MPs foram a gota d"água que precisa ser olhada, porque ela pode virar uma tempestade. Elas entram em choque com tudo aquilo que a gente pregou ao longo das nossas vidas. Temos que olhar com sabedoria para essas coisas e com uma visão estratégica e tática para o futuro da queles que defendem e querem que a gente construa uma sociedade melhor para todos. Se conseguirmos negociar as MPs e sair deste momento de confronto em que entramos entre governo e setores mais progressistas da sociedade, acho que dá para dar a volta por cima e continuar numa linha de crescimento, maturidade e responsabilidade com o momento da história.

As recentes manifestações refletem este momento?

Sim. E isso deve ser pensado porto dos nós. Não dá para desconhecer que houve o dia 15 de março. Não dá para negar que naquele 15 de março quase dois milhões de pessoas foram às ruas. Não enxergar isso é um erro tático, estratégico e histórico, de desconhecimento da história da humanidade. Dizem que a maioria pertencia à classe média. Mas a história da humanidade mostra que a classe média influencia as classes de baixo. Seremos irresponsáveis se não soubermos avaliar este momento e mudar o rumo dessa história que está sendo construída, antes que essas classes todas rebeldes, que estão ficando inquietas, venham para a rua.

Se olharmos para a história recente do Brasil, estamos na pior situação?

Este é o pior momento, sem dúvida. Depois da era Collor, é o pior momento. Nunca vimos nas ruas tantos milhões de pessoas. O dia 15 de março me fez lembrar as Diretas Já. É uma situação complicada, que nos deixa a todos com uma certa fragilidade. Mas sempre cientes deque a democracia tem que ser fortalecida.

O sr. se sentiu traído em sua causa, com a edição das MPs?

Vou repetir o que eu disse para o Lula: eu moro, em Canoas, num bairro de classe média. Mas moro do lado do Conjunto Habitacional Guajuviras. Quando Dilma ganhou as eleições, não foi o meu bairro que foi pra rua comemorar, foi Guajuviras o bairro pobre que eu ajudei a ocupar na década de 80, quando já era deputado. Foi essa gente humilde que festejou a vitória de Dilma. Agora, quando eu vou às comunidades ou à porta das fábricas,me perguntam o que aconteceu. As pessoas se sentem enganadas. Esse povo para quem eu dediquei toda a minha vida está se sentindo enganado.

O governo argumenta que está corrigindo distorções.

Mas corrigem distorções só no andar de baixo? Por que não trabalham também com o andar de cima? Poderiam debater a taxação das grandes fortunas ou das grandes heranças. Poderiam fazer a reforma tributária. Todo mundo sabe que quem paga imposto neste país é o pobre. O governo precisaria enfrentar o debate da corrupção na arrecadação da Previdência e do FGTS. Quem faz o desvio de conduta ali não é o pobre, porque este faz o desconto na folha de pagamento. Os grandes devedores da Previdência não são os mais pobres. Os poderosos deste país devem, e devem muito para a Previdência. O governo poderia cobrar deles. Por que não aumenta o número de fiscais do Trabalho, da Receita e da Previdência? Nós multiplicamos para mais de 200% o número de empresas. Nós dobramos o número de trabalhadores no mercado formal, saímos de 20 milhões e passamos para 40 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Diminuímos pela metade o que tínhamos naquele período.

Com a popularidade tão baixa, o sr. acredita que governo tenha poder político para tentar aprovar essa proposta, que vai contra poderosas forças políticas?

O ajuste pede para chamar à responsabilidade os brasileiros do andar de baixo, mas devia chamar também as do andar de cima. É preciso chamar as grandes forças políticas para um diálogo sobre esses temas. Elas não vão concordar com uns pontos, mas podem concordar com outros. Enquanto o mundo estava em crise, nós aqui estávamos em pleno emprego e praticamente todo mundo estava ganhando bem, tanto empregado quanto empregador. Agora, a coisa apertou para todo mundo. Ninguém quer quebrar o país, nem o empresariado nem o trabalhador. É preciso realizar uma grande concertação, um grande pacto para o país sair desta situação. Mas ninguém quer pagar a conta sozinho. É esta situação que está levando à indignação que vemosnas ruas.

Entre as 47 emendas que o sr. fez às MPs, está o fim do fator previdenciário, usado no cálculo da aposentadoria proporcional. O sr. acha que cabe discutir o tema agora?

O fator previdenciário já fez toda maldade que poderia fazer. Hoje ele depõe contra o trabalhador e contra o governo. Por isso acho que este é, sim, o momento apropriado. Hoje, alguém que está na fábrica ganhando R$ 10 mil, se aposenta pelo fator e continua trabalhando na fábrica. Passa a ganhar R$ 13 mil. Mais na frente, entra com o instituto da desaponsentação e vai se aposentar com o salário integral da Previdência. A tal de hipótese de que o fator inibe a aposentadoria precoce é bobagem. Qualquer técnico vê isso.

Que fórmula o sr. defende?

A fórmula 85/95 que já existe para o servidor. A mulher se aposentaria com 55 anos de idade e 30 de contribuição. O homem com 60 de idade e 35 de contribuição. Estaríamos entrando na idade mínima. Hoje as pessoas se aposentam com 50 anos. O governo tem que enfrentar esse tema. Chamar os especialistas para conversar. Não se trata de novidade, porque já existe para o servidor público. Só vai estender para o Regime Geral da Previdência.

O ministro da Previdência, Carlos Gabas, já se disse favorável, mas não acha apropriado discutir o fator previdenciário agora. Há espaço?

Antes dele, Garibaldi (Alves, antecessor de Gabas) já dava sinais de que concordaria e de que já estaria no momento de discutir. Gabas deu entrevistas falando a favor. As pessoas que entendem do assunto concordam. Poderíamos pegar esse pacote que o governo mandou e fazer do limão uma limonada, ajustar o pacote. As centrais sindicais estão certas quando falam que o correto seria devolver as MPs. Mas eu até aceito discutir e fazer aquilo que é possível, melhorando a redação para os trabalhadores e colocar na discussão o fator.

Que pontos o sr. julga fundamental serem alterados?

Além do fator previdenciário, diminuir a loucura do seguro desemprego. Numa rotatividade como a que existe no país, não há como o trabalhador esperar18 meses para receber o seguro desemprego. Também é preciso mexer nos 50% das viúvas, subir aquilo lá. Tirar essa bobagem do pescador. Se existe fraude,fiscaliza, confere. Há pelo menos quatro ou cinco pontos que precisam ser ajustados. O abono também não precisa mexer. Há quem diga que mexer no abono é inconstitucional porque ninguém pode ganhar menos que um salário mínimo.

No primeiro mandato do presidente Lula também houve uma reforma previdenciária, da qual o sr. participou. Qual a diferença entre aquele debate e este?

Lula veio com todo fôlego, tinha muita gordura para gastar e uma credibilidade enorme. Tive um embate duro com os ministros dele na época. Conversando com Lula, chegamos à ideia da PEC paralela. A primeira vez que recebi uma vaia na vida foi quando defendi a PEC paralela. Ninguém acreditava que eu fosse conseguir aprovar. Os trabalhadores diziam que era um engodo. Mas o governo negociou e conseguimos aprová-la um ano depois da reforma previdenciária. Até hoje os trabalhadores agradecem pela PEC paralela.

Naquela época, vários políticos deixaram o PT e acabou sendo criado o Psol. Estamos vivendo algo parecido? Haverá uma debandada?

A Marta (Suplicy) está aí. Há um descontentamento muito grande. No Senado as pessoas estão se sentindo incomodadas e desconfortáveis. Não só com as MPs, mas com o rumo que está sendo dado. Esperamos que agente consiga avançar no diálogo. Se não avançar, haverá sequelas.

A consequência poderá ser a criação de um novo partido, ou o sr. pretende entrar em outro já existente?

Fazer uma fusão é interessante. Se já existe uma estrutura, é possível fundir com outro partido e não perder o mandato.

O que será feito do PT?

O PT segue sua história.

Mas o sr. é figura histórica no PT...

O PT precisa voltar às suas raízes. Voltar não é retroceder. Voltar às suas raízes significa cultivar a essência dessa matriz que foi sonhada e embalada por todos nós que fazíamos campanha de bicicleta, a pé, com bandeira na mão por todo o país. Hoje as bicicletas são as redes sociais. É preciso olhar para além do horizonte sabendo que a gente pode continuar neste sonho e chegar lá. Se o PT não fizer essa reflexão de caminhada coletiva, como foi no passado, e ficar só um ou outro pensando em se eleger para isto ou para aquilo, preocupado com cargo, teremos uma situação ruim para o PT.

Como o sr. avalia a atuação dos ministros da coordenação política no diálogo como Congresso?

A política de um presidente tem que ser a de um estadista. Se não der a linha, os comandados não sabem como agir. Eu não quero, e seria descabido, desleal, apontar um ou outro ministro. Compete à presidenta dar a linha para os seus comandados e eles é que têm que seguir esta linha e fazer irradiar o seu ponto de vista e construção da política. Não são eles que têm que dar o tom. É a presidenta.

E onde está a falha?

Está na forma como nós — não só o PT, mas toda essa composição que hoje governa — estamos dirigindo o país. O governo não está bem. E o PT tema obrigação de, com uma certa rebeldia, contribuir para que se volte para os trilhos.

É possível voltar ter a pureza do partido e conviver como poder?

É possível. O PT sairá desta caminhada tão tumultuada se souber extrair o que há de melhor para o crescimento, sabendo entender o momento que todos passamos .

Isso inclui os recentes escândalos de corrupção, que começaram com o mensalão?

Inclui. Tanto o mensalão quanto o petrolão são condutas que nós, da base petista, não aceitamos.

A que o sr. atribui esses casos de propina. Atendem a interesses individuais, ideológicos, para fortalecer o partido, ou refletem o sistema político brasileiro?

São indivíduos que se posicionaram de forma deslumbrada como poder e tiveram desvio de conduta. Não dá para cair no jargão de que todo político é ladrão. Um deputado me contou que a história do filho dele. Quando descobriram que o garoto era filho de deputado, as outras crianças passaram a dizer "é filho de ladrão. Se é filho de ladrão, ladrãozinho é". Não dá para a gente condenar as instituições pelo erro de alguns. Quem fez o erro vai ter que responder pelo erro que fez. Mas não há sistema melhor no mundo do que a democracia. Temos que defender a democracia, apesar dos indivíduos que erraram.

De que maneira a reforma política, que está em discussão no Congresso, poderia contribuir?

O grande problema é o financiamento privado de campanha. Se para a população não cai bem aprovar um projeto de financiamento totalmente público, então deve se limitar. O candidato não poderá gastar mais do que "x", que este "x" seja algo decente para todos os candidatos. Num país como o nosso, não pode o cara gastar R$ 40 milhões para se eleger senador ou R$ 20 milhões para se eleger deputado. Isto é vendera alma para o diabo. Nenhuma empresa vai financiar campanha sem cobrar o preço. Quando as forças econômicas passam a dominar o Congresso Nacional, há um vinculo automático com a corrupção no imaginário das pessoas.

O sr. acredita que, coma quedada popularidade, a presidenta perdeu a iniciativa política?

Ela tem que agir mais. Para agir mais, tem que chamar os atores. Sozinha, ela não vai fazer nada. Eu chamaria inclusive os ex-presidentes da República para a mesa. O momento da economia nacional é tão complexo que é preciso ter a humildade de que cometeu alguns equívocos e fazer os ajustes junto com os outros. O processo eleitoral será daqui a três anos, quem ganhou, ganhou.

Mas ela terá essa humildade? Terá capacidade de ceder?

Há momentos na vida que, por mais que se tenha posição firmada, não tem como não mudar de rumo ou vai ser atropelada. Isso ninguém quer. Faço críticas a Dilma, mas a conheço há mais de 30 anos, quando era sindicalista, e sei da inteligência e da capacidade dela. Dilma e Carlos Araújo (ex-marido de Dilma) fizeram minha campanha de oposição ao Sindicato dos Metalúrgicos, entregavam boletim em porta de fábrica. Ela sempre me apoiou nas minhas candidaturas a deputado e senador.

Quando foi a última vez que o sr. conversou coma presidenta?

A última vez que tive esta oportunidade foi em 2010, na negociação da política do salário mínimo. Eu tinha e tenho uma visão de que não se pode excluir os aposentados do cálculo do PIB. Ela me chamou, fez uma longa discussão para convencer de que não era possível incluir os aposentados. Mas eu pedi a ela a garantia de que esse debate, para incluir os aposentados, continuaria. Ela disse que sim.

O que Lula espera do governo?

O que Lula fala é que a presidenta tem que conversar mais, dialogar mais, chamar os poderes constituídos. É a arte de fazer política.

Ele acha que tem que trocar ministro?

Comigo ele não fala em troca de ministro. O que ele fala é que tem de gostar de conversar. Fui constituinte com Lula. É um grande articulador. E no palanque só conheci dois com a capacidade de contaminar as pessoas: Lula e Brizola. O Brasil precisa de estadista para ajudar esta grande concertação, independente de ser situação ou oposição. No momento, tem que dialogar, inclusive com a oposição.

Ela colocou no Ministério da Fazenda Joaquim Levy,considerado um grande fiscalista, respeitado pelo mercado. O ajuste que o sr. critica é conduzido por ele. Onde Levy errou?

O grande erro desse fiscalista que o governo contratou foi que ele só atacou o andar de baixo. Só atacou a gente do porão. Essa gente que mais sofreu e que mais nos apoiou ao longo da nossa história.

O Senado discutirá esta semana o projeto da Câmara que obriga o governo a cumprir a lei, sancionada em novembro, que muda o indexador da dívida dos estados. Este é um assunto de interesse do seu estado. Como o sr. vai se posicionar?

Votarei tranquilamente e de cabeça erguida pelo projeto que revê as dívidas dos estados. O Congresso aprovou e a presidenta sancionou, mas não regulamentou. Temos que ter clareza que o nosso papel aqui é negociar. O governo errou e vamos reconhecer que errou. O espaço do Congresso é para negociar. Se o governo errou, corrigimos o erro aqui. Faz parte da democracia.

O problema está no governo, na presidenta ou no PT?

É voz corrente que está havendo a falta de diálogo. Falta admitir o que está errado e dar os passos para colocar o Brasil nos trilhos. Por que não chamar o Conselhão da época do Lula? Tem que chamar o empresário, chamar o trabalhador. O que não dá é para atender só de um lado e não ter contrapartida nenhuma para o trabalhador. Com todo este problema que o governo está enfrentando aqui, eu estou tentando conversar, colocar a minha posição para o governo. Com que meu consegui conversar? Só como ex-presidente Lula, que me recebeu como recebia quando era presidente. Ligava para ele e imediatamente ele me chamava lá para perguntar qual era o problema e de que forma poderia ajudar. Lula sempre estava disposto a ouvir e buscar soluções juntos.

E Dilma, não?

Falta diálogo ao governo, falta comunicação. Isso é a voz corrente.

‘Vem pra Rua’ passa a ver impeachment de Dilma como factível

• Empresário que lidera o movimento põe em dúvida os acordos de leniência via TCU e papel da presidente no caso

Gabriel Manzano - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O empresário Rogério Chequer, um dos líderes do “Vem pra Rua”, disse ontem que há “um clamor muito alto” das bases do movimento para que um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff seja admitido, dentro do grupo, como uma possibilidade concreta entre suas metas e palavras de ordem. “Não é um clamor pelo impeachment em si. E, de novo, lembramos a precondição de que tem de ser tudo dentro da lei”, afirmou. “Mas o fato é que começamos a perceber várias iniciativas que trazem motivos novos, argumentações de que a presidente poderia estar sujeita a uma ação por crime comum”, afirmou ele ao Estado. Disse também que hoje ou amanhã o movimento vai “oficializar” essa posição no documento sobre temas que defenderá na próxima manifestação, dia 12 de abril.

Criado no final do ano passado, o “Vem pra Rua” destacou-se nos recentes protestos de rua defendendo o “Fora Dilma” mas entendendo – até a semana passada – que “por enquanto” não via razões legais para o impeachment (da presidente)”. Essa posição vinha sendo cobrada por vários outros grupos.

Um dos motivos para se incluir o impeachment, agora, como perspectiva concreta – segundo o empresário – é a movimentação do governo em favor dos acordos de leniência que vêm sendo negociados com empresas envolvidas em casos de corrupção. “Já foram aprovados cinco, e temos vários pedidos novos em andamento”, afirmou. Chequer ressalta que não é advogado e que não tem “competência nem a função” para entrar no mérito jurídico do problema e que o impeachment não é a “causa central” do movimento. Mas admite ter ouvido muitas análises de estudiosos que consideram a instrução 74 da Advocacia Geral da União (AGU) – que trata das condições para os acordos de leniência – uma invasão do Executivo sobre áreas de competência do Judiciário.

‘Plano’. “Não podemos ficar calados diante disso. O que parecia um plano iniciado no Executivo, interferido no Judiciário, invadindo a AGU, passado pelo TCU e aterrissado na Controladoria-Geral (CGU) começa a se deflagrar”, explicou.

Ele diz não estar sozinho nessa percepção. Menciona “outras iniciativas” de advogados e de partidos políticos, como o PPS – cujo deputado Raul Jungmann (PE) pediu ao Supremo Tribunal Federal uma avaliação sobre a constitucionalidade dos acordos de leniência. “Cresce a ideia de que se consiga pelo menos uma investigação sobre o papel da presidente nisso tudo”, resumiu Chequer.

Ele diz não ter medo de que esse gesto seja visto como um passo à direita e, assim, prejudique a imagem do grupo. “Não é radicalização, de modo algum. Não estamos fechando o foco, continuamos com todas as outras demandas – por ética na política, por cidadania, por um basta à corrupção e à má gestão dos recursos públicos”, concluiu.

Governo terá novo obstáculo ao ajuste fiscal

• Congresso quer aprovar criação de fundos com dinheiro da União para compensar perdas dos Estados com ICMS

• Antes de assumir Fazenda, Joaquim Levy já havia pedido ao presidente do Senado para segurar votação

Leonardo Souza – Folha de S. Paulo

RIO - O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem mais uma "bomba" bilionária contra o ajuste fiscal para desarmar.

Na semana passada, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ameaçou levar à votação na terça-feira (31) projeto de lei que legitima guerras fiscais entre Estados no passado.

O texto propõe o perdão a incentivos considerados irregulares dados pelos Estados para atrair empresas. O projeto também iguala paulatinamente as alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) cobradas pelos diferentes entes da federação.

A Folha apurou que, junto a essa medida, viria um projeto que prevê a criação de dois fundos de compensação aos Estados, abastecidos com dinheiro da União, dos quais sairiam R$ 234 bilhões nos próximos 20 anos.

Se o texto for aprovado, já em 2016 a União teria de pagar cerca de R$ 10 bilhões para Estados e municípios.

Apesar de a ameaça ter sido feita pelo peemedebista Renan, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê as compensações é assinada pelo senador petista Walter Pinheiro (BA) e foi apoiada pelo governo da presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato.

O projeto já foi aprovado em 2014 pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado. Iria em seguida para o Plenário da Casa.

No final do ano passado, Levy, já nomeado titular da Fazenda mas ainda não empossado ministro, foi até Renan pedir para que ele segurasse a votação do texto.

Agora, o presidente do Congresso ameaça colocar os dois projetos em pauta caso o governo não regulamente a lei que permite a revisão das dívidas de Estados e municípios a alíquotas mais baixas, aprovada no final de 2014.

Fundos
Pela PEC assinada pelo senador Walter Pinheiro, serão criados o Fundo da Compensação das Perdas de Arrecadação e o Fundo de Desenvolvimento Regional.

De acordo com o texto, pelo fundo de compensação o governo repassaria até R$ 8 bilhões por ano para os Estados e municípios por 20 anos.

Em 2013, porém, os governadores defenderam que o teto do fundo fosse elevado para R$ 15 bilhões por ano.

Já o fundo de desenvolvimento teria um escalonamento no valor anual dos financiamentos.

No primeiro ano seria de R$ 1 bilhão e subiria R$ 1 bilhão por ano, por três anos, até alcançar R$ 4 bilhões anuais, valor teto que seria mantido até o final da vigência da norma.

Se a conta para os dois fundos for mantida, o governo gastará até R$ 234 bilhões pelos próximos 20 anos

Segundo a Folha apurou, caso as medidas sejam aprovadas e entrem em vigor, o governo tentará reduzir drasticamente esses valores.

Dívida com a União
Em 2013, a então ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) afirmou que três propostas que alteravam o pacto federativo eram prioritárias para o governo.

Eram elas o projeto de lei que iguala as alíquotas de ICMS, a criação dos fundos de compensação aos Estados e a mudança no indexador das dívidas de Estados e municípios com a União.

Na ocasião, Ideli defendeu que os projetos fossem aprovados de forma conjunta. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega apoiava publicamente as medidas.

A lei que autoriza a troca do indexador já foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff, mas não entrou em vigor por falta de regulamentação. A decisão de não aplicá-la foi do ministro Joaquim Levy (Fazenda), que tenta promover um ajuste fiscal nas contas do governo.

A troca do indexador resultará numa redução significativa na dívida dos Estados e municípios. Estima-se que em um ano a União deixe de receber R$ 3 bilhões.

Na semana passada, após articulação de Renan com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deputados aprovaram projeto que obriga o governo a aplicar a troca do indexador em até 30 dias. A regra precisa agora passar pelo Senado.