terça-feira, 31 de março de 2020

Opinião do dia - Kathryn Sikkink*

Para que uma economia funcione bem temos de proteger nossa população. Como podemos pensar numa economia que avance se nossa população está em risco? Como podemos colocar a economia acima da saúde se sem saúde não há economia?

Não sabemos exatamente como tudo isso vai nos marcar, mas não podemos minimizar esta ameaça. Se um Estado não cumpre suas obrigações, não respeita o direito de seus cidadãos, outros grupos farão a mesma coisa. As pessoas ficam desorientadas.

Como no Brasil, nos EUA alguns estados atuaram mais rápido do que o governo federal. Me surpreende a atitude do presidente brasileiro, nem Trump nega mais a gravidade da pandemia.

*Kathryn Sikkink, professora do departamento de Políticas de Direitos Humanos da Harvard Kennedy School, dos Estados Unidos. O Globo, 30/3/2020

Míriam Leitão - Fim de um mito da ditadura

- O Globo

Dois estudiosos derrubam o mito do milagre econômico da ditadura: foi estagnação ou recessão para 70% dos trabalhadores

Um estudo inédito desmonta o maior argumento econômico da ditadura de 1964: o de que houve um milagre. Não houve. Dois grandes estudiosos mostram que 82% do crescimento da renda dos salários, nos primeiros anos do chamado “milagre”, foi apropriado pelos 10% mais ricos. O estudo chega no momento exato dos arremedos autoritários do presidente Bolsonaro exibidos no meio de uma pandemia. Ele se comporta como se tivesse poderes ilimitados. Na democracia não tem, felizmente. É bom que se desmonte mais um mito da ditadura: o de que ela foi boa na economia durante os anos em que houve crescimento do PIB.

Crescimento para quem? Foi isso que se perguntaram os economistas Marcelo Medeiros, professor visitante da Princeton University, e Rogério Barbosa, pós-doutorando da Universidade de São Paulo. A nota técnica a que esta coluna teve acesso com exclusividade desmonta todo o mérito econômico da ditadura. “Nossa principal conclusão até o momento é de que o crescimento de 1960 a 1970 foi altamente pró-ricos, com grandes parcelas da população tendo perdas ou permanecendo praticamente estagnadas.”

Os militares insistiram ontem em reescrever a história. A ordem do dia elogia a ditadura militar e repete o delirante argumento de que os militares defendiam a democracia quando a golpearam. É cansativo, 56 anos depois, ver as Forças Armadas se prestando a esse papel.

Ricardo Noblat - Uma data para ser lembrada como a do estupro da democracia

- Blog do Noblat | Veja

31 de março de 1964, nunca mais

A ditadura militar de 1964 durou 21 longos anos – parte deles tenebrosos, com a morte e o desaparecimento de 434 pessoas e o envolvimento de 377 outras, direta ou indiretamente, em práticas de tortura e assassinato. A tortura a presos políticos e a eventuais inocentes foi adotada como política de Estado.

A liberdade e o respeito aos direitos humanos foram suprimidos no país por largo tempo. As garantias individuais, também. A Constituição foi rasgada e deu lugar a periódicos atos institucionais, o mais célebre deles o AI-5, que garantiram a continuidade do regime autoritário até ele se desmanchar.

Há dois dias, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse que o golpe de 64, que ele não chama de golpe, é um fato que “pertence à História”. Se o reconhecesse como um fato positivo o teria dito com todas as letras, como no passado já disse. Mas seus ex-colegas de farda insistem em exaltar o feito.

Ordem do dia assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica a propósito do 56 anos do golpe completados hoje, confirma que os militares nunca engoliram e talvez jamais venham a engolir o fato de terem rompido com a legalidade e implantado no país uma ditadura.

Merval Pereira - Bolsonarices

- O Globo

A cada bolsonarice que faz, mais eleitores se descolam de seu compromisso eleitoral, como demonstram os panelaços

A tentativa de tirar o protagonismo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta no combate ao Covid-19 não passa de mais uma bolsonarice, entre muitas que o presidente comete cotidianamente com palavras, gestos e hábitos.

Bolsonarice ainda não existe na língua portuguesa oficial, mas caminha para tornar-se um neologismo similar a tolice, burrice, asnice, todos derivados de substantivos com o sufixo “ice”, que tem em certos casos, como nesses, uma carga pejorativa indelével.

É uma característica da língua portuguesa a criação de palavras como essa, que primeiro dominam o português falado informalmente e acabam, pela frequência do uso, se imiscuindo na língua oficial, sendo reconhecidas pelos dicionários. Talvez, portanto, estejamos vendo o surgimento de uma nova palavra, pela necessidade de classificar as atitudes de um presidente da República colocado no Palácio do Planalto por circunstâncias políticas, como um jabuti em cima de uma árvore.

Boa parte das mãos que o colocaram lá, no caso do nosso jabuti, já não o aparam. A ideia propagada de que representa mais de 57 milhões de eleitores que votaram nele é uma falácia, pois como dizia Tancredo Neves, voto você não tem, você teve.

A cada bolsonarice que faz, mais eleitores se descolam de seu compromisso eleitoral, como demonstram os panelaços diários. Uma característica de sua personalidade é a paranóia, e Mandetta caiu na sua malha fina.

Carlos Andreazza - O ganha-ganha de Bolsonaro

- O Globo

Bolsonaro é parte — grande — do problema; um agente para o agravamento do drama

Vi muita gente boa, não faz tanto tempo, dizer que o perfil de louco rompedor, de irresponsável trombador, era o necessário — finalmente o gatilho — para dar um tranco no Brasil e fazer o país avançar para as reformas liberais de que o Estado precisaria. Nunca acreditei nisso. Reformas estruturais dependem de estabilidade, de um chão de previsibilidade. Condições impossíveis se é — se sempre foi — o próprio presidente da República, de resto um líder sindical da ativa, com histórico golpista, a principal usina de traumas, de cismas.

Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Sempre foi. Por três décadas expôs sua natureza no Parlamento, não raro se comportando como um sociopata. Ai está. Ninguém se pode dizer surpreso.

De toda maneira, o tempo — a chance — de reformar o Estado passou. O perfil do presidente, no entanto, continua o mesmo. E não é o de um mero maluco beleza que abriria caminhos ao liberalismo econômico; mas o de um populista autoritário, centralizador, cujo reacionarismo tem por ar a forja artificial de conflitos, e cuja a natureza rompedora, inegável, só abre picadas para desguarnecer progressivamente a democracia liberal. Repito: um golpista em busca da (de fazer a) ocasião. Uma real ameaça em tempos excepcionais.

Aqueles românticos que acreditaram que esse sujeito — alguém que reage, tanto mais se acuado, cindindo e radicalizando — poderia liderar o país num amplo e profundo programa reformista agora decerto são os que creem que esse elemento poderá dirigir os esforços brasileiros de enfrentamento de uma crise mundial sem precedentes. Este sujeito: o que há três semanas — atacando a Justiça Eleitoral —afirmou ter provas (jamais apresentadas) de que a eleição de 2018 fora fraudada.

Chega de ilusão. Bolsonaro é parte — grande — do problema; um agente para o agravamento do drama. Jamais será solução. Dá mostras disso diariamente, como quando ameaça a ordem pública — investindo num choque de desobediências civis — ao aventar um decreto que desmobilizaria trabalhadores da quarentena determinada por governadores e recomendada pelo seu Ministério da Saúde. Choque de desobediências civis — resultando em caos social: uma possível ocasião para o golpista.

José Casado - ‘Vão morrer, ué, lamento’

- O Globo

Governadores têm aprovação até 30 pontos acima do presidente

A sociedade se move. De Manaus a Porto Alegre, incontáveis voluntários, líderes religiosos, comunitários e empresariais multiplicam a coleta de alimentos e de kits de higiene para áreas onde o poder público não alcança, porque delas sempre se manteve distante — salvo nas ações de repressão policial.

São 74 milhões (37%) de brasileiros sem saneamento, parte abrigada em imóveis com mais de três por quarto, e a maioria agrupada em famílias cuja renda oscila no salário mínimo. Estão mais expostos ao vírus.

“Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento” — disse Jair Bolsonaro, semana passada, com a naturalidade de quem lava as mãos e o distanciamento, talvez consciente, de possíveis cenas de comboios de caixões, com vítimas da “gripezinha”. A lógica de Bolsonaro é a da campanha pela reeleição mesmo num cenário devastado pelo medo coletivo: “Nós não podemos parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano, está certo?”

Bernardo Mello Franco - O Capitão Corona contra o ministro equilibrista

- O Globo

No meio da pandemia, o presidente resolveu torpedear o ministro da Saúde. A razão é simples: Mandetta ganhou luz própria e se recusa a endossar seu discurso populista

Jair Bolsonaro é um chefe inseguro. Perde o controle quando um subordinado não se dobra totalmente à sua vontade. O capitão já fritou e demitiu diversos auxiliares que ousaram contrariá-lo. Agora sua mira está apontada para o ministro da Saúde, Henrique Mandetta.

No meio da pandemia, o presidente resolveu torpedear o principal responsável pelo combate ao vírus. A cruzada tem dois motivos: o ministro ganhou luz própria e se recusa a endossar seu discurso populista contra as medidas de isolamento social.

No domingo, Bolsonaro partiu para a provocação explícita. Numa afronta a Mandetta, deixou o palácio para fazer corpo a corpo nas cidades-satélites. Cumprimentou eleitores, estimulou aglomerações e conclamou o povo a abandonar a quarentena. Tudo na contramão do que o ministro prega diariamente na TV.

Luiz Carlos Azedo - O tsunami

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém litígio com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, que defendem a permanência de Mandetta”

A epidemia de coronavírus é um tsunami invisível que varre o mundo. No momento, seu epicentro é Nova York, nos Estados Unidos, o que obrigou o presidente Donald Trump a mudar completamente o discurso no domingo, quando pediu para a população ficar em casa até 30 de abril. Trump vinha defendendo o afrouxamento das medidas de isolamento e chegou a declarar no sábado que uma quarentena não seria necessária em Nova York, New Jersey e Connecticut. Mudou de ideia no dia seguinte, quando admitiu que o pico da epidemia será daqui a 15 dias. Já são mais de 2 mil mortos e mais de 100 mil casos confirmados, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, na economia mais poderosa do mundo. O sistema de saúde de Nova York está à beira do colapso.

Ao contrário de Trump, aqui, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para contestar a política de isolamento social e deu um rolé pelo comércio do Sudoeste, de Ceilândia e de Taguatinga, defendendo que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Depois do périplo, devidamente registrado no Twitter — que apagou duas de suas postagens por colidirem com a orientação das autoridades de saúde pública —, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a situaçao como homem e não como moleque, porque as pessoas um dia vão mesmo morrer. Não se sabe a quem ele se referia, mas o fato é que desautorizou a orientaçao do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que aumentou as especulações de que ele seria demitido.

Miguel De Almeida* - Um mundo sem bozoloides

- O Globo

São os apps de entrega de comida que no momento alimentam as cidades no claustro forçado pela pandemia

O tear mecanizado levou perto de 120 anos para se espalhar fora do continente europeu. Mesmo assim, foi avassalador seu impacto na sociedade.

Já a internet, incluída dentro da terceira onda industrial, em menos de uma década chegou a todo o planeta. São os apps de entrega de comida que no momento alimentam as cidades como Nova York e São Paulo no claustro forçado pela pandemia da Covid-19. No mundo enclausurado, o e-commerce antecipa as cidades futuristas de Asimov e Heinlein: as máquinas já adivinham nossas necessidades diárias.

Meu herói Ray Kurzweil, no que chamou de Lei dos Retornos Acelerados, prevê que a humanidade irá experimentar dois mil anos de mudança tecnológica nos próximos cem anos. Seria como se (num filme) vivêssemos da invenção da agricultura ao surgimento da internet durante as primeiras horas da manhã.

Alvaro Costa e Silva - Crivella não mergulha no esgoto

- Folha de S. Paulo

Mesmo precisando de Bolsonaro para sua reeleição, prefeito manda o Rio parar

Com o fracasso da Aliança pelo Brasil (partido de extrema direita que não deu liga), a família Bolsonaro pediu abrigo ao Republicanos, feudo do bispo Edir Macedo, dono da Igreja Universal e da Record. Na semana passada, o senador Flávio e o irmão dele, o vereador Carlos, filiaram-se à legenda. De lambugem, Rogéria, ex-mulher do presidente Jair, entrou no esquema, que une mais ainda o bolsonarismo aos mercadores da fé evangélica.

O acordo praticamente sela o apoio de Bolsonaro à reeleição de Marcelo Crivella. Mesmo assim, o prefeito do Rio não mostra coragem de mergulhar no esgoto. Crivella sabe que, se menosprezar a pandemia de coronavírus e se tornar uma ameaça à saúde da população, indo contra todas as recomendações científicas, vai pegar para ele. "Gostaria de reafirmar: por favor, fiquem em casa", tuitou, mantendo as restrições ao comércio.

Hélio Schwartsman - Precisamos ganhar tempo

- Folha de S. Paulo

A cada semana que passa, médicos aprendem mais sobre a doença

A epidemia de Covid-19 exigirá de cada um de nós um enorme esforço pessoal. O objetivo primordial da estratégia de supressão é evitar o colapso da rede hospitalar e, assim, reduzir o número de óbitos por falta de atendimento, um tipo de morte capturável pelas câmeras e que nossas sociedades veem como especialmente perverso. O objetivo secundário é ganhar tempo.

E por que o tempo é importante? Vários motivos. A cada semana que passa, médicos aprendem mais sobre a doença. O tratamento hoje dispensado aos pacientes com complicações já é melhor do que o de quando a Covid-19 apareceu, no final do ano passado.

Também podemos esperar algum progresso na frente das terapias e vacinas. A pesquisa está a todo o vapor em todo o mundo. Imunizantes e fármacos novos devem demorar, mas temos um amplo arsenal de drogas já aprovadas nas prateleiras das farmácias, e é possível e até provável que uma ou uma combinação delas apresente resultados. Mesmo que não venha a cura, uma redução no tempo de internação dos pacientes críticos já traria, no agregado, um bem-vindo alívio no fluxo dos hospitais.

Pablo Ortellado* - O 'vírus chinês'

- Folha de S. Paulo

Teoria da conspiração diz que o coronavírus é arma biológica da China

A postura do governo federal de se contrapor à política de isolamento social preconizada pela ciência e por autoridades sanitárias gera justificada indignação, mas, às vezes, a indignação nos indispõe a entender a motivação dos agentes.

O que o governo Bolsonaro quer, afinal?

Acredito que devemos olhar para o que os círculos bolsonaristas e olavistas estão discutindo para encontrar a resposta. E a resposta que se encontra ali é a do “vírus chinês”.

O vírus chinês é uma teoria da conspiração segundo a qual o coronavírus seria relativamente inócuo, tão grave quanto uma gripe comum. Apesar disso, o partido comunista chinês teria montado um circo e falsificado dados de letalidade, com a intenção de gerar pânico, parar a economia global e dar assim uma vantagem competitiva à economia chinesa, que, à despeito do teatro, seguiria em plena atividade.

Há algumas variantes dessa teoria conspiratória: o vírus teria sido desenvolvido em laboratório como arma biológica; agentes chineses estariam se infiltrando em aglomerações urbanas para espalhar o vírus; empresas chinesas estariam suspendendo o pagamento por produtos já adquiridos para ferir as economias locais.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Inútil e nocivo

- Folha de S. Paulo

Enquanto os adultos trabalham, Bolsonaro se desespera

Ainda não está claro qual o caminho institucional que pode remover a ameaça à saúde pública e institucional da cadeira presidencial. Para impeachment, a popularidade ainda é alta. Para renúncia, é preciso convencê-lo antes. O que não se discute é que, sob qualquer aspecto, o general Mourão seria um líder superior a Bolsonaro para mobilizar os esforços de combate ao coronavírus.

Bolsonaro adoraria fazer como seu modelo inspirador da Hungria, Viktor Orbán, e usar a epidemia para conquistar poderes ditatoriais. Mas quem o apoiaria nessa tomada do poder? Congresso e Forças Armadas jamais aceitarão um autogolpe.

Bolsonaro ataca as instituições sem cessar, mas elas se mantêm firmes e tornam seus ataques impotentes. A imprensa segue noticiando os desmandos do presidente. O Congresso altera a seu bel-prazer os projetos que chegam do governo. O STF barra medidas com potencialidades autoritárias, como a mudança na Lei de Acesso à Informação.

Por todos os lados, Bolsonaro encontra obstáculos. Está acuado. Seu único trunfo restante é a tal “vontade do povo”, cada vez mais restrita a uma parcela fanática do eleitorado.

Andrea Jubé - Senador comprovou: “não é gripezinha”

- Valor Econômico

Senadora Kátia Abreu critica “arroubos” de Bolsonaro

Quando embarcar para Campo Grande no fim de semana, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) terá completado 24 dias longe da esposa, Keilla, e da filha de seis anos, após cumprir a jornada de recuperação da infecção pelo coronavírus.

Ele é um dos recuperados num cenário desolador de 159 mortos e 4.579 brasileiros infectados, segundo dados de ontem do Ministério da Saúde. À coluna, Trad contradisse o presidente Jair Bolsonaro: “Só lhe asseguro uma coisa, isso não é gripezinha, é de arrebentar a boca do balão!”

Médico de formação, e primo-irmão do ministro Luiz Henrique Mandetta - que foi seu secretário de Saúde na Prefeitura de Campo Grande - Nelsinho Trad é defensor incondicional da política de isolamento social e exorta Bolsonaro a seguir as orientações do comandante da Saúde.

“Muita calma nessa hora: problemas na economia surgirão, fazendo ou não o isolamento social, mas será possível reagir a eles no momento adequado”, pondera o senador, considerado um aliado do Palácio do Planalto. “Sou aliado do Brasil”, retifica.

Marli Olmos - Lições podem surgir do colapso nas cidades

- Valor Econômico

Urbanistas discutem como será a vida na cidade pós covid-19

O arquiteto alemão Matthias Hollwich especializou-se em moradias para viver e envelhecer sem preocupações. Um dos seus projetos mais famosos está em Nova York. O Skyler é um edifício de cem andares cujo principal diferencial está nos espaços comuns para serem compartilhados entre os habitantes dos 600 apartamentos.

Ali, há escritórios para quem deseja dividir espaço para trabalho, um centro ecumênico para estimular a convivência na hora da oração, e até uma arquibancada instalada no meio desse arranha-céu. Dali as pessoas podem coletivamente contemplar um fim de tarde em Manhattan.

Durante uma palestra, em São Paulo, há três anos, Hollwich disse que viver de forma inteligente pressupõe morar em bairros com boa oferta de transporte público e de serviços, como hospitais e supermercados. E deu um conselho para a plateia passar o resto dos anos bem: “Tentem sempre viver rodeados de gente”.

Com a disseminação da covid-19, os maiores centros urbanos do mundo foram forçados a seguir uma dinâmica oposta àquela para a qual foram planejados. Grandes capitais foram, há dias, esvaziadas para evitar o agravamento da contaminação, e os espaços públicos perderam a razão de ser.

Não há dúvidas de que isolamento social, principalmente em centros urbanos, é a melhor forma de proteger a população e evitar o colapso do serviço de saúde.

Ao mesmo tempo, a pandemia de efeitos devastadores também coloca em xeque o futuro das grandes cidades. Se, por um lado, um dos mérito das metrópoles sempre foi estimular a convivência humana, por outro, esses lugares são também o campo perfeito para uma perigosa propagação de surtos como o que estamos vivendo.

José Eli da Veiga* - Há oportunidade nesta crise?

- Valor Econômico

Talvez o choque da covid-19 venha a ser dos mais didáticos sobre a relação da sociedade com a natureza

O mês que ora se encerra deveria ter sido de celebração da luta feminista. Em vez disto, poderá ser lembrado, por muito tempo, como um dos mais tenebrosos da história econômica do capitalismo. Com certeza, marco de recessão mais profunda do que aquela que se seguiu à crise de 2008. Com chances de resultado muito pior aumentando a cada dia, diz o notável especialista Nouriel Roubini.

Mas também parece possível que o choque da covid-19 venha a ser dos mais didáticos sobre a relação da sociedade com a natureza. Principalmente se lições já evidentes tiverem o poder de mudar comportamentos. A grande dúvida é se esta adversidade poderá incitar o andar de cima, formado pelo quinto mais rico da população mundial, a iniciar uma desintoxicação de seus modos de vida. Não se trata, portanto, de cenário alternativo, otimista ou realista. Tão somente de também chamar a atenção para bons efeitos colaterais, mesmo que se confirme o cenário mais pessimista.

As despoluições - principalmente sonora e do ar - poderão ser incentivos para que muitos, das classes médias e altas, não voltem aos mesmíssimos esquemas quotidianos depois da crise. Já disparou a procura online por casas fora das cidades. E a comparação das imagens de março às anteriores, divulgadas pela Nasa e pela ESA, não poderiam ser mais eloquentes em sugerir o grau de melhora dos ecossistemas globais quando o desenvolvimento humano puder se basear em mudança qualitativa do crescimento econômico.

Eliane Cantanhêde - Chacoalhada

- O Estado de S.Paulo

Coronavírus mexe na balança do Planalto: Bolsonaro se isola, uns sobem, outros descem

A crise do coronavírus acabou dando uma chacoalhada no governo, com mudanças de posições, ministros em alta, ministros em baixa e um consenso constrangido entre todos eles: é preciso agir e atacar a doença em conjunto, isolando o presidente Jair Bolsonaro. Não por ser do grupo de risco, ter mais de 60 anos e estar cercado de contaminados por todos os lados, mas porque é urgente que ele pare de atrapalhar.

Em alta no próprio governo e na opinião pública está o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sistematicamente desautorizado pelo presidente, mas reconhecido pelos colegas ministros, que temem a força do coronavírus e a demissão do personagem-chave do combate à epidemia. Demitir Mandetta seria esfacelar, no momento decisivo, toda a estrutura do Ministério da Saúde, que tem o controle da operação e o reconhecimento popular.

Além de Mandetta, dois generais estão em alta: Braga Netto, da Casa Civil e com sala próxima do gabinete presidencial, e Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, que despacha em outro prédio, mas é personagem assíduo no Planalto. Os dois têm duas características comuns: relacionam-se há anos com Bolsonaro e são respeitados pela cúpula do poder, que recorre a eles quando é preciso “dar um jeito no capitão”. Carioca jeitoso, Fernando foi colega de turma do insubordinado Bolsonaro no Exército.

Pedro Fernando Nery* - O fim de 88

- O Estado de S.Paulo

Se a Constituição de 88 ampliou a proteção à saúde, não fez o mesmo com a renda

“Instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras.” O leitor pode se surpreender, mas uma renda universal era uma das propostas do plano de governo oficial do candidato Jair Bolsonaro. Com adeptos em diversas ideologias, o debate sobre renda universal ganhou força nos últimos dias, na esteira da aprovação do auxílio emergencial de R$ 600 pelo Congresso – destinado a trabalhadores informais prejudicados pela crise.

Ela é conhecida à direita pela proposta de “imposto de renda negativo” do ícone liberal Milton Friedman, que advogava que famílias abaixo de um nível de renda não deveriam pagar imposto, mas receber transferências até alcançar o nível determinado. E é conhecida da esquerda pela Renda Básica de Cidadania, proposta histórica de Eduardo Suplicy aprovada no Congresso em 2004 – o “direito de todos os brasileiros receberem anualmente um benefício monetário”. Jamais foi implementada.

Nos Estados Unidos, chamou a atenção quando Hillary Clinton, fazendo a autópsia da sua candidatura presidencial, alegou que quase anunciou a renda universal como sua plataforma eleitoral contra Trump. Teria desistido por não conseguir desenhar a implementação. Nas primárias democratas deste ano, o tema não animou os candidatos mais progressistas, mais focados em políticas de mercado de trabalho.

A renda universal ainda não foi adotada em país algum, pelo seu custo proibitivo. Como alternativa, muitos prescrevem algo mais viável e focalizado: a renda garantida. Trata-se de um benefício só para quem vive abaixo de um limite de renda, em valor suficiente para que esse mesmo limite seja superado.”

A pedra no caminho – Editorial | O Estado de S. Paulo

Graças a seu comportamento irresponsável, Jair Bolsonaro começa a conquistar um lugar jamais ocupado por um presidente brasileiro, o de vilão internacional

O presidente Jair Bolsonaro foi reconhecido pela revista norte-americana The Atlantic como “o líder mundial do movimento de negação do coronavírus”. Já a revista britânica The Economist chamou Bolsonaro de “BolsoNero”, numa alusão à lenda de que o imperador Nero tocava harpa enquanto Roma ardia em chamas. E o presidente brasileiro foi o único chefe de Estado citado nominalmente pela The Lancet, uma das principais publicações científicas do mundo, em editorial crítico às respostas de muitos governos à pandemia, especialmente aqueles que “ainda precisam levar a ameaça da covid-19 a sério”.

Assim, Bolsonaro, graças a seu comportamento irresponsável, começa a conquistar um lugar jamais ocupado por um presidente brasileiro – o de vilão internacional. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, idolatrado por Bolsonaro, persistiu em sua costumeira arrogância diante do avanço dramático da epidemia, rendendo-se à necessidade de prorrogar o isolamento social, mesmo ante o colossal custo econômico dessa medida.

Aparentemente, contudo, Bolsonaro não se importa de ser visto como pária. Ao contrário: decerto feliz com a notoriedade global subitamente adquirida, na presunção de que isso lhe trará votos, insiste em desafiar abertamente as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotadas pelo Ministério da Saúde e por governadores e prefeitos de quase todo o Brasil. No domingo passado, o presidente passeou por Brasília, visitando zonas comerciais, pedindo que a vida volte ao normal e cumprimentando simpatizantes que se aglomeravam em torno dele – escarnecendo, assim, de reiteradas recomendações de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Herói grego que arrancou suástica da Acrópole na 2ª Guerra morre aos 97

Manolis Glezos ficou conhecido pelo primeiro ato claro de resistência aos nazistas no país

Michele Kambas | Folha de S. Paulo

ATENAS | REUTERS - Manolis Glezos, cujo ato de desafio à ocupação nazista na Grécia durante a Segunda Guerra foi um grito pela resistência do país, morreu nesta segunda-feira (30). Ele tinha 97 anos.

Admirado em todo o espectro político local, Glezos ficou famoso por escalar os muros da Acrópole em 1941 para retirar uma suástica, símbolo nazista, e substituí-la pela bandeira grega.

Foi o primeiro ato claro de resistência aos nazistas, que ocuparam a Grécia entre 1941 e 1944. Por isso, foi condenado à morte, julgado à revelia.

Glezos morreu de falência cardíaca em um hospital em Atenas, no qual foi internado em 18 de março.

O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, em um comunicado, chamou-o de "coração de leão" e de "o homem mais gentil". "A morte de Glezos deixa a Grécia mais pobre, mas o legado de sua vida enriquece o país", afirmou.

"Seu exemplo, o de um verdadeiro patriota e lutador, é um farol para todos nós. E nos dá força para nos unirmos para superar as dificuldades, como as que vivemos hoje", disse Mitsotakis, referindo-se à crise do coronavírus.

O ex-primeiro-ministro Alexis Tsipras disse que "Glezos viverá pela eternidade como o símbolo de um combatente que soube se sacrificar por seus semelhantes".

Com sua cabeleira branca e o bigode grosso, Glezos foi uma figura muito conhecida na política grega.

Com quase 90 anos, enfrentou bombas de gás lacrimogêneo da polícia em protestos contra cortes de verbas realizados em troca de ajuda internacional para manter a economia grega à tona entre 2010 e 2015.

Membro do partido socialista Pasok, que representou no Parlamento Europeu, Glezos gradualmente migrou mais à esquerda na política.

Aos 91, em 2014, ele se tornou deputado no Parlamento Europeu como representante do Syriza, partido de esquerda que chegou ao poder em 2015. Renunciou um ano depois.

Questionado sobre o que o manteve na linha de frente da política por tanto tempo, Glezos disse à agência de notícias Reuters em 2012 que foi a lembrança dos camaradas mortos.

"Antes de cada batalha, de cada protesto, dizíamos uns aos outros: 'Se você viver, não me esqueça'. Estou pagando uma dívida aos que perdi naqueles anos difíceis. Meu único arrependimento é não ter feito mais."

Ministro da Defesa chama golpe de 1964 de 'marco para a democracia'

Fernando Azevedo afirmou, em mensagem comemorativa, que ditadura foi importante 'pelo que evitou'

Daniel Gullino | O Globo

BRASÍLIA — O Ministério da Defesa divulgou nesta segunda-feira a ordem do dia alusiva ao dia 31 de março, dia do golpe militar de 1964, que iniciou uma ditadura que durou até 1985. No texto, o ministro Fernando Azevedo e Silva afirma que o "movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira", principalmente "pelo que evitou". A ordem do dia é uma mensagem comemorativa das Forças Armadas que é lida nos quarteis.

No texto, Azevedo afirma que é preciso analisar fatos históricos levando em consideração seu contexto e que o Brasil "reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época". Essas ameaças, segundo ele, ocorreram no ambiente da Guerra Fria e eram "sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas", uma referência ao socialismo e ao comunismo. De acordo com o ministro, "a sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças" e "as Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis".

Azevedo elogia o governo militar, dizendo que levou o país a ter o oitavo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. "Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo", diz o texto.

O ministro diz que a Lei da Anistia "permitiu um pacto de pacificação", seguido até hoje, e que os rumos adotados são "aprendizados daqueles tempos difíceis". Também diz que depois disso "o Brasil evoluiu", com o fortalecimento das instituições e com convergência adotada como método, e agora "os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade".

"O Brasil evoluiu, tornou-se mais complexo, mais diversificado e com outros desafios. As instituições foram regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia. A convergência foi adotada como método para construir a convivência coletiva civilizada. Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas", afirma o texto.

Ele diz que as Forças Armadas acompanharam essas mudanças e que Exército, Marinha e Aeronáutica "continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático".

Por outro lado, segundo Azevedo, "os países que cederam às promessas de sonhos utópicos, ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres", em nova menção ao socialismo.

A mensagem também é assinada pelos comandantes das três forças: general Edson Leal Pujol (Exército), almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior (Marinha) e tenente-brigadeiro do ar Antonio Bermudez (Aeronáutica).

No ano passado, a celebração do golpe de 1964 causou polêmica após o presidente Jair Bolsonaro defender as "as comemorações devidas" da data. Depois, Bolsonaro afirmou que a ordem havia sido para "rememorar" e "rever o que está certo e o que está errado". A ordem do dia do ano passado, também assinada por Azevedo e pelos três comandantes, tem semelhanças com a desse ano, como o destaque do contexto da Guerra Fria e o elogio à Lei da Anistia.

As ordens do dia dos dois anos têm semelhanças, Entretanto, o texto de 2019 adotava um tom mais brando, ao referir-se ao 31 de março como um "episódio simbólico", e não um "marco para a democracia". Além disso, falava em "transição para uma democracia" no fim da ditadura, contrariando o discurso do próprio Bolsonaro, que afirma não ter havido uma ditadura entre 1964 e 1985.

Os comunistas e o golpe de 1964*

A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua ultima reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

1. As lutas do povo brasileiro desenvolvem-se num quadro de uma situação internacional caracterizada pelo fortalecimento das posições do socialismo, pelo Ascenso do movimento nacional-libertador e do movimento operário internacional, pelo crescimento das forças empenhadas na preservação e consolidação da paz mundial.

A política de paz realizada pela União Soviética e demais países socialistas, apoiada em seu avanço econômico, técnico e científico e inspirada no princípio da coexistência pacífica, penetra cada vez mais fundo na consciência de todos os povos. Desenvolve-se com vigor o movimento de emancipação nacional da Ásia, África e América Latina.

A conjuntura econômica dos países capitalistas mais desenvolvidos mantém-se, em geral, em ascenso. Aumenta o interesse, no campo capitalista, pela intensificação das relações econômicas com os países do campo socialista, o que amplia as condições objetivas da política de coexistência pacífica. Mas, simultaneamente, e em conseqüência também do continuado agravamento da crise geral do capitalismo, aguçam-se as contradições interimperialistas, que se manifestam especialmente na disputa de mercado e se refletem, com maior destaque, em posições assumidas pelo governo francês em sua política externa.

É nessa situação que o imperialismo, particularmente o norte-americano, intensifica suas atividades em diferentes regiões do mundo, empreendendo atos de agressão contra os povos que lutam pela libertação nacional. A situação internacional se agrava sensivelmente.

A intervenção no Congo por parte das forças ianques e belgas; a repressão da ditadura portuguesa às lutas do povo de Angola; a intervenção da Grã-Bretanha na Guiana Inglesa; as provocações da República Federal Alemã em torno de Berlim e a tentativa de organizar a Força Atômica Multilateral e criar um cinturão atômico nas fronteiras dos países socialistas – todas essas medidas constituem não apenas violações dos direitos dos povos, mas também novas ameaças à paz mundial.

Ante a firme resistência do povo do Vietnã do Sul, dirigido pela Frente Nacional de Libertação (Vietmin), o governo de Washington estende a sua agressão ao Laos e ao Camboja, bombardeia o território da República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), ataca sua marinha mercante e de guerra. Para sufocar a luta do povo dominicano contra a reação e para defender os interesses dos monopólios ianques, desembarca tropas na República de São Domingos, utilizando a OEA para dar cobertura a essa monstruosa agressão.

A intensificação da agressividade do imperialismo norte americano expressa a orientação da chamada “doutrina Johnson” de esmagamento pela força dos movimentos democráticos e de libertação nacional. E tem também o objetivo de provocar guerras locais e limitadas, para impedir a distensão internacional, atendendo aos interesses dos círculos mais agressivos de Wall Stret e do Pentágono. Tais ações despertam, entretanto, os protestos e a revolta dos povos do mundo inteiro, inclusive do povo dos Estados Unidos. Contribuindo, assim, de um lado, para sério agravamento da situação internacional, concorrem de outro lado, para desmascarar cada vez mais o imperialismo norte-americano como opressor e explorador dos povos, como inimigo da paz, despertando novas forças para a luta em defesa dos povos oprimidos e contra as ameaças de nova guerra mundial.

Na América Latina, torna-se cada vez mais evidente o contraste entre a situação do povo cubano que, sob a direção de Fidel Castro, prossegue na construção vitoriosa da sociedade socialista, e a dos demais povos latino-americanos, que padecem sob a crescente exploração dos monopólios ianques. Aumenta a miséria das massas trabalhadoras, aguça-se a crise de estrutura e crescem as contradições entre as forças progressistas de cada país e os monopólios norte-americanos. Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Guatemala e São Domingos, as lutas antiimperialistas tomam a forma de luta armada. Os Estados Unidos, prosseguindo, embora, na política da “Aliança para o Progresso”, que visa em parte à realização de reformas limitadas em benefício das burguesias locais, não vacilam em intervir diretamente pela força, ou provocar golpes reacionários e apoiar governos ditatoriais, para assegurar e consolidar seu domínio espoliador. De março de 1962 para cá em sete países – Argentina, Peru, Guatemala, Equador, São Domingos, Honduras e Bolívia - além do Brasil, foram dados golpes de Estado, sob a orientação e com apoio do governo de Washington.

Nada disso impede, entretanto, que os povos da América Latina continuem avançando no caminho da democracia e da emancipação nacional. Na Argentina, os comunistas reconquistaram o direito de organizar-se e propagar suas idéias. O governo do Chile estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O México mantém relações com Cuba, apesar da resolução em contrário da OEA. Entre as amplas massas, cresce o ódio ao imperialismo ianque e a determinação de lutar contra a reação interna. Na medida em que se unam e lutem, na medida em que fortaleçam sua solidariedade e sua ação conjunta contra o inimigo comum, os povos latino americanos serão tão invencíveis como o heróico povo irmão de Cuba, glória e exemplo para toda a América Latina.

2 – No Brasil, com de 1 de abril, assenhorearam-se do poder os representantes das forças mais retrógradas e antinacionais: agentes do imperialismo norte-americano, latifúndios e grandes capitalistas ligados aos monopólios ianques. Constituiu-se uma ditadura militar, reacionária e entreguista, sendo o governo de fato exercido por um grupo de generais a serviço da Embaixada dos Estados Unidos.

A submissão do país aos interesses dos monopólios norte-americanos assume proporções jamais vistas. Foi praticamente abolida a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior. Realizou-se a negociata da compra do acervo da Bond and Share. Duplicou-se o montante do “Acordo do Trigo” com os Estados Unidos. Facilita-se a importação de produtos agrícolas norte-americanos. Adotou-se uma política de minérios de acordo com as exigências da Hanna Mining Co. Foi assinado o “Acordo sobre Garantias de Investimentos Privados”, que concede privilégios aos interesses norte-americanos e constitui sério atentado à soberania nacional. Missão militar ianque faz o levantamento aerofotogramétrico de nosso território. A política econômica e financeira é ditada pelo FMI.

A ditadura leva à prática uma política de inteira dependência ao governo dos Estados Unidos. Rompe relações com Cuba. Serve de instrumento e porta voz do Departamento de Estado na OEA. Toma posições contra os povos que lutam contra o imperialismo na Ásia e na África. Apóia a tirania de Salazar. Solidariza-se com a agressão ianque à República Democrática do Vietnã e com o brutal atentado à soberania do povo de São Domingos. Permite, sob o pretexto da realização de experiências científicas, a construção de base para foguetes e armas nucleares em território nacional.

Após as violências e arbitrariedades resultantes da aplicação do Ato Institucional, inclusive a mutilação do Congresso Nacional e de Assembléias Estaduais, prosseguem os inquéritos policiais-militares, com o objetivo de perseguir, prender e torturar milhares de cidadãos, desde trabalhadores e jovens estudantes até professores, magistrados, escritores, artistas, jornalistas, militares, padres católicos, parlamentares, pessoas, enfim, de todas as classes e camadas sociais. Sindicatos de trabalhadores continuam sob intervenção. É aprovada uma lei contra o direito de greve. Impede-se o livre funcionamento da Une e demais entidades estudantis.

Maiores sofrimentos e privações são impostos aos trabalhadores e a todo o povo. Elevam-se os impostos indiretos. Libera-se o preço dos produtos essenciais a alimentação popular. Nova lei do inquilinato determina a majoração dos aluguéis. Enquanto a carestia aumenta sem cessar, o reajustamento dos salários dos operários e dos vencimentos do funcionalismo público é contido em nível inferior ao da elevação dos preços. O salário mínimo subiu em apenas 57%, num período em que o custo de vida se elevou em mais de 90%. Aumenta o desemprego.

A política econômico financeira da ditadura também atinge os interesses da burguesia nacional, cada dia mais ameaçada pela concorrência imperialista. Reduzem-se as atividades comerciais e industriais. Acumulam-se os estoques nas fábricas. Cai a produção. As concordatas e falências aumentam em número e valor. Acentua-se o processo de desnacionalização da indústria brasileira.

A política da ditadura torna mais aguda as contradições que dividem a sociedade brasileira. Acentua-se a premência das reformas de estrutura.

O que a mídia pensa - Editoriais

A pedra no caminho – Editorial | O Estado de S. Paulo

Graças a seu comportamento irresponsável, Jair Bolsonaro começa a conquistar um lugar jamais ocupado por um presidente brasileiro, o de vilão internacional

O presidente Jair Bolsonaro foi reconhecido pela revista norte-americana The Atlantic como “o líder mundial do movimento de negação do coronavírus”. Já a revista britânica The Economist chamou Bolsonaro de “BolsoNero”, numa alusão à lenda de que o imperador Nero tocava harpa enquanto Roma ardia em chamas. E o presidente brasileiro foi o único chefe de Estado citado nominalmente pela The Lancet, uma das principais publicações científicas do mundo, em editorial crítico às respostas de muitos governos à pandemia, especialmente aqueles que “ainda precisam levar a ameaça da covid-19 a sério”.

Assim, Bolsonaro, graças a seu comportamento irresponsável, começa a conquistar um lugar jamais ocupado por um presidente brasileiro – o de vilão internacional. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, idolatrado por Bolsonaro, persistiu em sua costumeira arrogância diante do avanço dramático da epidemia, rendendo-se à necessidade de prorrogar o isolamento social, mesmo ante o colossal custo econômico dessa medida.

Música | Roberta Sá - Um passo à frente (part Moreno Veloso)

Poesia | Vinícius de Morais - O Haver (Vídeo)

segunda-feira, 30 de março de 2020

'Até Trump entendeu que não se pode mentir o tempo todo', diz professora de Harvard

Kathryn Sikkink lamentou que alguns governos, como o do Brasil, minimizem vírus e imagina um cenário similar ao do pós-guerra após pandemia

Janaína Figueiredo | O Globo

RIO — A ausência de um Estado forte que defenda os direitos humanos, o bem comum e a responsabilidade social em momentos de pandemia trará consequências graves. A avaliação é da professora Kathryn Sikkink, do departamento de Políticas de Direitos Humanos da Harvard Kennedy School, dos Estados Unidos.

Para ela, estamos vivendo nestes momentos “o grande desafio de nossas vidas. Os que estamos aqui, agora, enfrentaremos o que foi para nossos pais e avós a grande depressão do século passado”. Kathryn lamentou que alguns governos, como o do Brasil, continuem minimizando o coronavírus, e diante destas atitudes tem uma posição contundente:

— Para que uma economia funcione bem temos de proteger nossa população. Como podemos pensar numa economia que avance se nossa população está em risco? Como podemos colocar a economia acima da saúde se sem saúde não há economia? — disse.

Como muitos colegas e autoridades ao redor do mundo, Kathryn imagina um cenário similar ao pós-guerra em vários países, quando a pandemia finalmente for superada.

— Não sabemos exatamente como tudo isso vai nos marcar, mas não podemos minimizar esta ameaça. Se um Estado não cumpre suas obrigações, não respeita o direito de seus cidadãos, outros grupos farão a mesma coisa. As pessoas ficam desorientadas — lamentou a professora de Harvard.

Ela acaba de lançar o livro “A fase oculta dos direitos humanos, em direção a uma política de responsabilidade”. A tese central de seu trabalho é que para que todos possam usufruir de seus direitos, todos devem cumprir suas responsabilidades, começando pelo Estado.

— O coronavírus nos mostra de maneira exemplar como isso funciona. Temos de trabalhar todos juntos, com o Estado. E mesmo assim pode ser insuficiente — insistiu Kathryn.

Entrevista | 'Bolsonaro paga pelo seu comportamento irresponsável', diz o professor Steven Levitsky

Um dos autores do best-seller 'Como as democracias morrem', o americano se diz assombrado com a reação do presidente

Eduardo Salgado e Letícia Sander | O Globo

SÃO PAULO — Professor da área que estuda governos na Universidade Harvard, o americano Steven Levitsky é um dos autores do best-seller “Como as democracias morrem”, uma das principais referências na análise do fenômeno do populismo em escala mundial. Conhecedor da realidade da América Latina, Levitsky se diz assombrado com a reação de Jair Bolsonaro à pandemia do coronavírus. “É impressionante ver um líder colocar em risco a vida do que podem ser, no pior cenário, milhares de seus cidadãos”, afirmou.

Sobre as motivações do presidente, Levitsky acredita que só resta especular. “Não dá para saber ao certo o que ele está pensando. Talvez Bolsonaro não saiba o significado de crescimento exponencial. Ou ache que os vulneráveis terão de morrer para proteger o resto da população das agruras do impacto econômico do isolamento”, disse, ao longo de mais de meia hora de conversa, o especialista em autoritarismo, democratização e instituições.

• O presidente Bolsonaro tem defendido a reabertura de escolas e lojas. Qual é o cálculo político dessa estratégia?

Bolsonaro é bastante inepto e capaz de errar muito. Nesse quesito, ele se parece com Donald Trump. Mas nem todos os populistas são assim. Não diria o mesmo sobre o húngaro Viktor Orbán, o indiano Narendra Modi e o turco Recep Erdogan. Não sei dizer se a decisão de Bolsonaro de não ouvir o que a comunidade científica mundial está dizendo de forma quase unânime é um cálculo político ou um tremendo erro baseado no seu instinto. Mas é impressionante ver um líder colocar em risco a vida do que podem ser, no pior cenário, milhares de seus cidadãos.

• Por que Bolsonaro parece não temer ser culpado por um número crescente de mortes?

Ele pode estar pensando no curtíssimo prazo. Bolsonaro é um político que tem sofrido resistência do Legislativo e do Judiciário. Aqui e ali já há quem fale em impeachment. Outra possibilidade é que ele não entenda o que a ciência diz sobre a doença. Na semana passada, ele chegou a dizer que brasileiro pula no esgoto e não acontece nada. Não dá para saber ao certo o que ele está pensando. Talvez Bolsonaro não saiba o significado de crescimento exponencial. Ou ache que os vulneráveis terão de morrer para proteger o resto da população das agruras do impacto econômico do isolamento.

• Alguns analistas brasileiros acham que Bolsonaro está apostando que o clima brasileiro vai ser uma barreira ao vírus, o que ainda não tem comprovação. Se for verdade, a estratégia do presidente poderá estar correta?

Sim, mas é uma estratégia altamente imprudente. Por um instante, vamos imaginar que essa hipótese se prove correta. À medida que o inverno se aproxima, a temperatura nos estados do Sul e em parte do Sudeste vai cair, o que deixará uma grande parcela da população vulnerável. Dado o tamanho e a diversidade do Brasil, não vejo como a estratégia de Bolsonaro fica de pé, mesmo que a hipótese de um coronavírus menos potente no calor se prove certa, o que hoje é apenas uma possibilidade. Bolsonaro parece preso a um padrão baseado no confronto.

Ricardo Noblat - Bolsonaro deve ser detido para não fazer tanto mal ao país

- Blog do Noblat | Veja 

Aposta no quanto pior, melhor

Sabe Deus o que se passa na cabeça do presidente Jair Bolsonaro. Ou nem Deus sabe, talvez só o dono da cabeça. No último sábado, autorizado por Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, apareceu na televisão e disse que o isolamento social deve ser mantido enquanto não passar a pior fase da pandemia.

Ontem, menos de 12 horas depois, Bolsonaro desfilou por galerias e ruas de Taguatinha, Ceilândia e Sobradinho, cidades do entorno de Brasília, atraiu gente, posou para fotos com seus admiradores e até com crianças, apertou mãos, e anunciou que cogita de um decreto mandando todo mundo trabalhar.

Que ordem valerá? A dada por Mandetta? Ou a que Bolsonaro poderá tomar? Qual será a reação das pessoas país a fora? Se o presidente volta a circular e diz que o coronavírus não é tão feio como parece, é razoável que muitos acreditem nele. E que o imitem. Consequências? Mais infectados, mais aspirantes à morte.

É fato que de 10 dias para cá, os brasileiros vem tapando os ouvidos ao que ele diz. No fim de semana dos dias 14 e 15, as praias do Rio, a Avenida Paulista e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, estiveram atulhadas de gente. Foi no dia 15 que Bolsonaro recepcionou seus devotos à entrada do Palácio do Planalto.

- Fernando Gabeira - Memórias do grupo de risco

- O Globo

Bolsonaro tornou-se uma espécie de Jim Jones, o pastor que levou seus seguidores ao suicídio coletivo

Nos últimos tempos, as coisas andam tão rápidas que todo dia escrevo um pouco. No final de semana, o epicentro da pandemia já havia se deslocado para os Estados Unidos, e Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, foi contaminado pelo coronavírus.

Temo pelo Brasil. O vírus avança como em outros lugares. Somos mais vulneráveis pelas grandes concentrações urbanas, péssimas condições sanitárias. Os Estados Unidos eram o primeiro na lista de segurança sanitária no mundo: ricos e bem equipados.

Ao longo do caminho, não devemos nos concentrar apenas numa variável, o número de casos. Há outra muito importante: o índice de mortalidade.

Além de desvantagens historicamente acumuladas, temos outras de peso. O presidente da República, que deveria articular o esforço nacional, não acredita na importância da pandemia.

Bolsonaro se acha incólume porque um dia foi atleta. E estendeu essa blindagem aos brasileiros que, segundo ele, mergulham no esgoto e nada sofrem. No momento em que a Ciência tem um grande papel, Bolsonaro está cercado de terraplanistas, tornou-se uma espécie de Jim Jones, o pastor que levou seus seguidores ao suicídio coletivo.

A segunda desvantagem está no ministro da Economia, Paulo Guedes. Toda a sua história é a de luta para reduzir o papel econômico do Estado. Trabalhou no Chile de Pinochet e escreveu inúmeros artigos sobre o tema.

Rosiska Darcy de Oliveira - A verdadeira escolha

- O Globo

Que Bolsonaro fique falando sozinho

As únicas escolhas verdadeiras são as feitas diante da morte. Escondida em um vírus desconhecido, ela espalhou sua sombra macabra sobre o mundo lembrando à humanidade seu fragílimo destino comum, tragédia que nos irmana e revela o melhor e o pior de cada um.

Pôs a nu desigualdades vergonhosas, cúmplices da violência, e os truques de mágicos da economia, cegos aos desvalidos, que enganam a todos, inclusive os ricos, com fundos falsos de suas Bolsas. Temos que escolher entre o salve-se quem puder e a solidariedade que tínhamos desaprendido.

Um desastre global, o Brasil confrontado às suas fraquezas e apesar delas mostrando uma população informada por excelentes jornalistas, competência científica e a aplaudida bravura dos agentes de saúde. E um homem, o presidente da República, que já nos insultou com suas baixezas, ignorância, preconceitos e incompetência, insulta agora idosos, doentes e os mortos subestimando a ameaça assombrosa, o resfriadinho que não pega nele, o ridículo atleta.

Cacá Diegues - O amanhã do vírus

- O Globo

O valor da verdade, da ciência e das novas tecnologias pode nos proteger contra as farsas ideológicas que nos atrapalham

Pelo menos na imprensa e nas redes sociais a que tenho acesso, pouco ouço falar da origem do coronavírus, um assunto que devia nos interessar. Primeiro, porque conhecer o que não se conhecia é um princípio natural da cultura. Depois, porque não se pode enfrentar um inimigo dessa importância, sem saber de onde ele veio. Sobretudo se isso diz alguma coisa a respeito de sua força ou de sua estratégia.

Dizer que esse é um “vírus chinês” é um ridículo idiota, parece uma declaração de guerra à Alemanha por causa do 7 a 1. O vírus surgiu primeiro na China, mas a responsabilidade por sua existência não é só da China. Com seu gosto em nos causar mal e seu poder destruidor, o vírus é o resultado de nossos maus-tratos à Natureza, entendendo por Natureza tudo aquilo que, no nosso planeta, não seja humano.

Como outras pestes que assolaram o mundo, desde a invenção do ser humano, o vírus letal é uma arma especial da Natureza, que a usa quando erramos demais, em relação a seu bem-estar. Em 1520, quando um dos primeiros exploradores espanhóis chegou ao México, levando com ele a varíola que os locais não conheciam, a maior parte dos habitantes da América Central caiu vítima da doença. E não havia, ali, aglomerações humanas, aviões intercontinentais, cruzeiros marítimos, essas coisas nas quais a gente, em geral, costuma botar a culpa.

Miguel Caballero - Presidente despreza médicos e confunde a população

- O Globo

O ministro Luiz Henrique Mandetta passou a semana constrangido, tentando equilibrar-se entre as recomendações dos técnicos de sua pasta e a posição do presidente Jair Bolsonaro pelo fim do isolamento, expressada em rede nacional na terça-feira. Já o chefe não viu problemas em desautorizar o subordinado.

Mandetta declarou novamente no sábado ser a favor do distanciamento social e de medidas restritivas, e no domingo Bolsonaro fez um passeio pelo comércio de rua em cidades-satélites de Brasília. As imagens pesam bem mais que palavras lidas no teleprompter em pronunciamentos em cadeia de rádio e TV.

O tour presidencial fará recrudescer especulações sobre uma demissão do ministro. O descompasso entre o presidente e Mandetta agrava um quadro em que o Bolsonaro vive às turras com os governadores. Até um dos mais próximos, Ronaldo Caiado, de Goiás, importante na indicação de Mandetta, rompeu com o presidente. A desarticulação de quem precisa organizar com urgência uma operação de contenção de uma catástrofe num país continental é alarmante, mas não é a única consequência ruim do passeio.

Bruno Carazza* - Um novo 7 a 1?

- Valor Econômico

Bolsonaro abandona a retranca e parte para o tudo ou nada

No dia 07 de julho de 2014, véspera da semifinal da Copa do Mundo de futebol, o técnico Felipão realizou o último treino tático antes do confronto com a Alemanha. Naquele dia, após analisar os jogos anteriores dos adversários, os auxiliares técnicos Roque Júnior e Gallo haviam entregue ao comandante da equipe um relatório. Comparando os dados e as estatísticas dos dois times, os ex-jogadores sugeriam que o Brasil deveria encarar os alemães numa postura mais defensiva. Sem Neymar, machucado, a ideia era reforçar o meio-campo, deixando Fred no banco e escalando Paulinho e Willian em seus lugares.

A tese de Roque Júnior e Gallo era compactar a defesa e o meio-campo da seleção brasileira para tentar conter a velocidade e as rápidas trocas de passe entre Schweinsteiger, Kroos, Özil, Müller e cia. Cabeça-dura, Felipão não acatou a sugestão. Quando entrou no gramado, o Brasil veio com uma formação ofensiva, com Hulk, Fred e o jovem Bernard no ataque. Com 30 minutos de bola rolando os alemães já venciam por 5x0, e o resto da história o mundo todo conhece.

No dia seguinte ao maior vexame de nossa história esportiva, o técnico Luiz Felipe Scolari admitiu que nunca havia treinado a seleção com a escalação que levou a campo no Mineirão. A opção por Bernard, o garoto que tinha “alegria nas pernas”, seria uma tentativa de surpreender o técnico alemão Joachim Löw. Questionado por que não havia testado os titulares com Bernard na véspera do jogo, o técnico justificou-se dizendo que sua estratégia era “despistar” os rivais.

Jair Bolsonaro se encontra diante do adversário mais perigoso desde que assumiu o comando do país. Embora nas entrevistas o presidente sempre tenha minimizado a sua força, a verdade é que para chegar até aqui o coronavírus derrubou economias muito mais poderosas do que a nossa. 

Acompanhando com atenção as estatísticas e as tentativas das outras nações de conterem o rápido ataque da covid-19, o auxiliar Luiz Henrique Mandetta sugeriu que o Brasil enfrentasse o rival fechado na defesa, buscando ganhar tempo nos momentos iniciais da partida até que o sistema de saúde conseguisse equilibrar o jogo.

Alex Ribeiro - BC terá instrumentos para um possível QE

- Valor Econômico

Brasil ainda tem um bom espaço para baixar os juros

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o governo está enviando ao Congresso Nacional aumenta o arsenal do Banco Central para enfrentar o aperto de liquidez e de crédito criado pela crise do coronavírus. Mas também amplia o leque de instrumentos de política monetária não convencional, permitindo que o BC faça expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês), se for necessário num eventual ambiente de juros zero.

O Banco Central distribuiu uma minuta da PEC a lideranças do Congresso, segundo apuração em conjunto com o repórter Fabio Murakawa, que modifica o artigo 164 da Constituição. Esse dispositivo veda a concessão pelo BC, direta ou indiretamente, de empréstimos ao Tesouro Nacional ou a qualquer outro órgão que não seja instituição financeira.

Pela proposta, serão abertas duas exceções, que se aplicam no estado de defesa, estado de sítio, calamidade pública ou “outra situação de grave ruptura econômica reconhecida pelo Congresso Nacional”. As exceções são a compra, pelo BC, de títulos de emissão do Tesouro, no mercado nacional ou estrangeiro; e de ativos financeiros, privados ou públicos, no mercado financeiro e de capitais.

Tony Volpon* - A tipologia da crise

- Valor Econômico

Quando a fase aguda da crise passar, seremos forçados a retomar a agenda fiscal ainda incompleta

Crises financeiras e econômicas infelizmente não são novidades. Podemos dizer que há uma tipologia de crises, com distintas fases. A razão para isso é institucional e não muda: a natureza do ser humano.

Vou usar alguns dados recentes dos estrategistas e economistas do UBS para ilustrar em que fase estamos na crise atual - que é, certamente, a maior desde 2008 e que deve ultrapassá-la em severidade e consequências. Farei, ao longo do desenvolvimento do meu raciocínio, comparações com a crise de 2008, assunto que eu discuto extensivamente no meu livro.

Primeiro, alguma coisa ruim acontece, mas é desprezado pelos mercados. Em 2007, foram os primeiros sinais de estresse em alguns fundos com exposição alavancada em instrumentos derivativos ligados ao mercado de dívidas imobiliárias. Na crise atual, o início da epidemia no centro da China.

Em seguida, há algum reconhecimento do problema, mas ainda com relativo desprezo, normalmente ligado à ideia de que o problema pode ser contido facilmente. Em 2007 e 2008, muitos argumentavam que o problema do setor imobiliário se resumia a certos exageros em alguns mercados locais, sem consequências nacionais ou macroeconômicas. Na crise atual, a crença que a nova epidemia era um fenômeno que ficaria restrito à China.

Eliane Cantanhêde - Mandetta à equipe: ‘No meio do caminho, uma pedra’

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro nas ruas foi forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha, e enviou poema de Drummond a sua equipe

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para exercitar sua birra contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que na véspera alertou: “Se o sr. for para metrô ou ônibus em São Paulo (como chegou a dizer em entrevista), vou ser obrigado a criticá-lo”. Ao que o presidente rebateu: “E eu vou ter que te demitir”.

Como não havia logística para ir a São Paulo ontem, Bolsonaro decidiu fazer o teste no Distrito Federal mesmo, indo a padarias, mercadinhos, fazendo até fotos com criança. Evidentemente, uma forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha.

A atitude do presidente foi considerada “óbvia”, um pretexto para a exoneração – que, aliás, provocaria um efeito dominó no Ministério da Saúde. Assim, Mandetta se recolheu, pedindo paciência à equipe com um poema de Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho. Resta saber o que o ministro dirá na coletiva de hoje à tarde, além de pedir desculpas à mídia. Na guerra contra o coronavírus e a morte, ela é a sua grande aliada.