sexta-feira, 9 de julho de 2010

Fato irrelevante:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Outra vez - é a terceira só este ano - volta à cena o assunto da possível licença do presidente Luiz Inácio da Silva da Presidência para se dedicar exclusivamente às lides eleitorais. Outra vez o comando da campanha de Dilma Rousseff nega a hipótese.

O deputado José Eduardo Cardozo, um dos coordenadores que está o tempo todo ao lado da candidata, assegura que o assunto não foi sequer cogitado e aposta que nem será.

Como o próprio Lula já aventou essa possibilidade em público, seu entorno político fala disso sempre e deputados do PT e do PMDB têm defendido em voz alta a tese de que Lula licenciado faria Dilma ganhar no primeiro turno, a negativa de Cardozo significa que a cúpula da campanha situacionista não quer mexer com isso.

Pelo menos no momento. Há quem diga que o afastamento de Lula precisa ser guardado como "arma secreta" e há quem fale que a licença é ruim, pois pode "dar a impressão" de que a candidata não tem méritos para ganhar a eleição.

Não existe nada secreto em relação a um eventual pedido de licença nem é segredo que Dilma Rousseff anda pelas pernas e fala pela voz de Lula. Não há mistério a ser preservado.

O que há é um joguinho de cena muito mal-ajambrado de finalidade múltipla. Tanto pode servir para assombrar o adversário quanto para preencher espaço no noticiário ou para criar a ilusão de que o presidente Lula é um exemplo de correção: não usa a máquina pública em favor de sua candidata e só mergulharia na campanha mediante licença.

Ora, Lula não só se dedica exclusivamente a assuntos eleitorais como já declarou que sua prioridade é eleger Dilma. A licença não alteraria a participação dele na campanha que já é total e feita em tempo integral.

Essa história de fim de semana e depois do expediente só convence quem não tem olhos para ver nem ouvidos para ouvir o que vem acontecendo nos últimos dois anos.

Ademais, com licença ou sem licença Lula continua presidente, cargo que se perde antes do término regulamentar do mandato apenas por renúncia ou impeachment. Daí a irrelevância do tema.

Papelão. Boa figura internacional o Brasil teria feito se o presidente Lula ou o ministro Celso Amorim estivessem no lugar do chanceler espanhol, Miguel Moratinos, na foto do anúncio da disposição de Cuba de libertar 50 presos políticos.

Por opção preferencial pela camaradagem subalterna à ditadura castrista, o governo brasileiro ficou com a última palavra na condenação aos perseguidos materializada nas críticas de Lula à greve de fome de Orlando Zapata, no dia da morte do dissidente.

Não brinca mais. Lula montou o cenário contando com a vitória do Brasil na Copa do Mundo: desviou a seleção de seu caminho de ida à África do Sul para uma escala de beija-mão em Brasília e marcou um périplo africano, cuja última etapa coincidiria com a final da Copa.

Agora cogita não atender ao convite da Fifa para entregar a taça ao campeão na condição de presidente do país sede da Copa de 2014.

Lula alega cansaço, mas se realmente fizer a desfeita terá sido pelo pior dos motivos: a impossibilidade de faturar politicamente o acontecimento. Não apenas pela ausência do Brasil na final, mas também porque em junho de 2014 não será ele o presidente anfitrião.

Tira teima. O documento A grande transformação, apresentado como programa de governo de Dilma Rousseff à Justiça Eleitoral depois de alterações moderadas, é qualificado de radical como se representasse a ala xiita do PT, mas foi aprovado pelo conjunto do partido em Congresso realizado há quatro meses.

Exibe no título uma incongruência: prega transformação enquanto a campanha presidencial é sustentada no pilar da continuidade.

Por essas e outras é inexorável que a candidata diga o que de fato lhe vai à mente a respeito do que fazer uma vez - e se - eleita presidente.

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