Folha de S. Paulo
O fato é que o presidente é muito maior do
que a esquerda nacional
Dezoito por cento do eleitorado se considera
de esquerda, 28% de centro e 41% de direita, segundo pesquisa do Ipec. Sendo
assim, como é possível que tenhamos um governo de esquerda?
O fato é que Lula é muito maior do que a esquerda nacional. A mesma pesquisa também mostra isso. Dos que votaram nele no segundo turno em 2022, 33% se consideram de esquerda, 29% de centro e 27% de direita. É por isso que o espectro da aposentadoria de Lula —que tem, no máximo, sete anos de Presidência pela frente— deve tirar o sono de muitas lideranças do PT. Como não encolher depois que Lula sair de cena? Boulos, Gleisi, Janja; todos esses são esquerdistas de verdade, coisa que, no Brasil atual, não é vantagem.
É claro que esses rótulos omitem muitas
variações internas e dão a ideia de fixidez em algo que é muito fluido, mas
captam, sim, uma realidade: a população brasileira tende ao conservadorismo
moral, à crença na responsabilidade individual (para o bem e para o mal), à
crença em Deus e ao desejo por ordem na sociedade. Tudo o que foge muito disso
tem dificuldades junto à opinião pública.
E, no entanto, o debate público parece
distante desses termos. Seja no direito penal, na proteção a minorias, no
reconhecimento de costumes que ferem a moral dominante, nos acostumamos a
dialogar com as ideias mais progressistas vindas da Europa. O único problema é
que grande parte da população ficava de fora dessa conversa.
Muitas das conquistas em direitos
humanos e em pautas progressistas só foram possíveis porque
essa elite cultural tinha um acesso privilegiado aos espaços de tomada de
decisão, seja no Legislativo, no Judiciário, na mídia, em institutos e think
tanks, etc. Eu, embora seja de centro-direita, faço parte desse grupo, com
visões de costumes francamente mais progressistas do que a média da população
brasileira.
A esquerda sempre
apontou, corretamente, a enorme desigualdade econômica do nosso país. Está na
hora de ela se defrontar, então, com uma de suas consequências: o abismo de
crenças e valores que existe entre a elite cultural (aqueles que têm espaço na
mídia, nas artes, nas universidades) e o resto da sociedade.
Enquanto a esquerda progressista dominou o
discurso nos meios institucionais, que falam de cima para baixo, como quem
ensina, a direita aprendeu a falar no nível da população. E hoje todos falam em
pé de relativa igualdade, todos têm voz. E então aquelas opiniões francamente
de direita, antes vistas como "atrasadas" e até desprezadas pela
elite cultural, hoje se fazem ouvir sem medo. Vivemos um momento mais
democrático.
Mais democracia não significa necessariamente
mais direitos de minorias e pautas progressistas. Significa apenas que as
visões do povo estarão mais fielmente reproduzidas na política, sejam elas
quais forem. É por isso que sentimos que vivemos uma série de retrocessos em
pautas importantes, e isso pode estar apenas começando.
Pelos próximos anos, os debates mais
importantes do Brasil devem se dar no campo da direita. O problema é que boa
parte da direita mostrou se sentir à vontade com a violação das regras do jogo
democrático se isso for o necessário para vencer. Conseguiremos reconciliar a
opinião majoritária de direita ao funcionamento da democracia liberal, da qual
ela tantas vezes se sentiu alienada e desprezada? Esse é o desafio.
Bolsonaro foi o ataque violento à própria democracia. Depois dele, terão que surgir alternativas que carreguem os valores da direita dentro das regras do jogo democrático. E os participantes tradicionais desse jogo, por sua vez, vão ter que aceitar e se acostumar com o fato de que a direita de verdade tem todo o direito de existir, propor seus valores e vencer.
Um comentário:
A direita civilizada sim,aquela do Bolsonaro,nããão!!!
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