DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é de hoje que o governo planeja fazer de 2010 um ano apoteótico que, além de marcar o gran finale dos dois mandatos do presidente Lula, sirva para catapultar a candidata oficial à vitória nas eleições de outubro. No ano passado o Planalto chegou a temer que a interrupção do crescimento da economia brasileira, na esteira da crise mundial, tivesse comprometido de vez a viabilidade dessa ideia. Mas, com a rápida recuperação do nível de atividade, o plano original voltou a parecer exequível.
O governo sempre teve consciência de que um final de mandato tão feérico exigiria uma expansão fiscal desmesurada em 2010. No início deste ano, chegou a dar mostras de preocupação com os riscos de manter uma política fiscal tão escancaradamente expansionista. Parecia ter percebido que talvez fosse prudente moderar a farra fiscal, para tentar sair bem na foto durante a campanha eleitoral e, quem sabe, resgatar, na reta final do segundo mandato, parte da desbotada imagem de compromisso com a estabilidade macroeconômica que tanto lhe valeu na eleição de 2006.
A esta altura, no entanto, tudo indica que os propósitos de moderação desapareceram por completo. Embora esteja gratamente surpreso com o desempenho de sua candidata nas pesquisas de intenção de votos, o governo não quer correr riscos que considera evitáveis. Decidiu aferrar-se ao roteiro do final de mandato apoteótico. Tendo em conta a envergadura e o peso da candidata, convenceu-se de que será difícil mantê-la em ascensão sem um empuxo fiscal excepcionalmente forte. E se, para assegurar essa ascensão, tiver de sair mal na foto da responsabilidade fiscal, paciência. O que talvez não esteja sendo devidamente percebido são os efeitos colaterais que essa estratégia poderá ter sobre a evolução do debate eleitoral. A expansão de dispêndio público e de crédito estatal nas proporções hoje observadas vem tornando cada vez mais improvável que esse debate, tal como ocorreu nos pleitos de 2002 e 2006, possa passar mais uma vez ao largo da principal questão fiscal com que se defronta o País.
Da comparação dos primeiros cinco meses de 2010 com o período correspondente de 2009, constata-se que o dispêndio primário federal vem tendo expansão nominal de nada menos que 18,5%. E que os desembolsos de empréstimos do BNDES - alimentados, por ligação direta, com recursos provenientes da emissão de dívida pública pelo Tesouro - vêm sendo expandidos à espantosa taxa de 41%.
Como não poderia deixar de ser, essa expansão fiscal tão exacerbada tem tido enorme repercussão na mídia. E, por mais que os candidatos se esforcem, está cada vez mais difícil manter o discurso escapista e fingir que o crescimento descontrolado do gasto público é tema que pode ser simplesmente ignorado.
Nos seus pronunciamentos mais recentes, José Serra tem insistido que as dificuldades econômicas do País podem ser aferidas pelos valores despropositados de três indicadores básicos: carga tributária elevada, taxa de juros alta e investimento governamental diminuto. Só lhe falta unir os pontos para perceber que a chave para lidar simultaneamente com os três problemas é a mesma: contenção da expansão descontrolada do gasto corrente do governo. É essa expansão que exige aumento sem fim da carga tributária, impede queda estrutural da taxa de juros e torna mais exíguo o espaço para investimento no Orçamento do governo.
Dilma Rousseff parece bem mais distante da percepção dessas inter-relações. Em entrevista recente no programa Roda Viva da TV Cultura, deixou claro que considera contenção de gasto público "receituário para países desenvolvidos", que não deve ser aplicado a países que vêm "fazendo o dever de casa", como o Brasil. Mostrou-se tão convicta disso quanto já estava em 2005. Dessa ideia, Antonio Palocci não conseguiu demovê-la. Mas, tendo em vista a contundência das cifras fiscais que serão divulgadas ao longo da campanha, essa negação irredutível da importância da contenção do crescimento dos gastos do governo lhe será cada vez mais custosa.
Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da Puc-Rio
Não é de hoje que o governo planeja fazer de 2010 um ano apoteótico que, além de marcar o gran finale dos dois mandatos do presidente Lula, sirva para catapultar a candidata oficial à vitória nas eleições de outubro. No ano passado o Planalto chegou a temer que a interrupção do crescimento da economia brasileira, na esteira da crise mundial, tivesse comprometido de vez a viabilidade dessa ideia. Mas, com a rápida recuperação do nível de atividade, o plano original voltou a parecer exequível.
O governo sempre teve consciência de que um final de mandato tão feérico exigiria uma expansão fiscal desmesurada em 2010. No início deste ano, chegou a dar mostras de preocupação com os riscos de manter uma política fiscal tão escancaradamente expansionista. Parecia ter percebido que talvez fosse prudente moderar a farra fiscal, para tentar sair bem na foto durante a campanha eleitoral e, quem sabe, resgatar, na reta final do segundo mandato, parte da desbotada imagem de compromisso com a estabilidade macroeconômica que tanto lhe valeu na eleição de 2006.
A esta altura, no entanto, tudo indica que os propósitos de moderação desapareceram por completo. Embora esteja gratamente surpreso com o desempenho de sua candidata nas pesquisas de intenção de votos, o governo não quer correr riscos que considera evitáveis. Decidiu aferrar-se ao roteiro do final de mandato apoteótico. Tendo em conta a envergadura e o peso da candidata, convenceu-se de que será difícil mantê-la em ascensão sem um empuxo fiscal excepcionalmente forte. E se, para assegurar essa ascensão, tiver de sair mal na foto da responsabilidade fiscal, paciência. O que talvez não esteja sendo devidamente percebido são os efeitos colaterais que essa estratégia poderá ter sobre a evolução do debate eleitoral. A expansão de dispêndio público e de crédito estatal nas proporções hoje observadas vem tornando cada vez mais improvável que esse debate, tal como ocorreu nos pleitos de 2002 e 2006, possa passar mais uma vez ao largo da principal questão fiscal com que se defronta o País.
Da comparação dos primeiros cinco meses de 2010 com o período correspondente de 2009, constata-se que o dispêndio primário federal vem tendo expansão nominal de nada menos que 18,5%. E que os desembolsos de empréstimos do BNDES - alimentados, por ligação direta, com recursos provenientes da emissão de dívida pública pelo Tesouro - vêm sendo expandidos à espantosa taxa de 41%.
Como não poderia deixar de ser, essa expansão fiscal tão exacerbada tem tido enorme repercussão na mídia. E, por mais que os candidatos se esforcem, está cada vez mais difícil manter o discurso escapista e fingir que o crescimento descontrolado do gasto público é tema que pode ser simplesmente ignorado.
Nos seus pronunciamentos mais recentes, José Serra tem insistido que as dificuldades econômicas do País podem ser aferidas pelos valores despropositados de três indicadores básicos: carga tributária elevada, taxa de juros alta e investimento governamental diminuto. Só lhe falta unir os pontos para perceber que a chave para lidar simultaneamente com os três problemas é a mesma: contenção da expansão descontrolada do gasto corrente do governo. É essa expansão que exige aumento sem fim da carga tributária, impede queda estrutural da taxa de juros e torna mais exíguo o espaço para investimento no Orçamento do governo.
Dilma Rousseff parece bem mais distante da percepção dessas inter-relações. Em entrevista recente no programa Roda Viva da TV Cultura, deixou claro que considera contenção de gasto público "receituário para países desenvolvidos", que não deve ser aplicado a países que vêm "fazendo o dever de casa", como o Brasil. Mostrou-se tão convicta disso quanto já estava em 2005. Dessa ideia, Antonio Palocci não conseguiu demovê-la. Mas, tendo em vista a contundência das cifras fiscais que serão divulgadas ao longo da campanha, essa negação irredutível da importância da contenção do crescimento dos gastos do governo lhe será cada vez mais custosa.
Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da Puc-Rio
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