sábado, 1 de abril de 2017

Corte insustentável | Adriana Fernandes*

- O Estado de S. Paulo

Diante das incertezas sobre as receitas, não dá para tirar a alta de impostos do radar

A equipe econômica viveu momentos de altíssima tensão na última semana para fechar o corte de R$ 41,2 bilhões nas despesas do Orçamento da União. A poucas horas do prazo final para a publicação do decreto de contingenciamento das despesas, na quarta-feira, a área técnica do governo ainda lutava contra o tempo à espera da decisão sobre a inclusão ou não de previsão de receitas com a recuperação de precatórios que não foram sacados pelos beneficiários. Uma arrecadação potencial de R$ 8,7 bilhões que poderia reduzir muito o tamanho do corte.

Enquanto os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) faziam uma tentativa com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para garantir embasamento jurídico que permitiria a inclusão dos precatórios na contabilidade, os técnicos da área orçamentária avaliavam os riscos legais da demora nas definições finais sobre a composição do balanço entre receitas adicionais e corte de despesas para cobrir o buraco no Orçamento.

É que ficou muito curto o tempo para preparar a extensa documentação necessária para a publicação do decreto. O desespero tomou conta da área técnica e o governo chegou até a cogitar a possibilidade de fazer de última hora um corte inicial do tamanho do rombo de R$ 58,2 bilhões do Orçamento, para somente depois, com maior tranquilidade, reverter o bloqueio das despesas com as medidas compensatórias de receitas. O medo de punições por descumprimento dos prazos legais se espalhou.

A possibilidade de redução do Reintegra, um programa altamente dispendioso que devolve às empresas uma parcela das exportações de produtos manufaturados, foi apresentada pelo Receita Federal para aumentar em R$ 4 bilhões a arrecadação e ajudar na cobertura do rombo. A área econômica também tentou fazer uma elevação geral da alíquota do PIS/Cofins para conseguir entre R$ 8 bilhões e R$ 15 bilhões.

A elevação da tributação da gasolina, medida que não precisaria de aprovação do Congresso, estava na mira, mas foi descartada pelo risco de contaminação das expectativas de queda do IPCA que haviam sido domadas pelo Banco Central nesse momento de sucessivas surpresas positivas para a inflação. Essa chamada “ancoragem” das expectativas vem sustentando a queda dos juros, processo que deve se acelerar nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).

Com a recuperação ainda lenta da atividade econômica, todas as alternativas de alta de tributos esbarraram nas resistências do setor produtivo que jogaram pesado nos bastidores. Entre o anúncio do rombo, no dia 22, e a divulgação do corte e das medidas compensatórias de aumento de receitas foram oito dias de intensa pressão e adiamentos, que levaram o presidente Michel Temer a optar apenas pela fim da desoneração da folha de pagamento para 50 setores. Uma medida que tecnicamente não poderia ser classificada como aumento de tributos, já que se tratava de um incentivo tributário. Portanto, mais palatável para a opinião pública, principalmente porque a concessão dos benefícios setoriais pela ex-presidente Dilma Rousseff havia sido apontada como desastrosa por muitos economistas.

Ao final, o corte acabou bem maior do que os R$ 30 bilhões que o governo pretendia fazer para não sufocar a máquina administrativa e a oferta de serviços públicos. O que já se sabe agora é que o bloqueio de gastos para os ministérios é mesmo insustentável no decorrer do ano. Terá fôlego no máximo até agosto, quando se prevê que os limites apertados de gastos já estarão comprometendo de vez o funcionamento de muitos órgãos do governo. Em muitos ministérios, o corte chegou a mais de 50% das despesas aprovadas pela Lei Orçamentária. Há casos que o corte das despesas chegou a quase 70%.

Sem falar no atendimento das emendas parlamentares, que foram bloqueadas. O governo precisa de margem de manobra para liberar essas emendas e conseguir apoio dos deputados e senadores nas importantes votações de reforma que tem pela frente. Receitas adicionais terão de aparecer de qualquer jeito para reverter parcialmente o contingenciamento. Diante de tantas incertezas que rondam as receitas extraordinária previstas pelo governo, não dá para tirar do radar a possibilidade de alta de tributos. Ela continua mais viva do que nunca.

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