sábado, 20 de maio de 2017

Campeão da corrupção | Miriam Leitão

- O Globo

A delação do JBS jogou o país num turbilhão ainda maior do que ele já viveu nos últimos tempos. O Planalto sustenta que “a tempestade passou”, mas não consegue explicar os diálogos comprometedores entre o presidente e o empresário. Setores do Judiciário defendem que o presidente só poderia ser gravado com autorização do STF, mas até aliados admitem que a renúncia seria o melhor desfecho.

O BNDES ocupou o lugar da Petrobras nessa etapa da investigação. Joesley disse que em cada operação que fez com o banco teve que pagar propina, negociada com Guido Mantega. Deixou claro, no entanto, que não eram os técnicos da instituição nem Luciano Coutinho, mas o próprio ministro da Fazenda o cobrador das propinas. Deixou claro que a presidente Dilma sabia de tudo e conversavam sobre isso de forma explícita. A empresa, escolhida para ser um dos campeões nacionais, cresceu corrompendo.

A delação de Joesley e Wesley Bastista, os dois filhos de José — um empreendedor que começou com uma pequena casa de carnes em Goiás — mostrou uma dimensão avassaladora da corrupção no país. Os detalhes divulgados tornaram ainda mais imprópria e inaceitável a conversa que o presidente Temer teve com ele. Cada detalhe exibe o absurdo daquela reunião subterrânea e clandestina com uma pessoa que usa nome falso para dar a entrada na casa onde mora o presidente. A reunião não tem explicação e por isso até autoridades que estariam ao lado de Temer dizem que ele deveria renunciar.

Os valores são astronômicos, mas parecem pequenos perto dos indicadores da empresa. A capacidade de abate de cabeças de gado da JBS multiplicou-se por dez vezes em cinco anos. Ela comprou frigoríficos no Brasil, Argentina, Austrália e Estados Unidos, sempre com aportes do sócio BNDES. Somente entre 2006 e 2007, o número de plantas da empresa saltou de 26 para 50. Quando a JBS quis comprar empresas aqui dentro ou lá fora — como a Bertin, a Swift Foods, ou a Pilgrim’s Pride — bastou emitir debêntures que o BNDES comprava tudo e o grupo podia ficar um pouco mais rico. A receita operacional líquida em 2007 foi de R$ 14,1 bilhão. No ano passado foi de R$ 170 bilhões, de acordo com a consultoria Economatica.

Por ironia, foi este governo que mais contrariou a empresa. Em outubro de 2016, a JBS anunciou que iria transferir a sede da companhia para a Irlanda do Norte e o domicílio fiscal para o Reino Unido. O BNDES, presidido por Maria Silvia, impediu que isso acontecesse. Se fosse aceito seria o crime perfeito. A empresa virou um gigante nas asas do dinheiro governamental, corrompeu políticos, pagou propina de forma descontrolada para obter vantagens, e queria transferir sua sede e domicílio fiscal para outros países. Essa recusa do banco de concordar com esta etapa final de um processo, em tudo lesivo ao Brasil, não foi decisão de Temer, mas sim da nova direção do banco. Temer tentou, mas não conseguiu reverter.

O Ministério Público mostrou na negociação da multa do acordo de leniência um rigor que não houve quando foram negociados os termos da delação. Exigiu R$ 11 bilhões e a empresa passou o dia recusando sob o argumento de era grande quando o crime começou. Os dados são inequívocos, ela cresceu alavancando-se em dinheiro público, com vantagens que recebeu pagando um percentual ao PT, através de Guido Mantega. Esse valor parece muito alto, mas o Ebitda do grupo foi de R$ 11 bilhões em 2016, eles pagariam a multa com um ano de lucro operacional.

O Brasil já viu muita coisa revoltante nesses mais de três anos de Lava-Jato, mas a delação da JBS chocou. Pela riqueza de detalhes, pela multiplicidade dos corrompidos, pela desfaçatez da empresa que tentou lucrar até com o terremoto que provocou. Ontem, ela teve coragem de soltar nota dizendo que comprou dólares para fazer seguro cambial.

Uma vez, o pai de Joesley perguntou a ele quanto era mesmo o faturamento da empresa e anotou num papel. A mãe de Joesley estranhou: “Por que isso, José?” Ele respondeu que era para dizer aos amigos, porque eles não estavam acreditando. “Não faz isso não, José, porque é tão grande que eles vão achar que você ficou doido”. Os dois filhos de José perderam a noção, o parâmetro, a compostura. Enlouqueceram. Mas morarão em Nova York, enquanto o país viverá o seu caos.

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