Diretor da empresa afirmou, em delação premiada, que, do total de quase R$ 600 milhões gastos, praticamente ‘tudo é propina’
Renata Mariz e Eduardo Bresciani | O Globo
BRASÍLIA - O diretor da JBS Ricardo Saud traçou, em delação premiada, um verdadeiro inventário da propina, com listagem de doações que somam quase R$ 600 milhões para 1.829 candidatos de 28 partidos das mais variadas colorações. Saud detalha que a empresa conseguiu eleger 167 deputados federais de 19 siglas, bancou 28 senadores da República e fez 16 governadores.
Ele alerta o procurador, no depoimento filmado, que praticamente “tudo é propina”, exceto a quantia ínfima de R$ 15 milhões diante do total de quase R$ 600 milhões. A listagem com valores, cargos, partidos, entre outras informações, foi entregue por Saud aos investigadores. Quando o depoimento já estava sendo finalizado, o executivo pede a palavra:
— É importante a gente trabalhar que desses R$ 500 milhões, quase R$ 600 milhões que estamos falando aqui, praticamente, tirando esses R$ 10 (milhões), R$ 15 milhões aqui, o resto tudo é propina. Tudo tem ato de ofício, tudo tem promessa, tudo tem alguma coisa. Então eu gostaria de deixar registrado que nós demos propina para 28 partidos. Esse dinheiro foi desmembrado para 1.829 candidatos. Eleitos foram 179 deputados estaduais de 23 estados, 167 deputados federais de 19 partidos. Demos propina para 28 senadores da República, sendo que alguns disputaram e perderam eleição para governadores e alguns disputaram a reeleição ou eleição para o Senado. E demos propina para 16 governadores eleitos, sendo quatro do PMDB, quatro do PSDB, três do PT, dois do PSB, um do PP, um do PSD. Foi um estudo que eu fiz, por conta minha (...) Acho que no futuro vai servir. Aqui estão todas as pessoas que receberam propina diretamente ou indiretamente da gente.
CAIXA 2
No depoimento, Saud disse que os beneficiários tinham conhecimento das doações não oficiais.
— Eu falo direta ou indiretamente pelo seguinte: é muito difícil o cara não estar sabendo que o PT comprou o partido X ou deixou de comprar o partido Y, que o Aécio comprou o partido X ou deixou de comprar o partido Y. Se ele recebeu esse dinheiro, ele sabe de um jeito ou de outro (que) foi de propina. Essas pessoas estão cientes disso — afirmou Saud.
O dono da JBS, Joesley Batista, também falou das doações para os partidos e se referiu à cifra de R$ 500 milhões. Ele não explicitou o período em que os pagamentos foram feitos. A colaboração premiada do dono da JBS traz, segundo ele, crimes “de dez, 15 anos pra cá”. Desses R$ 500 milhões, R$ 400 milhões foram propina, que poderia até ser paga por vias oficiais, como caixa um.
— Normalmente acontece o seguinte: se combina o ilícito, se combina o ato lá de corrupção com o político, o dirigente do poder público. E daí para frente, se procede o pagamento. Os pagamentos são feitos das mais diversas maneiras, seja nota fiscal fria, seja dinheiro, caixa 2... Até mesmo doação política oficial — descreve Joesley.
Esse número de R$ 500 milhões “nos últimos anos” é do departamento jurídico da própria JBS. Batista confirma que a multinacional pagou propina também oficialmente para campanhas, declarando os valores ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele chama isso de “propina disfarçada”. Ou seja: caixa dois mascarado de caixa um.
O delator faz duas distinções quanto ao montante de meio bilhão de reais: R$ 400 milhões seriam propina, e R$ 100 milhões, não; e outra, distinta, em que diz que R$ 400 milhões seriam doações oficiais, e R$ 100 milhões, não, por nota fiscal fria. Ele não deixa claro se os valores estimados iguais coincidem. A despeito de narrar “diversas maneiras” de fazer repasses a agentes públicos, Joesley ressalta que o mais comum era entregar dinheiro em espécie.
Entre os citados por Ricardo Saud está o atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Ele teria recebido R$ 4,5 milhões da empresa para financiar sua campanha. Na época, Pimentel era ministro do Desenvolvimento e pleiteava ser o candidato do PT a governador.
A pedido do então ministro, segundo Saud, a JBS repassava R$ 300 mil mensais para o escritório de advocacia Andrade, Antunes e Henriques, em Belo Horizonte, por meio de notas frias. Os pagamentos foram feitos de agosto de 2013 até outubro de 2014 e a propina foi nomeada de “mensalinho”.
Em uma rede social, Pimentel afirmou que a acusação é “leviana e mentirosa”. Segundo ele, as afirmações de Joesley em relação a ele não têm “nenhum suporte em provas ou evidências materiais”.
FAVORECIMENTO
O diretor da JBS também disse que Antonio Gavazzoni, secretário da Fazenda de Santa Catarina, pediu recursos para a reeleição do governador Raimundo Colombo (PSD), em 2014. Em troca, Colombo deveria facilitar os processos de licitação para compra da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), pois a JBS queria criar uma empresa para investir no setor de saneamento.
Segundo Saud, foi acertado um valor de R$ 10 milhões, dos quais R$ 2 milhões foram pagos em dinheiro vivo por intermédio de Guto Angeloni, do supermercado Angeloni, que não sabia que a atividade era ilícita. O pagamento foi feito por uma nota fiscal emitida pela JBS. Os outros R$ 8 milhões foram pagos no PSD nacional carimbado para a candidatura de Colombo.
Em nota, a assessoria de Colombo disse que ele contesta “com veemência" as acusações. Gavazzoni, também em nota, declarou nunca ter tratado de assuntos da Casan com executivos da JBS.
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