quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Ousado e casuísta – Editorial | Folha de S. Paulo

Plano de Trump sobre Israel e Palestina é ativo eleitoral para ele e Netanyahu

Após cerca de três anos, o presidente Donald Trump enfim divulgou seu plano de paz para o conflito israelo-palestino, em curso desde 1948 e no centro de vários embates do Oriente Médio moderno.

Trump ousou, e isso não é um elogio. Nenhum presidente americano havia tomado integralmente o lado de seu aliado Israel nas disputas regionais, a começar pela paz de 1979 com o Egito e nas várias negociações posteriores.

Os palestinos, divididos entre si, não foram ouvidos. Os canais entre Ramallah e Washington estão cortados desde que Trump reconheceu, em 2017, Jerusalém como capital israelense, disputa da qual a maior parte das nações se abstém.

No ano passado, um aperitivo do plano foi servido na forma da ideia de um ilusório fundo de US$ 50 bilhões para ajudar os palestinos —a ser bancado por países árabes, que historicamente fazem proselitismo acerca do conflito, mas pouco ajudam em sua solução.

No anúncio desta terça, Trump colocou o resto do pacote à mesa, muito favorável a Israel, como a presença do premiê Binyamin Netanyahu ao seu lado ratificava.

Grosso modo, o plano dá a Tel Aviv o controle do vale do rio Jordão e permite a anexação de assentamentos judeus na Cisjordânia. Pior para os palestinos, o texto emascula o nascente Estado árabe de força militar e soberania plena.

Até um mapa com tortuosas fronteiras foi apresentado. Nele, além de pressupor que o grupo Hamas se desarmaria e entregaria a Faixa de Gaza de forma voluntária, nacos do deserto do Negev são dados para sustentar a falácia de aumento territorial sob comando da Autoridade Nacional Palestina. A capital em Jerusalém Oriental ficaria atrás de um muro.

Já a busca por culpados pelo estado das coisas é trabalho fácil: eles estão em todos os lados.

O plano aproveita o fastio mundial com o conflito, como a ausência da temida violência em reação à abertura da embaixada em Jerusalém sinalizou. Netanyahu já até anunciou que procederá as anexações sem negociações, escancarando a política de fato consumado.

Como dá um prazo de quatro anos para que tais conversas aconteçam, o texto também serve a um propósito duplo imediato.

Dá a Trump uma cortina de fumaça para o julgamento de seu impeachment e o verniz pacifista ante um influente eleitorado pró-Israel em ano de campanha.

Para Netanyahu, que em março disputará o terceiro pleito em um ano e está indiciado acusado de corrupção, um ativo eleitoral inestimável no momento de alta polarização da política israelense.

Ao fim, o casuísmo político eivou tão vital discussão, independentemente dos deméritos do plano.

Melhor prevenir – Editorial | Folha de S. Paulo

Corte do auxílio-reclusão a famílias de presos amplia problemas do sistema carcerário

O governo federal endureceu as regras para a concessão do auxílio-reclusão e, com isso, o total de famílias atendidas caiu de 45,4 mil em 2018 para 31,7 mil em 2019, o primeiro ano da gestão Bolsonaro. É a menor cobertura desde 2010, embora o número de presos tenha aumentado no período.

Convenha-se que algumas descrições do auxílio-reclusão são bolas na marca do pênalti pedindo para ser chutadas por políticos populistas de direita: o sujeito comete um crime e ainda recebe dinheiro do governo; não é à toa que há tantos delinquentes. Vários aliados do presidente Jair Bolsonaro se elegeram para o Parlamento prometendo acabar com a “bolsa-bandido”.

Essa, contudo, não é a melhor descrição do benefício, cujo objetivo é preservar as condições de subsistência dos dependentes de quem foi preso. Sem o auxílio, aumentam as chances de que os filhos do reeducando abandonem a escola ou precisem viver afastados da família e, assim, acabem também eles se envolvendo com a delinquência, numa transmissão intergeracional da criminalidade.

Se há uma crítica melhor ao auxílio-reclusão é a de que, por constituir um benefício do INSS, ele está limitado aos segurados do instituto, isto é, a pessoas que tinham emprego com carteira assinada.

Um verdadeiro programa de prevenção ao crime deveria zelar pelas famílias de presidiários independentemente da condição de emprego que estes tinham antes do encarceramento. As verbas para sustentá-lo deveriam, é claro, sair do Tesouro e não da Previdência.

Seja como for, o fato de haver uma polêmica em torno do auxílio-reclusão revela os limites da política de encarceramento no Brasil. Não há dúvida de que a sociedade precisa combater o crime.

Isso significa que delitos (idealmente todos) precisam ser investigados, seus autores identificados, julgados e, se condenados, punidos. Mas a cadeia não é necessariamente a melhor pena.

Hoje, gastamos bilhões de reais para manter cerca de 800 mil presos. E teríamos de gastar muito mais para evitar que as penitenciárias continuem sendo departamentos de RH de facções criminosas.

Uma resposta racional seria aplicar penas privativas de liberdade só para delitos muito graves ou para pessoas que representem perigo físico para a sociedade. Para os demais, é preciso outras formas de punição que não criem um problema ainda maior no futuro.

O coronavírus e os dólares – Editorial | O Estado de S. Paulo

O coronavírus é mais um risco para a exportação e, portanto, para a economia brasileira – um risco aparentemente menor, neste momento, mas nada desprezível. Outros sinais de alerta são bem visíveis no mercado internacional e nas contas externas do Brasil. Seria irresponsabilidade negligenciar qualquer nova ameaça. É cedo para medir o impacto da nova epidemia no crescimento global, disse o diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, em entrevista à rádio CBN. Ele concentrou seus comentários em desafios mais concretos e muito próximos, como as tensões comerciais – apenas atenuadas neste momento – e o impasse com os Estados Unidos a respeito do Órgão de Apelação da OMC. Em Brasília, o Ministério da Economia tem motivos especiais, ou deveria ter, para estar muito atento a essas questões e a qualquer nova possível ameaça.

Uma queda de 6,30% nas exportações brasileiras, de US$ 239,54 bilhões em 2018 para US$ 224,44 bilhões em 2019, deveria ser um desses motivos. A trajetória declinante das vendas externas apenas foi mantida no ano passado.

A perda continuada é em parte explicável pelo enfraquecimento do comércio global e pela recessão na Argentina, importante compradora, em anos normais, de manufaturados brasileiros. Mas é atribuível também ao escasso poder de competição e à limitada presença internacional da indústria brasileira. Esses problemas decorrem de vários fatores internos combinados. Os mais visíveis são a proteção excessiva, a diplomacia comercial equivocada, o investimento insuficiente em tecnologia, inovação e capital humano, as deficiências do financiamento e o famigerado custo Brasil.

Nos últimos anos, o enfraquecimento do comércio global, em boa parte atribuível à disputa entre Estados Unidos e China e a outras tensões internacionais, agravou as dificuldades da exportação brasileira. A prolongada recessão argentina, sem perspectiva de grande mudança nos próximos meses, tem sido um importante fator de complicação.

Uma das poucas notícias animadoras, nas últimas semanas, foi a conclusão da fase 1 de um acordo entre Estados Unidos e China. Mas o acordado até agora, como observou o diretor-geral da OMC, foi a parte fácil. Isso foi suficiente, acrescentou, para deter a sequência de retaliações, mostrar a possibilidade de um acordo e permitir uma distensão do mercado. Falta a parte mais difícil e sobre essa nada foi claramente informado até agora pelos governos envolvidos.

Além disso, o sistema internacional é menos seguro e menos eficiente quando falha, ou pode falhar, o mecanismo formal de solução de conflitos. Paralisado o Órgão de Apelação, por causa do impasse em torno da nomeação de novos juízes, o sistema fica seriamente prejudicado. Felizmente, nem todas as disputas, lembrou o diretor-geral da OMC, vão parar no nível mais alto de apreciação.

Além disso, ele reafirmou a disposição de continuar negociando com o governo americano e avaliando suas queixas quanto ao funcionamento da organização. As queixas envolvem os critérios de aplicação das normas e os padrões de disciplina impostos pela entidade aos emergentes.

Qualquer fator de instabilidade internacional, mesmo um risco ainda mal definido, como o de uma nova pandemia, é relevante para o Brasil. O déficit em transações correntes aumentou 22,20% em 2019 e atingiu US$ 50,76 bilhões, soma equivalente a 2,76% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não são ainda números alarmantes, porque o buraco foi coberto folgadamente com investimento estrangeiro direto. Ingressaram US$ 78,56 bilhões, valor quase igual ao de 2018. Mas qualquer susto maior pode afetar os fluxos de capital. A valorização do dólar em todos os mercados, nos últimos dias, foi um lembrete desse risco. Mas o detalhe mais preocupante, num quadro de muita incerteza global, é o enfraquecimento evidente das exportações brasileiras. Alguém se preocupa, em Brasília, com o custo possível de um novo choque externo?

Pobre Rio – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), é um expoente de uma cepa de políticos que pautam seu comportamento pela caótica dinâmica das redes sociais, e não pela ética, pela moralidade pública e pela institucionalidade que distinguem os cargos que ocupam, tanto no Legislativo como no Executivo, em todas as esferas de governo. Fizeram bastante sucesso nas eleições de 2018 e, por ora, nada sugere que perderão força na eleição deste ano.

O fascínio por essa tal “comunicação direta” com o distinto público por meio das redes sociais, que em alguns casos beira a adicção, não poupa políticos como Witzel de vexames e, nos casos mais graves, de sérias violações de natureza ética, incompatíveis, portanto, com a dignidade que há de revestir o modo como se portam publicamente.

Há dias, Witzel foi além de seus já conhecidos desdouros e cruzou uma perigosa linha ao gravar uma conversa com o vice-presidente Hamilton Mourão e publicá-la nas redes sociais. A bem da verdade, nada de impróprio foi dito durante aquela conversa. O governador do Rio e o então presidente em exercício discutiram um plano de ajuda federal ao Estado para socorrer as vítimas das chuvas de verão. O problema é que Mourão não sabia que a conversa estava sendo gravada e, pior, transmitida por Wilson Witzel aos seus seguidores nas redes sociais. Com toda razão, o vice-presidente condenou a atitude. “O governador Wilson Witzel diz que foi um fuzileiro naval. Então eu acredito que esqueceu da ética e da moral que caracterizam as Forças Armadas quando deixou o corpo de fuzileiros navais”, afirmou Mourão.

Para justificar o injustificável, Witzel deu uma desculpa que não para em pé. O Palácio Guanabara emitiu nota explicando que o governador gravou e transmitiu a conversa com o então presidente em exercício a fim de “tranquilizar os moradores do Rio que sofrem com as enchentes”. Ora, fosse mesmo para isso, e não para gerar audiência nas redes sociais e dar vazão a seus insondáveis desígnios políticos, Wilson Witzel poderia transmitir a mesma tranquilidade à população divulgando a parceria firmada com o governo federal pelos canais institucionais de comunicação do governo do Estado, pela imprensa ou mesmo por meio de suas redes sociais, mas depois da conversa, e não durante, sobretudo diante do desconhecimento da gravação por um dos interlocutores.

Além de fazer parte do notório grupo de políticos que privilegia a informalidade das redes sociais em detrimento de uma comunicação mais republicana, Wilson Witzel figura em outra galeria nada honrosa: a de maus governadores do Rio de Janeiro. Mas sobre isso, justiça lhe seja feita, nenhuma responsabilidade pesa sobre os seus ombros.

Desde o infeliz governo de Chagas Freitas, o último governador do Estado a ser eleito por via indireta, em 1978, o Rio padece sob mandatários pessimamente escolhidos pela população. De Leonel Brizola a Wilson Witzel, todos, sem exceção, deram sua contribuição para a degradação do Estado que já foi a capital política, econômica e cultural do País. Alguns deles, como Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão podem contar em detalhes como é a experiência de ser interno do sistema prisional fluminense.

São 38 anos de escolhas mal feitas. Todo esse tempo, mais do que indicar a baixa qualidade dessas lideranças que se expõem ao escrutínio público, diz tanto sobre o baixo grau de exigência do eleitorado do Rio como sobre sua incapacidade de aprender com os erros. Brizola foi eleito duas vezes. Cabral foi reeleito e só deixou o poder diante dos efeitos das jornadas de junho de 2013. Ciente do que se passava no Guanabara, a população elegeu seu vice, Pezão. Anthony Garotinho fez governadora a sua mulher, a desconhecida Rosinha. Longa é a lista de infortúnios.

Nenhum deles postou um tanque de guerra em Laranjeiras. Se chegaram ao poder, foi pelo voto. Cabe ao eleitorado escolher melhor.

Reformas não podem ficar paralisadas – Editorial | O Globo

Mudanças na Previdência são insuficientes para permitir uma consistente volta do crescimento

Promulgada a reforma da Previdência em novembro, quase nove meses depois de ter sido entregue ao Congresso, uma velocidade invejável para um assunto tão polêmico, pensava-se que o governo iria aproveitar o espaço de negociação política que se abrira no Legislativo para avançar na agenda de mudanças de que o país carece há tempos. Sem uma articulação eficiente no Planalto, o governo encontrara na dupla Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, canal eficaz de interlocução com o Legislativo.

Ainda no início de novembro, parecia que o governo seguiria em frente, quando entregou ao Congresso três novas Propostas de Emenda Constitucional (PEC), com alterações também essenciais. A chamada PEC Emergencial, por exemplo, dá instrumentos à Federação para, em momento de crise financeira, poder conter o segundo item mais pesado dos orçamentos públicos, a folha dos servidores.

Por engessamento legal, o funcionalismo, ao contrário da absoluta maioria da população, que trabalha no setor privado, não é sequer arranhado nas crises: é estável no emprego — benefício que faz sentido apenas em carreiras de Estado — e costuma receber reajustes como se vivessem em um mundo à parte. Pois esta PEC traz para a Constituição gatilhos que já existem na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas não são aplicados por decisão do Supremo.

Se for aprovada, estados e municípios poderão, em crise fiscal, reduzir a carga de trabalho dos servidores e fazer um corte proporcional nos salários.

Também chegaram ao Congresso a PEC dos fundos públicos — destravar R$ 220 bilhões que estão parados em fundos, para serem usados no abatimentos da dívida pública — e a PEC do pacto federativo, pela qual muda-se a repartição de recursos entre União, estados e municípios, descentraliza-se dinheiro do pré-sal e acaba-se com a rigidez na vinculação de recursos da saúde e educação. Soa como música aos ouvidos do administrador público.

Mas não se vê nada tramitar no Legislativo. E ainda faltam outros dois projetos estratégicos: reformas tributária e administrativa. Uma, consensual, é destinada a desembaralhar e resolver o imbróglio do sistema tributário brasileiro, um exemplo perfeito de incongruências: tributa-se demais o emprego formal; de menos altas faixas de renda, enquanto se isentam ganhos financeiros e distribuem-se bilhões em incentivos fiscais a pessoas jurídicas e físicas. Há mais distorções.

Já a administrativa vem para modernizar a esclerosada e custosa máquina burocrática, que, com o tempo passou a funcionar mais para dentro — em benefício dos servidores — do que para fora — a serviço da população, que arca com suas despesas.

Mas Bolsonaro estancou o ímpeto reformista. Teria ficado temeroso com as manifestações violentas no continente. Excesso de zelo. O presidente não deve esperar que a reforma da Previdência, feita apenas em parte, dará o lastro para uma retomada consistente do crescimento. Falta muito mais.

Falta engajamento para aprovar a PEC emergencial – Editorial | Valor Econômico

A percepção de que o ímpeto reformista do governo tem pouco fôlego parece se confirmar

O governo de Jair Bolsonaro enviou no fim do ano, um pacotão com propostas de emenda constitucional - uma delas tinha a qualificação de emergencial, a 186. Se o termo significa alguma coisa, é que ela seria urgente e prioritária. Mas o governo parece ter se esquecido disso. No recesso, os líderes do Congresso indicaram que a reforma tributária tem a primazia. A reforma administrativa, que havia sido adiada porque o presidente temia convulsões sociais no país semelhantes às do Chile, continua na gaveta, sob modificação. Indagado sobre a tramitação das mudanças nos tributos e a reforma do Estado, Bolsonaro respondeu que “tanto faz a ordem”. Pelo visto, a PEC 186 sumiu do radar.

A PEC emergencial faz jus ao nome. O teto de gastos não se sustenta por muito mais tempo sem outros instrumentos de contenção de despesas. A reforma da previdência propicia poucas economias no curto prazo e precisa ser coadjuvada por instrumentos que contenham a segunda maior despesa do Estado, a da folha de pagamentos dos servidores públicos. Esse é o objeto da medida, que congela aumentos salariais do funcionalismo, permite a redução em até 25% dos salários e corte semelhante da jornada, proíbe concursos, promoções, concessão de vantagens, bônus, verbas de representação e outros penduricalhos comuns no serviço público.

A aprovação da PEC é urgente por vários motivos. Em primeiro lugar, graças ao arrocho fiscal, a trajetória altista da dívida pública foi amortecida, mas é muito alta. A dívida bruta chegou a 78,3% do PIB no ano passado, menos que os 80% previstos, mas ainda assim permanece a maior dentre os países emergentes relevantes. Apesar da queda de juros e do aperto nos gastos, a dívida pública federal subiu 9,5% em 2019, para R$ 4,248 trilhões, com acréscimo de R$ 371 bilhões no exercício. Sua qualidade piorou um pouco, pois os prazos de vencimentos encurtaram.

A execução orçamentária, por outro lado, tornou-se ainda mais difícil, e não só pelas emendas impositivas que amarraram o remanejamento de verbas e as mãos do governo para fazê-lo. O crescimento das despesas obrigatórias, entre elas o aumento real ininterrupto da folha de pagamentos, reduziram a pó os investimentos (R$ 22,4 bilhões, a menor quantia desde 2004) e levaram para perto do limite mínimo os gastos de custeio da máquina federal (R$ 90 bilhões). Membros do governo apontam que em 2021, mantidas as condições, a burocracia pública será paralisada.

A PEC estabelece que quando despesas correntes superarem 95% das receitas correntes entram obrigatoriamente (para a União) mecanismos de correção que reduzam gastos com pessoal. A PEC vai mais longe, estabelece prazos para vigência de incentivos fiscais (10 anos, com revisão aos 5) e teto para esses benefícios, de 2% do PIB, a partir de 2026. Os mecanismos de cortes de despesas permitem o cumprimento da regra de ouro, que veda o endividamento para pagamento de gastos correntes, hoje submetida à gambiarra de pedido de autorização de crédito ao Congresso - nada menos de R$ 367 bilhões em 2020.

Sem que o perigo de paralisia da máquina pública e a ameaça de insolvência do setor público tenham sido afastados, é vital que o governo se empenhe para colocar no primeiro lugar da fila o projeto. O relator fez algumas modificações na PEC, que recebeu 59 emendas. De positivo, Oriovisto retirou das exceções à progressão na carreira e promoções várias categorias, como militares e policiais, e unificou as férias no serviço público a 30 dias, inclusive para Judiciário e MP. De negativo, incluiu exótica gratificação extraordinária aos servidores quando o resultado primário for positivo em 12 meses.

A PEC emergencial seria complementada pela reforma administrativa, interrompida até que o presidente decida o que quer a respeito. Sempre mais benevolente com funcionalismo público, que recebe salários muito acima da média nacional, Bolsonaro determinou que qualquer mudança só valha para os futuros servidores. Não se sabe, assim, como ficará o desenho final do projeto, que estabelecia princípios de meritocracia, avaliação de desempenho e progressão salarial mais lenta e enxugamento radical das carreiras de Estado.

A percepção de que o ímpeto reformista do governo tem pouco fôlego parece se confirmar. A reforma tributária, mais avançada no Congresso, não tem participação ativa do governo. A administrativa ainda está na gaveta, a tramitação da PEC do pacto federativo é incógnita e o Planalto não dá sinais de preocupação com a PEC 186, a mais urgente.

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