quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Ribamar Oliveira - Parlamentarismo orçamentário

- Valor Econômico

Agora, é o ministro que vai atrás do parlamentar

O Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos, onde e em que obras as verbas serão gastas.

A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo 64-A da lei 13.957, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020.

A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo 64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.

Traduzindo o economês, o parlamentar é que vai indicar o órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o verdadeiro gestor do recurso orçamentário.

Além disso, o artigo vetado pelo presidente determina que o governo, ao fazer o contingenciamento das dotações orçamentárias, reduza as emendas feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral na mesma proporção das demais despesas. Bolsonaro vetou dispositivos que darão efetivo controle sobre a execução das emendas parlamentares aos seus autores.

Na mensagem do veto, o presidente argumenta que o dispositivo proposto pelos parlamentares é contrário ao interesse público, pois “é incompatível com a complexidade operacional do procedimento estabelecer que as indicações e priorizações das programações com identificador de resultado primário derivado de emendas sejam feitas pelos respectivos autores”. É muito provável que Bolsonaro perderá nesta questão, pois o artigo vetado tem o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os deputados e senadores não abrem mão de gerir suas emendas e da proporcionalidade no contingenciamento.

As emendas parlamentares ao Orçamento deste ano somam R$ 48,5 bilhões - um recorde histórico. Do total, R$ 9,4 bilhões são de emendas individuais, R$ 8,2 bilhões, de emendas de bancadas estaduais, e R$ 687,3 milhões, de comissões. Só o relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), apresentou emendas no total de R$ 30,1 bilhões (ver tabela abaixo). Do total das emendas parlamentares, R$ 23,8 bilhões foram destinados aos investimentos, que estão programados em R$ 41 bilhões para este ano.

Com a derrubada do veto, os parlamentares passarão a gerir, diretamente, mais da metade dos investimentos da União. Na prática, isto significa que serão eles que dirão aos ministros de cada área onde deverão aplicar os recursos orçamentários. Irão escolher a obra e definir prioridades. Toda a lógica orçamentária que predominou até agora será alterada.

Era comum encontrar deputados e senadores nos gabinetes de autoridades, às vezes sem conseguir serem recebidos, com pedidos para que os recursos das emendas fossem liberados e que a destinação ocorresse para as obras que desejavam. As solicitações eram atendidas, muitas vezes, depois de assegurados os votos favoráveis a projetos de lei de interesse do Executivo.

A partir deste ano, serão os ministros que terão que procurar os deputados e senadores para que eles destinem suas emendas para as obras que o governo considera prioritárias. Os encontros de ministros com parlamentares com esse objetivo já começaram.

“Agora, é o ministro que está indo atrás do parlamentar”, sintetizou um líder partidário, em conversa com o Valor.

Mesmo que o veto do presidente não seja derrubado, o artigo quarto da lei orçamentária deste ano (lei 13.978/2020) proíbe, em seu parágrafo 7º, o cancelamento de valores incluídos ou acrescidos no Orçamento por emendas parlamentares. Tudo terá que ser feito com a concordância ou sugestão do autor da emenda.

A emenda constitucional 100 estabelece que é um dever da administração executar as programações orçamentárias. A emenda 102 esclarece que a execução obrigatória se aplica exclusivamente às despesas primárias discricionárias, que são, justamente, os alvos das emendas parlamentares.

Nas próximas semanas, o governo deverá editar o primeiro decreto de programação orçamentária e financeira do Tesouro neste ano, com um contingenciamento das dotações. Neste documento, saberemos como o governo entendeu a impositividade das emendas parlamentares.

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