Só fim de sigilo afastará ideia de que STF fez censura
O Globo
Comissão de deputados ligados a Trump acusa
Supremo de cercear liberdade de expressão no Brasil
O longo segredo imposto pelo Supremo Tribunal
Federal a inquéritos abertos em nome da defesa da democracia e das instituições
tem contribuído para afetar a credibilidade da Corte e alimentar acusações de
que ela instituiu censura prévia a centenas de cidadãos. Coube agora à Comissão
de Justiça da Câmara dos Estados Unidos, liderada por trumpistas, divulgar
informações sobre processos movidos no Brasil contra plataformas digitais.
Um relatório de 541 páginas tornado público na última quarta-feira exibe cópias de 49 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de 39 da Justiça Eleitoral, a maior parte sigilosa, ordenando suspensão de postagens e contas em redes sociais. A maioria é assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos sobre desinformação, atos antidemocráticos, milícias digitais e casos correlatos.
O relatório da comissão americana fala
explicitamente em “censura” no Brasil e menciona 150 perfis suspensos apenas no
X (ex-Twitter). “As ordens de censura foram dirigidas especificamente a
críticos do governo brasileiro: integrantes conservadores da legislatura
federal, jornalistas, integrantes do Judiciário e até um cantor gospel e uma
rádio popular — noutras palavras, qualquer um com uma plataforma para criticar
o governo de esquerda no poder”, afirma o documento.
Em resposta, o Supremo disse que as
suspensões se basearam na lei. “Todas as decisões tomadas pelo STF são
fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm
acesso à fundamentação”, informou o STF.
Diversos documentos divulgados pelos
americanos são, de fato, apenas despachos com ordens judiciais para remoção de
contas. “Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem
divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o
ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que
fundamentou o bloqueio)”, afirmou a Corte. Outras ordens de suspensão
divulgadas pela comissão americana são acompanhadas de decisão do ministro, em
geral argumentando que as contas bloqueadas haviam sido usadas para subverter a
ordem, incentivar ruptura institucional ou quebrar a normalidade democrática.
Não se duvida do Supremo, mas o relatório
americano, apesar de contaminado ideologicamente, revela que são cada vez mais
numerosas as vozes a demonstrar incômodo com a falta de transparência. É
provável que a acusação de “censura” se revele frágil, mas só será possível
saber quando o sigilo for levantado. O STF teve papel crítico para evitar que
se consumasse a ruptura democrática tramada por bolsonaristas, e foi necessário
que agisse com rigor para evitar a disseminação da ameaça à democracia. Mas ela
já foi afastada faz tempo. Passou da hora de o Brasil recobrar a normalidade
institucional de que tanto necessita.
É péssimo — não apenas para a imagem do
Judiciário, mas para toda a sociedade — a simples conjectura de que tenha
havido censura prévia, algo abominável numa democracia. O momento agora é de
transparência.
Peso do mercado ilegal na economia brasileira
se tornou insuportável
O Globo
Pesquisa estima custo de contrabando,
fraudes, pirataria, furtos de água e luz em R$ 454 bilhões ao longo de um ano
O Brasil perde todo dia R$ 1,2 bilhão com o
mercado ilegal. O cálculo soma produção, compra e venda de mercadorias que não
cumprem a lei, incluindo pirataria, fraudes, contrabando, sonegação de
impostos, furtos de energia e água. O custo ao longo dos 12 meses de 2022 foi
de R$ 453,5 bilhões, ou quase 5% do PIB, segundo o estudo Brasil Ilegal em
Números, feito por uma parceria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e da Federação das
Indústrias de São Paulo (Fiesp). É um peso intolerável para economia
brasileira. É como se, de cada R$ 20 produzidos no país, R$ 1 fosse roubado.
O estudo considera 16 setores afetados pelo
crime, entre eles audiovisual, bebidas alcoólicas, celulares, cigarros,
combustíveis, cosméticos, perfumes, TV por assinatura e vestuário. O problema
exige mais vigilância das autoridades nas três esferas de governo e esforço
maior para conscientizar a população que compra produtos ilegais.
Quem consome esses produtos acredita levar
vantagem por pagar mais barato, mas esquece os efeitos nefastos da ilegalidade
no mercado de trabalho e no bem-estar. As perdas anuais das empresas inibem a
criação de empregos formais e a geração de riqueza. Somente em 2022, 369.823
vagas diretas com carteira assinada deixaram de ser geradas, estima a pesquisa.
Os R$ 136 bilhões em impostos que deixaram de ser recolhidos pelo governo
poderiam alavancar obras ou ser investidos em saúde ou educação.
Furtos de energia elétrica, conhecidos como
“gatos”, acarretaram perda de R$ 6,3 bilhões às concessionárias, inibindo
investimentos e a prestação de serviços melhores. A energia elétrica furtada em
um ano seria suficiente para atender a todos os consumidores residenciais da
Região Metropolitana de São Paulo. Sem o custo desse descalabro, as tarifas
poderiam diminuir. O prejuízo anual acarretado por ligações ilegais de água e
esgoto é ainda maior: R$ 14 bilhões. O volume de água furtada em um ano equivale
a 2,6 vezes o armazenado no Sistema Cantareira, que serve a metrópole
paulistana. Sem receber pelo serviço prestado, as concessionárias têm menos
capital para investir na expansão do saneamento.
O contrabando é outra preocupação. Ele ganhou
vulto com a proliferação de mercados digitais especializados em vender produtos
piratas, roubados ou contrabandeados. Só em 2023, a Receita Federal apreendeu
R$ 3,78 bilhões em mercadorias. O estudo estima que isso equivale a menos de 1%
do comércio ilegal.
A economia ilegal alimenta atividades
criminosas e tem um vínculo nítido com a violência. Combatê-la exige ação em
duas frentes. A primeira é criar na população a consciência da importância de
consumir apenas produtos e serviços oriundos do mercado formal. A segunda é
criar políticas públicas que tornem a ilegalidade mais custosa para os
criminosos que vivem dela, sem descuidar da repressão.
Renda cresce; avanço dependerá mais do PIB
Folha de S. Paulo
Bolsa Família contribui para incremento de
indicadores, mas progresso social está condicionado a empregos melhores
Depois da grande recessão de 2014 a 2016, de
anos de economia estagnada e da catástrofe da Covid-19, observa-se enfim
melhora mais sólida nos indicadores socioeconômicos, como evidencia a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE relativa a 2023.
Mais relevante do que o expressivo aumento
da renda em
relação a 2022, ainda marcado pelos efeitos da pandemia, foi o progresso em
relação a 2014, último ano de um ciclo de bonança, e a 2019.
Altas dos ganhos do trabalho,
do número de empregos e do valor e da extensão do Bolsa Família são
os motivos da recuperação.
O rendimento médio mensal real domiciliar per
capita, de R$ 1.848, subiu 11,5% ante 2022, quando equivalia a só R$ 1.658. Mas
houve avanços em relação aos anos melhores de 2014 (R$ 1.727) e 2019 (R$
1.744), de 7% e 6%, respectivamente.
A renda dos 10% mais pobres do país aumentou
53,3% em comparação com 2019; entre aqueles na faixa de 10% a 20% mais pobres,
23%. Cerca
de 19% dos domicílios recebem Bolsa Família, um número recorde para
um benefício também no seu valor mais alto.
De 2022 para 2023, a despesa do governo com o
Bolsa Família passou de R$ 93,7 bilhões para R$ 169,1 bilhões, em valores
corrigidos pela inflação. Trata-se de montante equivalente ao de todos os
rendimentos, do trabalho, de benefícios sociais ou outros, recebidos pelo
quinto mais pobre da população.
A desigualdade, que se manteve estável,
poderia ter aumentado ligeiramente não fosse o Bolsa Família, pois a renda do
trabalho cresceu mais para os mais ricos.
Depois da piora acentuada durante anos de
crise, a desigualdade voltou praticamente aos níveis ainda elevados de 2014 e
2015.
O rendimento médio do 1% mais rico é 98,4
vezes o dos 10% mais pobres. Em média, uma família hipotética de três pessoas
do décimo mais pobre da população recebia R$ 630 mensais em 2023, menos da
metade do salário mínimo
vigente na maior parte do ano passado.
A disparidade entre as regiões é também
notável. No Nordeste, o rendimento médio era 51,2% do verificado no Sudeste; no
Norte, 58,2%. Há algum equilíbrio entre as demais regiões.
Um motivo da desigualdade pode estar na falta
de empregos. No Nordeste, apenas 37,8% da população tinha rendimentos do
trabalho, ante 46% da média nacional, 51,1% no Centro-Oeste e 49,7% no Sudeste.
Do total de ganhos, 65,7% vêm do trabalho no Nordeste; na média do país, 74,2%.
O Bolsa Família evitou escalada da pobreza e
da desigualdade. O programa
pode ser aperfeiçoado. Para que sobrevenha progresso maior, porém, é
preciso mais emprego, com crescimento do PIB.
Ajustar a imigração
Folha de S. Paulo
Reforma de lei na Europa tem de atender
países mais afetados e direitos humanos
O Parlamento
Europeu aprovou uma reforma em leis sobre imigração que
apresenta avanços, apesar de críticas vindas tanto da esquerda quanto de
direita.
A revisão
abrangeu um pacote de dez normas e foi debatida ao longo de oito anos.
Agora, cabe aos Parlamentos de cada um dos 27 países-membros da entidade
aprovarem as resoluções.
Dentre as mudanças, pedidos de asilo devem
ser analisados com mais rapidez a partir de método de rastreio rigoroso, com
verificações obrigatórias de segurança, vulnerabilidade e saúde dos
requerentes.
Estão previstas ainda construções de novos
centros de acolhimento nas fronteiras; aqueles que não se qualificarem para
proteção internacional serão enviados a países considerados seguros.
Instituiu-se o sistema "solidariedade
obrigatória", para que todas as nações contribuam para aliviar o fluxo
migratório no sul da Europa.
Mesmo assim, os países ainda podem escolher entre assumir responsabilidade
pelos imigrantes,
fornecer ajuda financeira ou só apoio operacional, com recursos humanos, por
exemplo.
ONGs, como a Anistia Internacional, afirmam
que as medidas geram risco de detenções arbitrárias e policiamento
discriminatório. Já políticos conservadores reclamam que a reforma não foi
suficiente para bloquear a entrada de imigrantes em situação irregular.
Em 2022, 966 mil
pessoas requereram estadia definitiva em países da Europa —alta
de 50% em relação ao ano anterior e um recorde desde 2015. Alguns são mais
impactados, como a Grécia,
que considerou a reforma aprovada um avanço.
Deve-se considerar também que o continente
precisa de imigrantes, dado o envelhecimento progressivo
da população. Eles dinamizam e fortalecem as economias de destino, conforme relatório
do Banco Mundial de abril de 2023.
E, acima de tudo, trata-se de um imperativo ético, já que a maioria dos requerentes a asilo estão fugindo de perseguições políticas, guerras e fome. Espera-se que a reforma atinja as duas frentes: alivie a sobrecarga de países que recebem maiores fluxos e garanta a proteção dos direitos humanos.
Reacionários ganham com opacidade do STF
O Estado de S. Paulo
Inimigos da democracia daqui e dos EUA,
articulados, usam o sigilo dos inquéritos no STF para posar de vítimas de
perseguição; o antídoto contra os reacionários é a luz do dia
O sigilo dos amplos e intermináveis
inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a
disseminação de fake news e a atuação das chamadas “milícias digitais” faz
muito mal à democracia. À sociedade, afinal, é dado conhecer (i) quem, supostamente,
ameaça as instituições democráticas e seus integrantes; (ii) como são
articuladas essas ameaças; e (iii) os propósitos a que se prestam.
Como se isso não bastasse, a obscuridade das
decisões monocráticas tomadas pelo ministro relator Alexandre de Moraes no
âmbito daqueles inquéritos ainda tisna a aura de credibilidade do próprio STF.
Deveria ser ocioso lembrar que a crença na Justiça decorre da fundamentação de
suas decisões, que, salvo raríssimas exceções, deve ser conhecida por todos.
Infensa à transparência, a Corte só alimenta o discurso dos reacionários que
estão longe de querer seu aperfeiçoamento, e sim seu descrédito perante a opinião
pública, como forma de deslegitimá-la.
A bem da verdade, a crise de credibilidade do
STF decorre primordialmente dos ataques à Corte insuflados por Jair Bolsonaro
nos últimos anos – e sustentados até hoje por seus apoiadores radicais.
Contudo, em boa medida, alguns ministros do Supremo também contribuem para que,
aos olhos de uma parcela expressiva da população, suas decisões sejam recebidas
como manifestações políticas.
Ministros que falam a torto e a direito fora
dos autos, participam de colóquios políticos e eventos corporativos custeados
por lobistas, viram do avesso a jurisprudência da própria Corte e decretam
sigilos sobre suas decisões como regra, e não como exceção, podem ser tão ou
mais nocivos ao Poder Judiciário do que um punhado de postagens feitas pelos
detratores do STF nas redes sociais.
Essa crise fabricada extrapolou as fronteiras
do País e chegou à Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos EUA. A
pretexto de resguardar os interesses de empresas americanas – X e Meta, dona do
Instagram – e defender a “liberdade de expressão”, a ala radical do Partido
Republicano no colegiado, majoritária e dominada por Donald Trump, divulgou um
relatório contendo os ofícios do STF enviados àquelas empresas para determinar
a suspensão de contas, sem maiores explicações.
Claramente articulados com a trupe de
deputados bolsonaristas que recentemente foram ao Capitólio denunciar a
“ditadura do Poder Judiciário no Brasil”, os republicanos da Comissão de
Justiça fizeram o estardalhaço típico dessa turma, afirmando que o tal relatório
é a prova cabal da “censura do governo brasileiro” à plataforma de Elon Musk, o
X, entre outras. Que Musk seja um oportunista que não dá a mínima para a
liberdade de expressão, preocupado que está apenas com seus negócios mundo
afora, parece não ter a menor importância para esses parlamentares, brasileiros
e americanos. O objetivo principal é aumentar a nuvem de suspeição que hoje
paira sobre as decisões do ministro Alexandre de Moraes.
O STF parece ter sentido o baque. Em nota
oficial, a título de resposta à divulgação do relatório pelos deputados
americanos, a Corte informou que “todas as decisões tomadas pelo STF são
fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm
acesso à fundamentação”. A questão é que já não basta que apenas as “pessoas
afetadas” conheçam os fundamentos das draconianas decisões do sr. Moraes. Toda
a sociedade brasileira precisa conhecê-los – até para poder concluir que, de
fato, o ministro cumpriu exatamente o papel que lhe é atribuído pela
Constituição e, portanto, suas decisões não violaram os direitos e garantias
fundamentais de ninguém.
Lá se vão quase cinco anos de tramitação
desses inquéritos no STF. O sigilo sobre eles, que já era um problema na origem
das investigações, só tem aprofundado as incertezas quanto à justiça das
decisões do ministro Alexandre de Moraes. O melhor antídoto contra o discurso
dos reacionários que querem desmoralizar o Judiciário para seus propósitos
autoritários é a luz do dia, e não as sombras.
A pressão sobre a Previdência
O Estado de S. Paulo
Mudanças estruturais no mercado de trabalho,
como o aumento de microempreendedores, e iniciativas populistas do governo
aumentam risco de explosão do déficit da Previdência
Com reajuste fixado acima da inflação por
imposição legal, o salário mínimo dita o crescimento dos gastos com
aposentadorias e benefícios do INSS, que marcham velozmente para a marca de R$
1 trilhão. O piso nacional de R$ 1.502 proposto pelo governo para o ano que
vem, por exemplo, vai elevar para R$ 980,9 bilhões os gastos previdenciários em
2025, isso sem contar os gastos com servidores públicos e militares. Como a
arrecadação nem de longe atinge o mesmo montante, a progressão do déficit dá
sinais claros de que a Reforma da Previdência, que em maio completa três anos e
meio, precisa ser revisitada.
A variação do salário mínimo, que atrela
diversos gastos públicos, entre eles as despesas com pagamento de
aposentadorias e pensões, é o maior fator de pressão do déficit previdenciário,
mas não o único. A reforma de 2019, embora longe do ideal, foi um importante
agente de contenção no ritmo de crescimento do rombo previdenciário. E, é bom
ressaltar, sem nenhum apoio do PT, cuja bancada votou em peso contra o que
qualificava como perda de direitos dos trabalhadores, desconsiderando que
mudanças como o aumento do tempo mínimo de contribuição são necessárias diante
da transformação social e demográfica.
O Brasil é um país que está envelhecendo.
Após a exceção do período de pandemia, a expectativa de vida voltou a subir,
chegando a 75,5 anos em 2022. O mercado de trabalho também passa por mudanças
estruturais e não há como ignorar que os bons resultados, como a manutenção do
índice de desemprego na casa de um dígito e o recorde de mais de 100 milhões de
ocupados, estão sendo acompanhados do aumento da informalidade e do fenômeno de
expansão de microempreendedores individuais (MEIs). Por consequência, a fonte
de arrecadação previdenciária tem diminuído, enquanto cresce o dispêndio com as
aposentadorias.
Em 2009, primeiro ano de vigência do regime
MEI, criado para formalizar trabalhadores autônomos, apenas 8,4% das empresas
abertas estavam inscritas nesse sistema; em 2023, já representavam 74,6% do
total. Atualmente, os MEIs descontam contribuição previdenciária mensal de R$
70,60 para terem direito a uma aposentadoria de um salário mínimo. Não é
preciso ser especialista em cálculo atuarial – que o ministro da Previdência,
Carlos Lupi, diz ignorar, assim como nega o próprio déficit da Previdência –
para verificar de cara que a conta não fecha.
Recente reportagem do Estadão mostrou que a
explosão de MEIs se dá por um fenômeno que está sendo chamado de
“empreendedorismo por necessidade”, que inclui, em sua maioria, os excluídos do
trabalho formal que buscam uma forma de permanecer no mercado com direitos
mínimos. Foi esse tipo de empreendedorismo a principal causa da alta de 168% de
MEIs em apenas quatro anos. Não demorará até que essa multidão de“trabalhadores
empresas” pressione as despesas da Previdência Social, a principal despesa da
União.
É preciso desarmar essa bomba com novas
reformas e garantir, ao mesmo tempo, aviabilidade do sistema previdenciário e o
equilíbrio fiscal. O problema é que são questões para as quais o lulopetismo
reserva o mais solene desprezo. O governo de Lula da Silva se mostra mais
preocupado com medidas que tragam dividendos eleitoreiros. É oca soda
legislação que estabeleceu apolítica de reajuste do salário mínimo acimada
inflação medida pelo INPC. Por tabela, as aposentadorias e pensões terão de ser
corrigidas, obrigatoriamente, acima da inflação.
Ao menos para corrigir os erros do governo de Jair Bolsonaro – que, além de não estender aos militares as exigências impostas ao regime geral do INSS, ainda ampliou vantagens dessa categoria –, Lula da Silva deveria tentar corrigir as desigualdades do sistema. No ano passado, o rombo da Previdência estava em R $394,7 bilhões( acumulado de 12 meses até novembro ), e R$ 290,3 bilhões eram referentes a benefícios de 28 milhões de trabalhadores da iniciativa privada, enquanto R$ 104,3 bilhões diziam respeito a apenas 1 milhão de militares e servidores públicos. A disparidade fala por si.
Estado palestino além do papel
O Estado de S. Paulo
O reconhecimento da Palestina na ONU sem
negociação com Israel é um erro evidente
O veto dos EUA no Conselho de Segurança da
ONU à resolução pelo reconhecimento do Estado palestino como membro pleno
parece contraditório, hipócrita, até desumano. Afinal, a posição oficial do
país é pela solução dos dois Estados. Por que, então, negar aos palestinos o
que lhes cabe de direito desde o plano de partilha da ONU de 1947?
Críticas são legítimas, mas o veto não
reverte a posição dos EUA, vocalizada frequente e enfaticamente por seu
presidente. O fim desejado é o mesmo de quem votou a favor – a divergência está
nos meios. Os EUA creem que a solução virá de negociações bilaterais que criem
as condições concretas sem as quais o reconhecimento é vazio.
Pode-se questionar se o país tem se empenhado
nesta estratégia com mais ou menos coerência, energia e eficácia, mas não se
pode dizer que não tenha se empenhado. Na guerra em Gaza, a pausa que garantiu
a troca de reféns, a entrega de ajuda humanitária e a protelação da invasão a
Rafah foi conquistada em grande medida pela atuação dos EUA com mediadores como
Catar, Egito e Jordânia. E há precedentes históricos. O mais perto que se
chegou de um Estado palestino – os Acordos de Oslo de 1993, que deram à Autoridade
Palestina (AP) autonomia provisória em territórios ocupados da Cisjordânia e
Gaza – foi resultado deste tipo de “diplomacia de campo”.
Lamentavelmente, as negociações de questões
finais, como fronteiras, retorno dos refugiados ou o status de Jerusalém, foram
sabotadas por extremistas de ambos os lados até ruírem com a segunda Intifada
nos anos 2000. Após Israel desocupar Gaza em 2005, o Hamas – cuja “solução
final” é a aniquilação de Israel – tomou o poder, expulsou a AP e se
radicalizou cada vez mais. Na Cisjordânia, uma AP necrosada e corrupta perdeu a
credibilidade da população. Os assentamentos criminosos de sionistas
maximalistas aceleraram essa degradação.
Goste-se ou não, a realidade hoje é essa, e
um reconhecimento formal do Estado palestino na ONU não trará soluções práticas
para problemas de soberania, controle territorial e muitos outros, sem as quais
um Estado palestino é inviável.
Israel está certo quando diz que o conflito
só piorará se o Hamas não for obliterado militar e politicamente, mas está
errado ao recusar o alívio humanitário e um plano político de longo prazo que
engajariam os palestinos pacíficos. Os que querem um Estado palestino estão
certos ao defender que a AP é a opção menos ruim para um governo pós-Hamas, mas
estão errados quando creem que isso será possível sem reformas radicais e novos
líderes.
Washington pode ter um papel crucial nestas
questões, se empregar sua alavancagem para refrear abusos de Israel e concertar
uma coalizão árabe com a AP apoiada internacionalmente e com um mandato de
pacificação e reconstrução de Gaza.
Parafraseando Churchill, a criação de dois Estados é a pior das soluções, exceto por todas as outras. Mas, para conquistá-la, muito mais relevante que um reconhecimento protocolar do Estado palestino em Nova York é a construção de seus alicerces no Oriente Médio.
Mais compromisso com o equilíbrio fiscal
Correio Braziliense
Ao projetar deficit de 0,25% do PIB, mantendo
a banda de tolerância, o deficit pode chegar a 0,50%, nas estimativas do
mercado
Como se sabe, o governo federal resolveu
empurrar a meta de zerar o deficit primário para 2025, descumprindo os
compromissos anunciados para o terceiro mandato do presidente Lula no trato das
contas públicas. A repercussão no mercado foi péssima, apesar de, há muito,
analistas e agentes econômicos saberem das remotas chances de o Executivo fazer
valer o denominado arcabouço fiscal. Objetivamente, a mudança na meta, além de
gerar expectativas negativas em relação ao desempenho futuro da economia,
trincou o cristal da credibilidade da equipe econômica e do próprio ministro
Fernando Haddad.
O arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso
Nacional no ano passado estabeleceu duas diretrizes: respeito ao limite de
despesas, que deve crescer anualmente a uma proporção de 70% da evolução das
receitas no exercício anterior, respeitada a inflação oficial; e uma meta de
resultado primário, com uma banda de tolerância de 0,25 ponto percentual para
cima ou para baixo em relação ao PIB.
Ao projetar de deficit de 0,25% do PIB,
mantendo a banda de tolerância, o deficit pode chegar a 0,50%, nas estimativas
do mercado. Isso também coloca em xeque a meta de deficit zero anunciada para
2025. E todas as demais: para 2026, um superavit de 0,25%; em 2027, superávit
de 0,5%; e, em 2028, de 1% do PIB.
É uma fuga para frente. Por isso mesmo, gera
natural desconfiança dos agentes econômicos. Divulgado esta semana, o último
relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre políticas fiscais em
todo o mundo serviu de alerta. O documento elevou a estimativa de deficit nas
contas públicas brasileiras em 2024 de 0,2% para 0,6% do PIB. Elaborado antes
de o governo afrouxar as metas dos próximos anos, o estudo mostra que é preciso
um grande esforço para evitar o descontrole na dívida pública.
Entretanto, o governo Lula caminha — ou
está sendo levado, a depender do ponto de vista — para abandonar a
ancoragem fiscal da economia. De um lado, como disse a ministra Simone Tebet,
as saídas para aumentar receitas estão se exaurindo. De outro, o Executivo não
tem tido sucesso em reverter a tendência do Congresso a gastar mais e,
simultaneamente, promover renúncias fiscais.
Não faltam temas espinhosos a tratar, ao
mesmo tempo em que se acumulam pressões sobre o Orçamento. Desde o início da
semana, dezenas de instituições de ensino federais - entre as quais as
universidades do país - estão em greve. E as propostas apresentadas na
Esplanada, até o momento, não surtiram efeito entre os servidores. Enquanto
isso, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta
para beneficiar a elite do funcionalismo com a volta dos quinquênios, além de
um reajuste salarial de 5% a cada cinco anos, automaticamente. Valor da conta:
R$ 42 bilhões por ano.
Nesse contexto, seria possível manter a meta de deficit zero? Sem dúvida alguma, qualquer técnico competente em orçamento indicaria a urgência de se contingenciar gastos supérfluos ou ineficientes na administração federal, sem atingir as prioridades sociais. O problema é que o governo não parece preocupado com isso. E, assim, caminha o deficit público.
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