Escassez de vacina contra Covid expõe falhas na Saúde
O Globo
Lula e o PT reclamavam com razão do
negacionismo de Bolsonaro. Mas não compraram doses necessárias a tempo
Um dos desafios das autoridades de saúde tem
sido convencer os brasileiros a se vacinar. Os índices têm ficado abaixo do
recomendado, ameaçando a volta de moléstias controladas. Mas, para que a
população possa se proteger, é fundamental haver vacina nos
postos. Lamentavelmente, o Ministério da
Saúde tem falhado nessa tarefa. Enquanto sobra vacina contra a
dengue em razão do baixo comparecimento aos postos, estoques contra a Covid-19
estão em falta em vários estados, bem no período em que problemas respiratórios
aumentam o fluxo de pacientes às emergências.
Na cidade do Rio, a vacina contra Covid-19 acabou. As últimas 500 doses foram aplicadas no dia 13, durante um mutirão de vacinação contra a gripe e outras doenças. Só restaram as pediátricas. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, diz aguardar receber novas doses do ministério. Situação semelhante vivem outras capitais, como Curitiba e Vitória. Em São Paulo, as vacinas já começam a desaparecer. Os estados do Rio Grande do Sul e Maranhão também enfrentam escassez. E as doses que existiam, desatualizadas, nem cobriam a variante em circulação.
Há um problema evidente de gestão no
ministério, que compra as vacinas e as distribui a estados e municípios. A esta
altura, era esperado que os postos de saúde as oferecessem. Não é o que se vê.
Com a demora, corre-se o risco de a vacina ficar defasada diante de novas
variantes. As mutações não obedecem ao cronograma leniente do ministério.
Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) aprovou uma versão atualizada da vacina da Pfizer contra a
variante em circulação, a XBB. Em março, a agência liberou também outra vacina,
da Moderna, que segue as últimas recomendações da Organização Mundial da Saúde
(OMS). Os técnicos já deram sinal verde para o governo comprar ambas.
O Ministério da Saúde tem alegado que a
aprovação da vacina da Moderna perturbou as compras, uma vez que o plano
inicial era adquirir apenas a versão atualizada da Pfizer. Ora, o cidadão não
pode ser punido pela falta de planejamento. Já é difícil convencer os
brasileiros a ir ao posto de vacinação. Mais ainda a ter de voltar. Agora o
ministério promete que as 12,5 milhões de doses compradas na sexta-feira
chegarão num prazo de dez a 12 dias.
Em maio do ano passado, a OMS declarou o fim
da emergência mundial de saúde pública para a Covid-19. Foi um alívio para o
mundo depois da pandemia mais letal dos últimos cem anos. Hoje a doença está
controlada. Mas, é sempre bom lembrar, a estabilidade só foi obtida graças à
vacinação em massa. No Brasil, a recomendação é que recebam reforço semestral
ou anual os grupos vulneráveis — idosos, gestantes, puérperas,
imunossuprimidos, trabalhadores da saúde, pacientes com comorbidades etc. Para
isso a vacina precisa estar disponível.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT
passaram quatro anos criticando — com razão — o caos e o negacionismo na saúde
durante a administração Jair Bolsonaro. Agora que estão no governo, precisam
mostrar serviço. Está claro que há problemas de gestão no Ministério da Saúde.
Não se pode deixar que os estoques de vacina contra a Covid-19 acabem,
prejudicando a população vulnerável. O mínimo a esperar é que haja vacinas nos
postos e que estejam atualizadas para combater as novas cepas do vírus. Só assim
será possível prevenir mortes evitáveis.
Impacto econômico revela urgência do combate
ao aquecimento global
O Globo
Renda da população mundial poderá cair 19% se
metas do Acordo de Paris não forem cumpridas, estima estudo
As projeções sobre o impacto do aquecimento
global na economia se as metas do Acordo de Paris não forem cumpridas
consideram o histórico de temperatura e renda de países. Decididos a fazer uma
análise mais detalhada, três pesquisadores da Universidade de Potsdam, na
Alemanha, examinaram dados de mais de 1.600 pontos do planeta nos últimos 40
anos em busca dos efeitos da variação do clima nos rendimentos da população.
Traçaram cenários detalhados até 2050. Norte e Centro-Oeste do Brasil estão
entre as regiões onde a renda deverá cair mais no planeta, com médias
superiores a 25%, na comparação com um cenário de aquecimento controlado.
Regiões do Norte da África, da Península Arábica e Paquistão estão no mesmo
grupo. Em maior ou menor grau, as populações de todos os estados brasileiros
sofrerão perda.
Publicado na última edição da revista
científica britânica Nature, o estudo prevê que os países ricos, como Estados
Unidos, Japão e integrantes da União Europeia, também deverão ter prejuízo, mas
em escala menor. Regiões mais próximas do Ártico, como norte do Canadá,
Escandinávia e Rússia, são as únicas que experimentarão alta nos rendimentos. O
saldo global, no entanto, será negativo. A estimativa é que a renda global caia
19% nos próximos 26 anos. Os US$ 38 trilhões de perda projetados para 2049
estão muito acima do valor necessário para manter o aumento das temperaturas
abaixo de 2 °C, como estipula o Acordo de Paris.
Os danos decorrentes do aquecimento global já
são conhecidos: queda na produtividade na agricultura, danos à infraestrutura
causados por eventos climáticos extremos ou doenças e problemas de saúde
relacionados a ondas de calor. Os pesquisadores alemães concentraram a análise
nas alterações de temperatura, sem levar em conta fatores como elevação do
nível do mar. Dizem que o futuro poderá ser pior. “Esses danos de curto prazo
são resultado de nossas emissões passadas. Precisaremos de mais medidas de adaptação
se quisermos evitar pelo menos alguns. E temos de reduzir nossas emissões de
forma drástica e imediata para que as perdas econômicas não fiquem ainda
maiores na segunda metade do século”, afirmou em comunicado Leonie Wenz, uma
das autoras do estudo.
A pesquisa não pretende ser definitiva e
ainda será debatida no meio científico. Sua contribuição está em chamar a
atenção para a questão, não em ser um retrato fiel do mundo em 2050. Quanto
mais potente o conjunto de estudos sobre os efeitos do aquecimento global,
maior a chance de combater o que psicólogos sociais chamam de “desconto do
futuro” (a dificuldade de atribuir o mesmo nível de realidade ao futuro que ao
presente). Isso explica por que muitos não gostam da ideia de sacrifício hoje
em troca de recompensa no amanhã. Como diz o sociólogo britânico Anthony
Giddens, a política da mudança climática precisa lidar com um paradoxo. Como os
piores efeitos ainda não são tangíveis, as previsões parecem irreais. Mas, se
esperarmos para agir quando se tornarem realidade, será tarde demais.
Greve expõe distorções nas universidades
Folha de S. Paulo
Governo tem gasto elevado no ensino superior,
mas recursos são engessados e corporativismo abafa debate sobre cobrança
Greves de professores foram corriqueiras por
décadas nas universidades federais. O sindicato da categoria conta 21 delas
entre 1980 e 2016, o que corresponde a mais de uma a cada dois anos. Sete se
prolongaram por mais de 100 dias.
Chama a atenção a inexistência de movimentos
do tipo sob Jair
Bolsonaro (PL), o que provavelmente se deveu ao temor
compreensível de represálias por parte de um governo ideologicamente hostil à
academia. Fato é que os
docentes voltaram a cruzar os braços neste 2024 em grande parte
das instituições federais de ensino.
É notável o contraste entre essa insatisfação
crônica —que vai de salários a verbas para custeio e investimentos— e o elevado
gasto governamental no setor.
Segundo os dados mais recentes da OCDE,
que reúne países mais desenvolvidos, a despesa anual por aluno nas
universidades públicas do Brasil chega a US$
14.735, bem próxima à média da entidade, de US$ 14.839, em valores
ajustados pelo poder de compra das moedas.
O Orçamento da União destina neste ano R$ 64
bilhões a 69 universidades e seus hospitais. Trata-se de um aparato que passou
por grande expansão em administrações petistas anteriores, a ponto de seus
professores e técnicos administrativos somarem hoje mais da
metade dos servidores civis do Poder Executivo federal (237,2 mil de um total
de 443,5 mil).
Esse gigantismo amplifica distorções de um
modelo custoso, de baixo incentivo à eficiência e socialmente injusto ao
beneficiar estratos mais ricos da sociedade.
Os problemas mais visíveis começam pelo
engessamento dos recursos. Tome-se por exemplo a UFRJ, a maior das federais: de
sua dotação de R$ 3,736 bilhões neste ano, R$ 3,159 bilhões (84,6%) são
despesas obrigatórias com pessoal —e destas, R$ 1,331 bilhão vai para
aposentados e pensionistas.
Com o alcance exagerado da estabilidade no
serviço público, nem mesmo é possível demitir por mau desempenho nas
instituições. Privilégios previdenciários dos servidores, embora reduzidos em
reformas dos últimos anos, ainda vão onerar a rede por muito tempo. Sobra pouco
para despesas administrativas, obras e equipamentos.
As universidades públicas ganhariam não só
com uma política de pessoal mais flexível mas também com um sistema de
financiamento que incorporasse recursos privados, em particular dos estudantes
mais abonados. Faz falta ainda uma avaliação mais rigorosa do aprendizado.
Esse debate é rechaçado pelo corporativismo
acadêmico, que aposta tudo na pressão sindical. Assim não haverá dinheiro que
baste.
Obstáculos à vista
Folha de S. Paulo
Projeção de médio prazo do FMI preocupa;
Brasil precisa se preparar para desafio
Mesmo com desafios econômicos e tensões
geopolíticas, as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional
sugerem alguns avanços no curto prazo.
A instituição elevou para 3,2% anuais a
expectativa de expansão da atividade global para 2024 e 2025, ao passo que
continua a indicar redução gradual da inflação para
2,4% até o final do ano que vem.
Trata-se de estimativa auspiciosa,
impulsionada notadamente pela melhor perspectiva para os Estados Unidos e
alguma revisão de alta para mercados emergentes. No caso brasileiro, o fundo
espera que o PIB cresça 2,2% neste ano —0,7 ponto percentual a mais que antes.
Não há que se contentar, entretanto, com tais
números. Primeiro porque há declínio considerável ante a média de 3,9% anuais
observada no período 2000-2019, o que indica redução de dinamismo.
Mas é o cenário para os próximos cinco anos e
adiante que inspira preocupação. Segundo o FMI, a taxa de
crescimento potencial da economia mundial
será de apenas 2,8% em 2030, patamar que provavelmente dificultará a
continuidade do processo de redução de desigualdades, tanto no âmbito doméstico
como entre países e regiões.
Com o
envelhecimento da população, a força de trabalho crescerá
bem menos no futuro. Outros obstáculos, como alto
endividamento dos governos, que eleva os custos de financiamento,
também devem impactar investimentos.
Há tendência de aprofundamento das diferenças
entre nações. Fatores como qualificação de mão de obra, regulação de mercados
que favoreça concorrência, uso eficiente de recursos e capacidade de mobilizar
positivamente a inteligência artificial serão críticos.
Tais temas, contudo, não estão no centro do
debate brasileiro, que continua dominado por emergências conjunturais e falta
de visão política. O governo atual, assim como anteriores, não se propõe a
formular estratégias contínuas e de longo prazo.
Qualificar mão de obra, impulsionar o setor do trabalho, reduzir ineficiências regulatórias, fomentar abertura e concorrência nos mercados, sem falar no essencial ajuste fiscal, são só algumas das iniciativas necessárias para preparar o país para os desafios vindouros.
O atraso que une governo e oposição
O Estado de S. Paulo
Governo sinaliza apoio à PEC de senadores
bolsonaristas que fixa porcentual mínimo de gastos com Defesa, podendo agravar
uma distorção da democracia: o engessamento do Orçamento
O governo do presidente Lula da Silva deu sinais de que pode apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trava ainda mais o Orçamento. De autoria do senador bolsonarista Carlos Portinho (PL-RJ), a PEC fixa um porcentual mínimo para destinação de recursos para a Defesa – 1,2% do Produto Interno Bruto no primeiro ano de vigência, com aumentos anuais até chegar a 2%. Estivesse em vigor, a chamada PEC da Defesa teria elevado o Orçamento da pasta para 2024 dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8 bilhões.
Já se sabe que Lula está ansioso para agradar
às Forças Armadas e reconquistar a confiança dos militares, mas colaborar para
engessar ainda mais a peça orçamentária é um péssimo caminho. A bem do País, o
presidente deveria direcionar seus esforços no sentido diametralmente oposto,
vale dizer, trabalhar por um Orçamento cada vez menos travado. Afinal, essa é
uma distorção que, a um tempo, reduz sensivelmente a discricionariedade do
próprio chefe do Poder Executivo federal e, o que é ainda pior, abastarda a democracia
representativa ao interditar o debate público sobre a destinação dos recursos
dos contribuintes. Obviamente, não se pode falar em debate algum quando o
Orçamento já nasce com 90% dos recursos comprometidos com gastos obrigatórios e
apenas 10% destinados aos chamados gastos discricionários.
Convém lembrar que “o Orçamento é o coração
da democracia”, como bem sintetizou o ex-presidente do Banco Central Gustavo
Franco em uma de suas colunas publicadas por este jornal (O Orçamento público e
a democracia, 28/11/2021). De fato, poucos atos da vida coletiva expressam com
mais vivacidade a essência do regime democrático do que a discussão pública
sobre os múltiplos desejos da sociedade e, principalmente, sobre os meios para
materializá-los na peça orçamentária. Mais bem dito: uma democracia só estará
plenamente consolidada quando a sociedade for livre e madura o bastante para
elencar, por meio de seus representantes, as grandes prioridades nacionais,
tendo como norte o bem comum. Em que pese o valor de cada um dos interesses
sociais em jogo no debate público, dinheiro não brota do chão e, portanto,
escolhas precisam ser feitas.
Deveria ser ocioso enfatizar que Lula da
Silva – ou qualquer presidente –, a rigor, não tem de conquistar a simpatia ou
a confiança dos militares, e sim manter com eles uma relação republicana e
institucional. Portanto, as discussões sobre um eventual aumento de recursos
para a Defesa deveriam se dar em razão das necessidades específicas do setor e
em contraste com as necessidades de outros setores – porque, convém recordar, o
dinheiro público é finito.
Ademais, no momento em que o próprio governo
federal se vê em dificuldades para fechar as contas públicas, haja vista a
recente revisão das metas de resultado primário para os próximos anos, é no
mínimo contraditório, para não dizer temerário, expressar esse apoio a uma PEC
que só tende a agravar a situação fiscal do País.
Não se discute aqui o mérito das demandas
orçamentárias das Forças Armadas, assim como decerto são valorosos os pleitos
por mais investimentos nas pastas da Saúde e da Educação, ou do Turismo, ou da
Cultura – sempre haverá bons argumentos para investir em todas essas áreas e em
tantas outras. A grande questão é que à sociedade não é dado nem sequer
discutir essas alocações orçamentárias, uma vez que boa parte do dinheiro já
está carimbada. Ao invés de contribuírem para a reversão desse cenário, governo
e oposição se unem para agraválo ainda mais.
Com um Orçamento comprometido de forma
avassaladora com os gastos obrigatórios – como o pagamento de salários do
funcionalismo público, pensões e aposentadorias, além de benefícios sociais e
privilégios setoriais que se perpetuaram ao longo do tempo –, sobra quase nada
para a sociedade decidir onde e como investir. Ou seja, para definir melhor o
seu próprio futuro.
O antilavajatismo e o neolavajatismo
O Estado de S. Paulo
A Justiça deveria estar empenhada em separar
o joio do trigo. Mas, como se viu no CNJ, instâncias superiores estão imbuídas
do mesmo messianismo justiceiro que corrompeu a Lava Jato
A Lava Jato desbaratou o maior esquema de
corrupção de que se tem notícia no Brasil e, ao fazê-lo, restaurou na população
a confiança – ou ao menos a esperança – de que ninguém está acima da lei, por
maior que seja seu poderio político e econômico. Mas, ao se colocarem acima da
lei e empregarem meios ilícitos para atingir seus fins, os próprios
protagonistas da operação dilapidaram esse legado.
Intoxicada por um frenesi salvacionista, a
Lava Jato se autoconferiu uma espécie de competência universal de combate à
corrupção. As ilegalidades contaminaram a operação como uma metástase:
conduções coercitivas e prisões preventivas arbitrárias; linchamentos públicos
baseados em meras denúncias e delações; vazamentos seletivos; relações
promíscuas entre juízes e procuradores; condenações sem provas e mais uma longa
ficha corrida. O messianimo punitivista inflamou uma histeria antipolítica:
todo político passou a ser visto como um corrupto em potencial; todo crítico,
como cúmplice da corrupção. Assim, ao punir corruptos, a Lava Jato elevou a
Justiça; ao justiçar políticos, o lavajatismo a desmoralizou.
Uma década após o início da operação, as
instituições republicanas, em especial a Justiça, deveriam estar imbuídas da
missão de separar o joio do trigo; debelar o câncer e restaurar o corpo. Mas
não é o que se está vendo. Insufladas pelos ventos políticos, inflamadas por um
ânimo revanchista, instâncias superiores da Justiça estão cometendo
arbitrariedades a pretexto de combater arbitrariedades. São os mesmos métodos,
o mesmo narcisismo, o mesmo maniqueísmo, o mesmo jacobinismo, mas agora com o
sinal trocado. O antilavajatismo converteu-se em um neolavajatismo.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por
exemplo, que por anos validou a operação, agora se empenha em fazer terra
arrasada dos acordos e delações de criminosos confessos.
O capítulo mais recente é o julgamento no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o emprego dos recursos oriundos de
acordos de colaboração e leniência. A Corregedoria acusa a juíza Gabriela
Hardt, substituta de Sergio Moro, de uma “gestão caótica” do dinheiro e um
“conluio” para alocá-lo conforme o “interesse exclusivo da força-tarefa”. Um
juiz e três desembargadores são acusados de descumprir decisões do STF ao
anularem decisões do juiz Eduardo Appio, que assumiu a Lava Jato, revertendo
decisões de Moro.
São acusações plausíveis, que serão
devidamente julgadas pelo plenário. Mas não é preciso entrar no mérito para
reconhecer a desproporção e a arbitrariedade das medidas tomadas pelo
corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão. Na segunda-feira, um dia
antes do julgamento, Salomão afastou monocraticamente os juízes e
desembargadores.
A Associação dos Juízes Federais reagiu
prontamente, apontando que o alijamento é medida de última instância que
pressupõe “motivos de natureza extremamente grave” e “contemporaneidade aos
fatos”, “situações que não se verificam no caso em debate, já que os fatos
imputados dizem respeito a matéria jurisdicional, cuja correção se dá através
das instâncias recursais, e não por reprimenda correicional, sob pena de ofensa
à independência do Poder Judiciário”.
Mesmo o presidente do STF e do CNJ, ministro
Luís Roberto Barroso, um juiz conhecido por sua retórica contemporizadora, às
vezes até melíflua, reagiu com palavras duras. Segundo ele, o afastamento foi
medida “ilegítima, arbitrária e desnecessária”, lembrando que ela exige uma
decisão colegiada ante faltas graves inequivocamente comprovadas. “Se
chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, senão uma perversidade.”
Ao fim, o plenário reverteu a suspensão dos dois juízes, mas manteve a dos
desembargadores.
A vontade de vendeta é indisfarçável. Há
pouco tempo, o presidente Lula revelou que quando recebia procuradores na
carceragem da Polícia Federal de Curitiba costumava dizer: “Só vai estar tudo
bem quando eu f... esse Moro”. Ao que parece, não é o único a nutrir desejos
inconfessáveis, não só em relação a Moro, mas a qualquer um que tenha relação
com a Lava Jato.
Uma falha inaceitável
O Estado de S. Paulo
Poder público reduziu em 83% a contratação de
agentes antidengue quando epidemia se avizinhava
Prevista desde meados do ano passado como
desafio maior de saúde pública do último verão, a epidemia de dengue deixou até
agora mais de 3,3 milhões de infectados e uma extensa relação de negligências
do poder público. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES) indicam que, em 2023, apenas 822 novos agentes comunitários de endemias
(ACEs) foram contratados para atuar na linha de frente do combate ao mosquito
Aedes aegypti pelo conjunto dos 5.568 municípios do País. No ano anterior, quando
não se vislumbrava crise sanitária tão grave, mais 4.313 haviam entrado em
ação. Os números estampam a mais recente omissão das autoridades de Saúde
conhecida até o momento.
Desde o grande surto de dengue de 2001,
epidemiologistas enfatizam que o controle do ciclo natural do Aedes aegypti –
transmissor também de febre amarela, do zika vírus e da chikungunya – é o
principal meio de evitar os contágios. O combate à proliferação do inseto
sempre exigiu esforços diretos dos municípios que, como bem dizia o
ex-governador paulista Franco Montoro, “é onde as pessoas moram”. Mesmo os
economicamente inviáveis não teriam justificativas para negligenciar a tarefa,
visto que os salários de atuais e novos ACEs são cobertos pelo Ministério da
Saúde.
Nesse sentido, a queda de 83,3% na
contratação dos agentes entre 2022 e 2023 parece ter sido ignorada pelo
Ministério da Saúde, assim como o grau de desconhecimento das prefeituras sobre
a grave epidemia que se avizinhava. Em teoria, nenhuma autoridade local se
omitiria no campo da saúde pública em ano de eleições municipais, como é o de
2024. Além da pulverização de inseticida e da inspeção de residências e áreas
comuns, o trabalho dos ACEs é imprescindível para impedir o avanço da dengue e
das demais arboviroses, especialmente quando o País ainda se encontra distante
de imunização universal contra a dengue.
Ao curto-circuito na informação prévia de
gestores municipais sobre o cenário de epidemia no verão, somou-se o corte de
verbas do Ministério da Saúde à propaganda de alerta à cidadania. Em meados de
2023, os principais centros de pesquisa meteorológica e climática do mundo
previram um verão com temperaturas alarmantes no Hemisfério Sul por causa do
fenômeno El Niño. Calor é sinônimo, entre outros, de proliferação do Aedes
aegypti. No entanto, somente em novembro a pasta divulgou nota sobre “a
possibilidade de uma epidemia de maiores proporções que as já documentadas na
série histórica do País”.
O Ministério da Saúde pode não ter se mantido totalmente omisso, como demonstram suas ações para manter estoques adequados de medicamentos contra a doença e os repasses de recursos para a vigilância sanitária de Estados e municípios no fim de 2023 e no início deste ano. Mas, diante das 1.457 mortes por dengue confirmadas até o último dia 17 – outras 1.929 continuam em investigação –, será difícil validar sua atuação como eficaz. A epidemia certamente custaria menos vidas se houvesse maior coordenação do ministério com os municípios. Inaceitável, tal falha não pode mais se repetir.
Compromisso com equilíbrio fiscal é dever
conjunto
Valor Econômico
Executivo como um todo, não apenas, e o
Legislativo precisam, de forma definitiva, abraçar a cartilha de equilibrar as
contas, possibilitando o avanço do ambiente de negócios do país
Com a volta da instabilidade nos mercados, as
incertezas fiscais no Brasil ganharam peso relativo maior na avaliação de curto
prazo dos investidores. A mudança para pior das metas fiscais - mudança à qual
o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria precisado ceder - compôs, com as
incertezas externas, os motivos pelos quais o dólar se valorizou, os juros
futuros subiram e as ações caíram bastante nos últimos dias. É nesse ambiente
que uma repentina coleção de “pautas-bomba” do Legislativo, capazes de explodir
o já frágil novo regime fiscal, surgiu e terá de ser desarmada. Portanto, o
Executivo como um todo - não basta apenas a iniciativa de Haddad - e o
Legislativo precisam, de forma definitiva, abraçar a cartilha de equilibrar as
contas, possibilitando o avanço do ambiente de negócios do país.
A fragilidade da base do governo estimulou o
apetite de líderes políticos aliados, ou não. Uma das mais danosas iniciativas
partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de restabelecer o
quinquênio - aumento de 5% dos vencimentos a cada 5 anos de serviço - para a
elite do funcionalismo público, em PEC já aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça. Coube ao relator Eduardo Gomes, do oposicionista PL,
estender o direito para bem além da magistratura, Ministério Público e
Defensoria Pública, ampliando-o para Tribunais de Contas federais e dos Estados
e Polícia Federal.
A fatura fiscal é pesada, estimada em R$ 40
bilhões, mas os danos políticos são igualmente grandes. Servidores federais
realizam protestos há semanas por reajustes salariais, negados pelo Executivo
com a boa razão de que não há dinheiro sobrando - ao contrário. As demandas
salariais podem se tornar incontornáveis se a elite no topo da hierarquia
salarial receber mais um entre seus inúmeros privilégios, que tornam o
Judiciário brasileiro um dos mais caros do mundo.
A justificativa de Pacheco para a PEC é ruim.
A alegação de que os salários iniciais da carreira já quase se igualam aos do
topo de longevos funcionários é uma disfunção que permeia todo o serviço
público, e um dos meios de combatê-la é a reforma administrativa. A PEC vai a
plenário em dois turnos e, se aprovada, segue para idêntico ritual na Câmara.
Pacheco, em campanha pelo governo mineiro,
entrou na negociação de Minas, Rio Grande do Sul, Goiás e Rio de Janeiro, os
Estados mais endividados, fora São Paulo, para obter desconto nos juros e
abatimento no estoque dos débitos. A proposta, se aceita, é quase um presente
da União a esses Estados - redução dos juros para IPCA mais 1% (hoje mais de
4%), federalização de estatais estaduais e, depois disso, corte de 50% no
restante das dívidas. Ao não colocar suas contas em dia, sem deixar de conceder
aumentos salariais, esses Estados querem se remunerar a uma taxa que nem a
União, que assumiu suas dívidas, consegue. O Tesouro se endivida hoje pagando
IPCA mais 5% a 6% ao ano. Seriam um prêmio e um alívio que os incentivariam a
empilhar dívidas novamente, à espera de novo socorro.
O governo tem outros assuntos pendentes no
Legislativo que podem lhe custar bilhões. Os vetos à prorrogação dos incentivos
ao programa de recuperação ao setor de eventos - há negociação em curso para
que abatimentos se reduzam a R$ 5 bilhões por ano nos próximos três anos, mas o
que foi aprovado pelo Congresso não prevê restrição - e à redução do
recolhimento da previdência de municípios até 156 mil habitantes - a Fazenda
tenta reduzir o número de beneficiários e o desconto, fixando-lhe prazos -
ainda não livraram o Executivo da possibilidade de derrotas. Outro veto, a R$
5,6 bilhões em emendas de comissão, é objeto de barganha, com o Congresso dando
em troca antecipadamente ao Executivo a autorização para gastos de R$ 15,7
bilhões, que só viria, se viesse, depois de maio.
Além disso, o Congresso quer mais rapidez na
liberação de emendas em ano eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira, não
recebe mais o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para
discutir nenhum assunto. E um decreto do Executivo determinou, como é próprio,
que o ministro receba os pedidos de recursos antes de que eles sejam
endereçados aos ministérios, o que hoje não está ocorrendo. Lira não quer
perder nenhum poder, para garantir que terá peso na escolha de seu sucessor, e
vê no governo, com ou sem razão, tramoias para reduzir sua influência em fim de
mandato.
A orientação do governo, de dar sinal verde
ao aumento de gastos, de obras e de crédito, estimulou o aumento de
reivindicações a serem satisfeitas pelos cofres públicos. Ao aumentar a
arrecadação e evitar cortar gastos, atraiu a cobiça de parlamentares, Estados e
municípios, criando a falsa impressão de que não há limitação de recursos.
Partiu do governo, por exemplo, a ideia de nova e nociva vinculação de despesas
do Orçamento, para garantir os investimentos em Defesa.
Diante da piora evidente do cenário externo, com a insegurança no Oriente Médio e as dúvidas sobre quando o Fed, o banco central americano, começaria a cortar juros, o Executivo e o Congresso deveriam se unir em torno da necessidade de conter as despesas, afiançar o compromisso com o equilíbrio fiscal e recuperar expectativas de que as contas públicas não corram risco de descontrole.
Iniciativas para pensar a educação
Correio Braziliense
Diante de uma história de negligências, o
gosto pelo ensino no Brasil precisa urgentemente ser estabelecido como rota
para o desenvolvimento
Nesta semana, de hoje a quinta-feira, a
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) reúne, em Natal
(RN), 165 estudantes de todo o país para o Encontro do Hotel de Hilbert —
paradoxo do infinito apresentado pelo alemão David Hilbert, em 1925. Durante os
quatro dias, meninos e meninas do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do
ensino médio de instituições públicas e privadas participarão de gincanas,
aulas e palestras, além da resolução de problemas — as melhores soluções serão
apresentadas aos colegas e professores. O evento pode até parecer irrisório,
porém é um exemplo de incentivo à educação, uma vez que vai além do
aprendizado.
Os desafios que o grupo terá pela frente
nessa imersão começaram a ser desvendados nas salas de aula. O caminho que
levou os alunos ao evento, que está em sua 9ª edição, partiu do esforço de cada
um deles. Mas, no panorama coletivo, a iniciativa representa a oportunidade de
incentivar os jovens a se dedicarem ao aprimoramento dos estudos. Derrubar
barreiras e debater temas, ampliando o conhecimento científico dos
participantes e preparando-os para um alto desempenho profissional, são as
propostas da iniciativa e que devem ser multiplicadas.
Diante de uma história de negligências, o
gosto pelo ensino no Brasil precisa urgentemente ser estabelecido como rota
para o desenvolvimento. As marcas de um percurso de avanços e retrocessos
travam as conquistas pessoais e da sociedade. Em diversos segmentos, a
impressão que passa é de que o país poderia estar em uma posição muito melhor
se a educação fosse entendida como prioridade.
Políticas públicas não faltam. No entanto, a
própria implantação e continuidade adequada deixam a desejar na maioria das
situações. Desde o Plano Nacional de Alfabetização, elaborado por Paulo Freire
para ensinar a escrita a adultos, e oficializado em 1964, só que encerrado
menos de três meses depois por causa do golpe militar, são inúmeros os casos de
projetos que ficaram pelo caminho.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) de 2023, organizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), mostram que o Brasil conta 9,3 milhões de analfabetos. O
levantamento ainda aponta que 46% da população não tem escolaridade básica
completa. São números extremamente comprometedores. Se a realidade dos adultos
é preocupante, a situação que envolve crianças e adolescentes também apresenta
elevada gravidade. Hoje, não bastassem os problemas de décadas seguidas, os efeitos
colaterais da pandemia da covid-19 pioraram o quadro.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para
a Infância (Unicef), a proporção de crianças de 7 anos que não sabiam ler nem
escrever saltou de 20% para 40% de 2019 para 2022. Situação similar à de
crianças de 8 anos: de uma taxa de 8,5%, em 2019, houve elevação para 20,8%, em
2022. Para as crianças de 9 anos, a estatística cresceu de 4,4% para 9,5%, de
2019 para 2022. Sinais de alerta para todos. Afinal, a leitura é o ponto de
partida para o universo do aprendizado.
As dificuldades que permeiam a educação são
gigantes, mas não podem ser paralisantes. Fazer os jovens chegarem à OBMEP, e
em muitas outras ações do tipo, precisa estar no topo das prioridades. A
negligência na educação destrói os sonhos individuais e da nação. Não é
possível alcançar o sucesso em nível nacional sem que a maioria da população
passe com eficiência pelas páginas dos livros.
Cabe refletirmos sobre quais saídas devem ser encontradas para a melhoria da educação. O Brasil tem que desatar os nós dos níveis fundamental ao superior. São inúmeros fios interligados que desenrolam em várias questões, mas também em possibilidades diversas. Corrigir os erros, mergulhar nos acertos e progredir são metas a serem cumpridas pela sociedade. Tratar o ensino com respeito e seriedade é a lição.
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