- Folha de S. Paulo
Em Davos, Paulo Guedes adotou o arcaico discurso sobre a incompatibilidade entre crescimento e preservação ambiental
Na mesma semana em que o Fórum Econômico Mundial, reunido em Davos, colocou a crise ambiental no centro de sua agenda, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) de Basileia chamou a atenção dos bancos centrais para o imperativo de se prepararem para os graves prejuízos financeiros certamente provocados pelas catástrofes climáticas que se avizinham.
A discussão não é nova. Em 2006, o Relatório Stern, que levou o nome do economista e parlamentar que presidiu uma comissão criada pelo governo britânico sobre o aquecimento global, estimou pela primeira vez as perdas econômicas dele resultantes —demonstrando serem bem maiores que os custos de evitá-lo.
À época, o impacto do trabalho se restringiu a especialistas e militantes da causa ecológica. Desde então, porém, a rapidez da degradação ambiental e o acúmulo de evidências científicas sobre suas causas e seu alcance mudaram os termos do debate e multiplicaram o número de pessoas e organizações internacionais nele envolvidas.
O tema do momento deixou de se limitar à proteção dos recursos naturais ainda não destruídos pela ação humana. Passou a conceber a organização de uma economia chamada de baixo carbono, muito menos dependente de combustíveis fósseis. Ou seja, além de recorrer a fontes limpas de energia e explorá-las de forma responsável, reestruturar as cidades, os sistemas de transporte, a construção de moradias, a produção e o consumo de alimentos —em suma, um novo modo de viver.
Não por acaso, na recém-iniciada campanha eleitoral deste ano nos Estados Unidos, entrou em cena a ousada ideia um “novo acordo verde” (Green New Deal) —um conjunto de políticas públicas capazes de promover a inclusão social por meio de uma economia ambientalmente sustentável. Planos semelhantes têm mobilizado governos europeus.
Mudanças desse porte decerto envolvem empresas privadas, agências estatais, partidos políticos e organizações da sociedade. Antes de tudo, há que ter governos que pensem o futuro, coordenem os diferentes interesses e criem incentivos capazes de mudar cálculos empresariais e comportamentos das pessoas comuns.
Essa foi a pauta que movimentou o Fórum de Davos, à qual o Brasil ficou vergonhosamente alheio. Com a estreita pretensão de “vender” o Brasil aos investidores e um arcaico discurso sobre a incompatibilidade entre crescimento e preservação ambiental, o ministro Paulo Guedes se comportou no resort suíço como o turista estrangeiro sem noção de ridículo que pisa na areia de Copacabana com sapato de couro e meias três quartos.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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