segunda-feira, 27 de junho de 2011

Renúncias fiscais de Cabral vão de boate a cabeleireiro

Benefícios tiraram R$ 50 bilhões do Estado do Rio nos últimos quatro anos

Valor, utilizado para incentivar a atividade de empresas, equivale à metade da arrecadação tributária no período

Italo Nogueira e Marco Antônio Martins

RIO - Entre 2007 e 2010 cerca de 5.000 empresas deixaram de recolher R$ 50 bilhões aos cofres do Estado porque obtiveram renúncia fiscal do governo Sérgio Cabral (PMDB).

Dados da Secretaria Estadual de Fazenda mostram que boates, motéis, mercearias, padarias, postos de gasolina e cabeleireiros foram beneficiados.

O montante da renúncia cresceu 72% em 2010, em relação a 2007. Os R$ 50 bilhões já são mais do que a metade do valor da receita tributária que foi de R$ 97 bilhões no mesmo período.

Uma das empresas que se beneficiaram é a Werner Coiffeur que, nos últimos anos, cuidou dos cabelos da primeira-dama Adriana Ancelmo e do governador. A renúncia chegou a R$ 336 mil.

Com base em uma lei criada pelo ex-governador Marcello Alencar para incentivar produtores de cosméticos, Cabral ampliou os benefícios para varejistas que encomendam produtos capilares e estão incluídos no Simples da Receita Federal.

A Folha identificou outros quatro cabeleireiros na listagem. Somados, os descontos não chegam a R$ 10 mil. Em nota, a rede Werner informou que não usufrui de nenhuma vantagem específica.

Outras empresas pouco convencionais aproveitam-se dos descontos. É o caso de duas boates na zona sul do Rio, Termas Monte Carlo e Termas Solarium. A primeira tem fotos de camas e banheiras em sua página na internet. A outra oferece "discrição", saunas e massagens.

Elas tiveram isenções de R$ 109 mil e R$ 316 mil, respectivamente, com base em decreto voltado a estabelecimentos de alimentação como lanchonetes, restaurantes, casas de chá e até danceterias. Essa foi a brecha usada.

"Esse processo que relaciona a geração de empregos às custas do dinheiro fiscal me preocupa. Esse dinheiro não entra nos cofres públicos e quem financia tudo isso é o cidadão", diz João Eloi Olinike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Segundo ele, ao renunciar a uma arrecadação, o governo deve ter como base a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso significa não comprometer a receita e apresentar um projeto que justifique a redução dos ganhos do Estado.

A Secretaria Estadual de Fazenda deu a lista de beneficiários ao deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), após requerimento enviado ao secretário Renato Villela.

À Folha a secretaria informou que está impedida de informar dados específicos de contribuintes. Freixo considera as informações da lista "absurdas".

Governo diz que há critérios que permitem os benefícios

A Secretaria Estadual de Fazenda do Rio informou que, por ordem do Código Tributário Nacional, é obrigada a respeitar o sigilo fiscal, razão pela qual é impedida de dar informações de contribuintes beneficiados.

Em nota, destaca que nos casos da rede Werner e das boates há critérios que, se cumpridos, dão direito automático aos benefícios.

A Werner Coiffeur diz que não usufrui de nenhum benefício exclusivo e que "qualquer tipo de redução de alíquota de imposto com relação a determinado produto, ou isenção fiscal, beneficia, indiscriminadamente, toda a categoria econômica. Em outras palavras, qualquer redução de impostos beneficia toda a sociedade, e não a empresa A, B ou C".

Dois representantes da Termas Sollarium, que pediram para não ser identificados, dizem que não têm acesso a benefícios fiscais, mas a um regime diferente de tributação, e que benefícios são usados apenas nos gastos do restaurante da boate, não nos outros serviços.

Já o gerente da boate Monte Carlo, Everton Rodrigues, informa que a casa funciona há 28 anos, está inscrita na Receita Federal e não recebe nenhum benefício fiscal.

Oposição quer que favores se tornem crime

Dias após a tragédia que revelou a proximidade do governador do Rio, Sergio Cabral Filho (PMDB), com o empresário Eike Batista e o dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, a oposição quer criminalizar o recebimento de favores de quem tem negócios com o Estado.

O objetivo é fechar o cerco ao peemedebista. A legislação fluminense é omissa em relação ao tema. Isso deve dificultar os planos da bancada contrária a Cabral, que tem 21 dos 70 deputados estaduais.

A avaliação é que hoje não há normas para punir o governador por voar no jatinho de Eike ou se hospedar na casa de praia de Cavendish, que faturou R$ 133,7 milhões em contratos sem licitação com o Estado em 2010.

Os parlamentares querem imitar um decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002.

O texto impede as autoridades federais de "receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores" de pessoas interessadas em decisões do governo.

"Essas práticas são imorais, mas ainda não são ilegais no Estado do Rio", diz o deputado Marcelo Freixo (PSOL), que deve apresentar um projeto de lei amanhã.

"Os setores em que a EBX [empresa de Eike] atua têm muita interface com o poder público. Para Eike, é fundamental estar bem com o governo", diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper.

"Mas é difícil desvendar relações diretas entre as doações e os benefícios que o grupo recebe do governo."

Em 2010, Eike concentrou suas doações no Rio a políticos do PMDB, mas ajudou rivais na corrida presidencial. A soma de suas contribuições atingiu R$ 6 milhões, segundo o TSE.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO


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