Nestes momentos difíceis em que a presidente Dilma Rousseff mais ou menos joga o seu futuro, não faltam vozes para lembrar que o PT dispõe, para as eleições de 2014, se tudo o mais der errado, de uma bomba atômica: a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, como há poucos dias lembravam Raymundo Costa e Rosângela Bittar, em suas colunas. E sem dúvida esse é seu direito, como o de todo brasileiro maior de 35 anos que tenha o nome lançado em convenção partidária. Lula foi, nos últimos meses de seu governo, o presidente mais popular do Brasil, desde que esse quesito começou a ser avaliado, há coisa de meio século. Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, completou a obra a que se propôs: estabilizou a moeda, privatizou bom número de empresas estatais e assegurou uma transição calma ao primeiro presidente brasileiro de centro-esquerda. Mas obra completada quer dizer obra terminada - tanto assim que em 2006 o candidato de seu partido, Geraldo Alckmin, se comprometeu a não privatizar mais nenhuma joia da coroa estatal, como os Correios, a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa.
Lula, por sua vez, teve êxito em mudar a agenda política do país. Lembro que em 2002, após sua eleição, foi entrevistado no "Jornal Nacional". O casal de apresentadores interrogou-o demoradamente sobre como lidaria com a moeda e as finanças. Ao terminarem, Lula lhes perguntou: e a fome, a miséria, a pobreza? disso não se vai falar? Pois é. Esses temas entraram na pauta da política brasileira de maneira decisiva. Mesmo os críticos mais acerbos da Bolsa Família tiveram de ver o candidato que apoiavam, José Serra, prometendo na reta final da eleição de 2010 que aumentaria a bolsa e acrescentaria a ela uma 13ª mensalidade: as políticas acusadas de populistas vieram para ficar. Não há como um candidato se opor a elas, pelo menos no discurso. Soubemos recentemente que a pirâmide social tinha cedido a vez a um losango. Ou seja: tínhamos uma pirâmide, em que as classes A e B somavam, juntas, menos pessoas que a classe C, e esta tinha menos brasileiros que os pobres e miseráveis, pertencentes às classes D e E, que formavam a base da pirâmide. Já no losango, que representaria a nova estratificação social no Brasil, a classe C sozinha tem mais membros do que as duas classes mais ricas - e também que as duas classes mais pobres. Pelo menos 50 milhões teriam passado da pobreza para a classe média baixa. É certo que há críticas a essa representação, até porque leva em conta sobretudo o dinheiro ao dispor das pessoas e seu consumo, mais que a educação; mas um passo enorme foi dado.
O problema é que essa obra - que converge com a proposta da presidente Dilma, no sentido de constituir um "país de classe média" - demora a ser efetivada. Lula não a concluiu, nem poderia tê-lo feito. Daí que seu retorno ao poder seja viável. Ele ainda tem o que propor à sociedade brasileira. Some-se a isso a capacidade que demonstrou de comunicar e liderar, em especial na relação com os menos cultos, e temos um homem político que pode concorrer à Presidência e vencer, em 2014, quando terá 69 anos.
Mas, se Lula pode concorrer, essa opção traz muitos problemas, para ele e o PT.
O primeiro é que sua candidatura seria uma saída para o caso de Dilma não dar certo. Ora, se o governo dela for um insucesso, Lula não sairá ileso das críticas dirigidas à atual presidente, de quem foi fiador. Sua popularidade atual pode sofrer, até 2014. Três anos de problemas na política nacional poderão comprometer o PT como um todo, e não apenas a atual mandatária.
O segundo problema diz respeito à biografia do próprio Lula. Ele deixou a Presidência muito bem avaliado. Só a história fará o balanço, mas hoje seria difícil tirar dele o galardão de ter sido um de nossos melhores governantes, porque soube equilibrar as finanças, a economia e a inclusão social. Num país marcado por tanta injustiça e desigualdade social (FHC: "O Brasil não é um país pobre, é um país injusto"), ele se empenhou seriamente em reduzir esses problemas. Ora, o que seriam um terceiro e quarto mandato seus? Não estaria seguro de que, em novas circunstâncias, seu desempenho e popularidade se manteriam. Lula poderia perder seu encontro marcado com a história. Isso pode parecer pouco, a quem pensa segundo a realpolitik, mas não é. Em suma, Lula teria pouco a ganhar e muito a perder.
Finalmente, por paradoxal que seja, um retorno de Lula à Presidência pode significar o fim do Partido dos Trabalhadores. Se o PT, fundado em 1980, se aproximar dos 40 anos sem conseguir se emancipar da sombra de Lula, mostrando-se incapaz de gerar outros líderes que possam disputar a Presidência da República, o partido poderá cerrar as portas. Lembremos que, bem no começo da campanha de 2010, Lula afirmou que ainda estaria presente na eleição: "Meu nome agora é Dilma", disse. Essa redução de uma pessoa diferente, a primeira mulher a presidir o país, a um pseudônimo de Lula foi decisiva para impeli-la à vitória - mas será um desastre se não der lugar a uma personalidade autônoma, ainda que leal aos ideais dele. Além disso, com a liquidação de todo um grupo de líderes petistas no episódio do "mensalão", e com os principais líderes remanescentes se aproximando nos próximos anos de uma idade que pode torná-los pouco competitivos para a Presidência, o PT precisa garantir a capacidade política da presidente que elegeu e de novos nomes para que, em 2018 ou já em 2014, concorram a sua sucessão. E o melhor, mesmo, é que ela supere a atual crise e consolide sua imagem na Presidência.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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