segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Brasil e o terrorismo:: Marco Antônio Tavares Coelho

No mês de abril último, a mídia deitou e rolou sobre o caso de Osama bin Laden. No entanto, poucos foram os comentários a respeito das opiniões no Brasil sobre o terrorismo. Apenas de raspão houve referências ao apoio, direto ou indireto, de personalidades brasileiras às Farc da Colômbia e o respaldo a países que abertamente apoiam o terrorismo como meio de luta contra os EUA e os países da Otan.

Em certos comentários foram mencionadas declarações favoráveis do ex-presidente da República, Lula da Silva, a países que combatem os norte-americanos com ações claramente terroristas. (Os casos da Líbia e do Irã foram os mais notórios.) Na verdade, Lula sempre vacilou entre uma simpatia aos que praticam atos terroristas e a conveniência de não assumir uma clara oposição aos Estados Unidos e seus parceiros. Portanto, Lula “navegou” entre as correntes que pressionam os governantes brasileiros, ora num sentido, ora em outro. Enfim, uma concordância favoravelmente discreta diante de ações terrorismo no plano mundial.

No que se refere à presidente Dilma Rousseff, até agora ainda não assumiu uma posição clara e consequente sobre a questão. Atribui-se essa atitude ao dado compreensível de pretender não destoar da herança que recebeu da política de Lula. Então, até agora ela também ora dá uma martelada no cravo, ora assume posição diversa.

Assim, é interessante pesquisar por que o Brasil continua na dubiedade em relação ao terrorismo, quando a vida vai impondo uma atitude nítida, pois esse tema tornou-se, infelizmente, um problema internacional prioritário. Ou seja, é de pouca valia girar em torno das inconsequências dessa ou daquela personalidade, pois envolve a recorrência a uma velha polêmica na realidade internacional e brasileira. Controvérsia acirrada que se espraia nas realidades nacionais, sobretudo quando nesse ou naquele país há situações de perplexidade.

Sem pretender um exame internacional aprofundado do tema, recorde-se apenas o intransigente repúdio de Marx às teses dos seguidores do anarquismo (quase sempre incorporando ações terroristas), que então grassava por vários países com maior ou com menor força, em consequência de variados fatores.

Geralmente a adesão a práticas terroristas tem uma nítida tendência a ultrapassar as fronteiras de um país, como uma curiosa demonstração da globalização na vida política. É indiscutível, portanto, que a adesão a práticas terroristas ganha apoio além das fronteiras desse ou daquele país quando se aguçam pleitos nacionais, étnicos, religiosos ou tão só tribais. Na maioria dos casos, o recurso ao terrorismo nunca foi uma atividade restrita no âmbito de um combate contra a arbitrariedade localizada num determinado país, ou como um ataque à repressão num país a minorias nacionais oprimidas.

Ao mesmo tempo, a maior adesão a práticas terroristas tem um terreno fértil quando os que governam recorrem a regimes arbitrários, sem o mínimo respeito a normas democráticas de convivência. No entanto, essa não é uma regra geral, porque, quando a arbitrariedade é assustadoramente eficiente, sem qualquer limite, as manifestações de terrorismo são esmagadas. (Aí está o acontecido no nazismo e nos dias de chumbo do regime stalinista.) De qualquer forma, esse dado permite-nos asseverar que um regime de caráter democrático é a melhor vacina contra a expansão do terrorismo, pois lhe retira algumas justificativas diante da população.

Dados novos sobre o terrorismo

O fato decisivo e fundamental é que a ação terrorista é internacional, assumindo o caráter de uma luta contra uns poucos países que massacram dezenas de povos e nações. O grande adversário no momento são os Estados Unidos, o Grande Satã, como definiram os fervorosos partidários da “Jihad”, a guerra santa de forças muçulmanas localizadas em vários países do Oriente Médio, da África, da Ásia, além de minorias árabes em países europeus e inclusive nos Estados Unidos. É certo que há elementos de ódio à pérfida Albion e ao colonialismo da França, ambos promotores mais desabusados do colonialismo no século 19. Felizmente foi uma opressão historicamente curta o acontecido nos países ocupados pelo eixo Berlim, Roma e Tóquio.

Em diversas situações eventos terroristas contribuem para gerar simpatia em favor dessa causa, notadamente quando ocorrem em países distantes ou naqueles em que são desconhecidas as consequências negativas desses procedimentos. Não por acaso é comum na televisão aparecerem visões favoráveis a protagonistas de atos terroristas em tempos remotos ou em regiões distantes. Mas também, não por acaso, embora já tenham passados dez anos desde a destruição das torres gêmeas em Nova York, nenhum produtor ou cineasta atreveu-se a “justificar” aquela loucura criminosa de 11 de setembro de 2001, que provocou um morticínio de três mil norte-americanos.

Examinando a posição dúbia dos governantes brasileiros não nos esquecemos do famoso libelo de Eduardo Prado — A ilusão americana —, lançado em 1883. Mas essa motivação tem uma relação direta com a política praticada no dia a dia pela administração que flui da Casa Branca e notadamente dos píncaros de Wall Street. Alguns de seus líderes, sem recorrer a um elenco de figurões, justificam nosso pé atrás diante dos EUA (notadamente os Bush) e só contribuíram para essa animosidade

Na verdade, só durante a fase que antecedeu a segunda guerra mundial e no curso da confrontação bélica teve início no Brasil uma visão favorável aos EUA. Mas, ao lado disso, é um dado indiscutível a admiração generalizada ao cinema e à música norte-americanas, sendo mesmo um fervor o culto entre nós pelo “jazz” e o “pop”. Cultivamos essa cultura — expressada num Marlon Brando, num Norman Mailer, num Armstrong —, considerando um dado marcante nesse panorama a presença de um Carter, um Clinton, e mantemos a esperança na plataforma de Barack Obama.

Não estendemos a análise desprimorosa dos EUA e o fato de abominarmos sua política aos que vivem naquele país, à gente alegre, inteligente e que se aglutina em centenas de ONGs sempre dispostas a ajudar os desafortunados existentes na grande maioria dos países. E inscrevo-me nas fileiras dos que pensam que o futuro do mundo está sendo jogado nos EUA, e para tanto é de fundamental importância estarmos atentos à gente norte-americana, à evolução de seu comportamento político, a fim de que possamos abrir caminhos para um acordo com setores progressistas e realmente democráticos dos Estados Unidos. (Entenda-se como tais os lá apresentados como “liberais”.)

Aos que se aferram à aversão zoológica aos Estados Unidos, digo que nas últimas sete décadas já presenciei mudanças radicais no cenário internacional, como a aliança antifascista, o que nos levou a prestar grandes homenagens a Franklin Delano Roosevelt, por ocasião de seus funerais. Por isso alertamos contra análises primárias e não proclamo qualquer tipo de subordinação ao Departamento de Estado. Pretendo apenas deixar clara a tese de que podem e devem acontecer mudanças básicas na realidade internacional.

A reação dos Estados Unidos

Assim, devemos ter os olhos abertos à realidade atual do grande país do norte, avaliando cuidadosamente os prenúncios do que ali está ocorrendo. Justificamos seu repúdio visceral ao terrorismo, embora discordando de algumas medidas tomadas no caso de bin Laden. Nesse clima depressivo são lamentáveis medidas inaceitáveis, como a execução sumária desse líder do terrorismo sem a audiência de um juizado internacional (nos moldes de realizado em Nuremberg) e a violação da soberania do Paquistão. Por isso, apoiamos o voto brasileiro na ONU de não endossar medidas bélicas agressivas propostas pelos EUA e os países da Otan.

Mas entendemos como um dado inarredável esse clima, que motiva uma mobilização profunda no cenário político desse país. Mobilização comparada ao revide ao Japão pelo ataque contra a frota naval ianque em Honolulu, fato que determinou a participação norte-americana na guerra mundial.

O terrorismo internacional trouxe um incalculável prejuízo às forças que dentro dos Estados Unidos se opõem às suas atividades belicistas e imperialistas. Daí, ao invés de batermos palmas aos terroristas e às nações que estimulam a expansão das armas nucleares, devemos combater sem dubiedade atos terroristas e a ação de alguns governos que, imersos no desejo de vingança contra o imperialismo norte-americano, não contribuem para uma mudança radical na situação do mundo.

Nesse quadro vê-se que a política dos EUA vai evoluindo num clima de crise econômica interna, com a perda de sua posição como superpotência incontrastável no mundo, desde que houve a falência da União Soviética e a difícil situação na esquerda mundial. Ao lado disso evidencia-se a perda de seu poderio quando o panorama é marcado pelo crescimento da China e o desenvolvimento rápido de um grupo de países chamados de emergentes. Assim, generaliza-se o entendimento de que muitos países não mais rezam pela cartilha de Washington. Ademais, os EUA são testados pelo que sucede no Oriente Médio e pelo receio de perder o fornecimento de petróleo, artigo essencial para o modus de vida dos norte-americanos.

Entretanto, apesar desses dados negativos, a América do Norte ainda dispõe de um potencial econômico, financeiro e militar que é decisivo para a evolução internacional. Disso decorre o entendimento da necessidade de acompanharmos atentamente o que ali ocorre, buscando canais para um acordo mundial baseado em três objetivos essenciais: em primeiro lugar, repúdio à política e à economia norte-americana nocivas à necessidade do desenvolvimento do conjunto das nações, particularmente das mais atrasadas; em segundo lugar, traçar os caminhos que resultem numa entente cordiale das forças democráticas e progressistas do mundo com os Estados Unidos e aliados, tendo como motivação básica a causa da paz, a autonomia e o progresso dos países e povos mais pobres, sendo inconcebíveis as limitações aos que desejem emigrar; em terceiro lugar, cumpre executar um conjunto de medidas essenciais à existência da vida no planeta, enfatizando a necessidade de uma mudança radical no comportamento face à natureza.

Temos plena noção de que apresentamos aqui um sonho semiutópico, mas não é assim que devemos agir? Ou vamos cruzar os braços diante desses obstáculos? Aos nossos netos, como poderemos justificar a passividade diante da insensatez?

Marco Antônio Tavares Coelho, ex-deputado do PCB pelo antigo estado da Guanabara, é o editor-chefe da revista Política Democrática. Escreveu, entre outros livros, Herança de um sonho. As memórias de um comunista (2000), O Rio das Velhas – memória e desafios (2002) e Os descaminhos do São Francisco (2005).

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

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