sábado, 18 de março de 2017

A República refém - Cristovam Buarque

- O Globo

Cada grupo tenta tirar o máximo da economia

A Fundação Joaquim Nabuco realizou um seminário sobre o Segundo Centenário da Revolução de 1817 em Pernambuco. Durante os 75 dias, o Brasil foi uma República; cinco anos antes da Independência, quase 70 anos antes de adotarmos a República hoje sequestrada.

Sequestrada pelo corporativismo que divide a sociedade: cada grupo e classe social tentando abocanhar o máximo do produto da economia, sem um sentimento comum, sem respeito aos demais segmentos, sem um destino coletivo que empolgue o conjunto da sociedade, aprisionando o país ao seu presente, formando uma República sem coesão social e sem rumo histórico. Refém de associações de classe e sindicatos.

A República está sequestrada pela burocracia de sua máquina estatal e pelo emaranhado de leis que não permitem seu funcionamento eficiente. As decisões tomadas esbarram na vontade de burocratas do sistema administrativo ou dos inúmeros representantes do sistema legal.

Está sequestrada na baixa produtividade de sua economia, que condena a sociedade à pobreza, agravada pela má distribuição da renda que divide o país em dois países; amarrando a República, no peso da exclusão de mais de cem milhões de brasileiros.

Nossa República está sequestrada pela corrupção que contamina a política em todos os níveis; refém da violência urbana que pode ser caracterizada como uma guerra civil que provoca o peso de 600 mil prisioneiros. Também pela falência da lógica e da falta de diálogo nos debates políticos que não levam a entendimentos para realizar a causa comum dos brasileiros. Há décadas o sistema bancário atende à voracidade por empréstimos tanto para financiar gastos e desperdícios do Estado quanto para financiar o consumismo, criando o trágico endividamento que sequestra nossa economia, cobrando o resgate por juros absurdos e altos superávits primários.

O sistema previdenciário que, para atender a pressão de cada grupo, assumiu gastos que não lhe competia e ofereceu benefícios que não tinham como serem concedidos, agora amarra o futuro da República exigindo reformas que não têm o apoio da população, dividida entre os que desejam manter os direitos e privilégios atuais e aqueles que precisam de direitos no futuro. A República está sequestrada pela falência das finanças públicas e pela falta de investimento na infraestrutura, pelo Estado descomprometido com a causa pública, pela tragédia das “monstrópoles” em que foram transformadas nossas cidades.

Sequestrada, sobretudo, pelo indecente e insano quadro de uma população onde 13 milhões são analfabetos adultos, e 60% de jovens não terminam o Ensino Médio, deixando raríssimos brasileiros em condições de compor uma elite intelectual compatível com as exigências do “Século do Conhecimento”.

Duzentos anos depois da ousada aventura de um grupo de patriotas pernambucanos, quase todos fuzilados, enforcados e esquartejados, o Brasil tem uma República incompleta porque está sequestrada por seus erros e por cada uma das minirrepúblicas em que sua população se divide.

*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)

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