sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Sob governo de centro-esquerda, economia uruguaia cresce há 15 anos

País é oásis estável em meio a crises nos vizinhos, mas aliança governista tem desafio de renovação

Sylvia Colombo | Folha de S. Paulo

MONTEVIDÉU - Foi-se o tempo em que, se a Argentina ou o Brasil espirravam, o Uruguai ficava gripado. Neste 2018 completam-se 15 anos de crescimento ininterrupto do pequeno país, que corresponde, no imaginário internacional, a um pequeno paraíso à beira do rio da Prata, e que, na economia, encontrou uma trilha de crescimento que não se afeta mais com as tempestades que possam ocorrer em seus gigantes vizinhos.

Neste 2018, o Uruguai terá crescido 3,4%, quando em 2017 o índice foi de 3,1% e a previsão do FMI para 2019, ano eleitoral, é de 3,1%. A inflação não passa de 7,5%, e a taxa de desemprego, de 6,8%.

O grito de independência ocorreu pós-2002, quando a grande crise políticoeconômica argentina de 2001 chegou do outro lado do rio da Prata, fazendo com que argentinos retirassem suas poupanças dos bancos uruguaios e, com isso, praticamente quebrassem o sistema bancário local. O país conheceu a pobreza e a recessão, mas também colocou seus burocratas e economistas para trabalhar.

Os partidos tradicionais —o Nacional e o Colorado— caíram em desgraça, dando lugar à experiência inédita da Frente Ampla, que reunia grupos de centro-esquerda, os socialistas e o braço político da guerrilha urbana tupamaros. Não foi um cenário róseo o que encontrou o então presidente Tabaré Vázquez, eleito por essa coalizão, quando iniciou seu governo em 2005 —Vázquez foi eleito para um segundo mandato em 2014, sucedendo José “Pepe” Mujica.

A situação ainda era tão incerta que um de seus slogans de campanha era nada menos que a seguinte frase: “O Uruguai é um país possível”.

Isso logo se mostrou verdade. E hoje parece até mais possível, em linhas gerais, do que o Brasil, que sofreu a mais dura recessão de sua história nos últimos anos, e que a Argentina, agora em recessão, tomando uma dívida milionária do FMI e entrando num incerto 2019.

O segredo do Uruguai não foi fazer grandes reformas, mas sim ajustes em suas prioridades. Os principais, no redirecionamento das exportações agropecuárias —agora para Ásia e Europa, com certificado de qualidade (principalmente quando a carne argentina se viu atingida pela febre aftosa), investimento em energia renovável (uma grande vitória de Mujica) e na diversificação de produção, com investimentos nas áreas de serviços —vendendo-os aos argentinos— e de tecnologia.

Mas a menina dos olhos da economia uruguaia dos últimos anos passou a ser o turismo, hoje responsável por 8% a 10% do PIB nacional, segundo dados do governo.

Se isso fez com que Punta del Este se transformasse em destino um tanto salgado para brasileiros e argentinos, por outro lado atraiu um público europeu até então ávido por novos balneários. Ficaram na moda os hoje badalados Rocha, Cabo Polônio, La Pedrera, José Ignacio e La Barra, onde se cobra e se vive em dólar.

Os governos da Frente Ampla —Vázquez (de 2005 a 2010 e agora de 2015 a 2019) e Mujica (de 2010 a 2015)— nunca traíram a origem esquerdista, investindo pesado em planos sociais e na educação, mas tampouco foi incluído entre os países ditos bolivarianos, por manter uma política econômica moderada e por oferecer benefícios fiscais para investimentos estrangeiros, além de mostrar-se como um governo de estabilidade política e financeira.

Zonas francas de isenção fiscal foram criadas, assim como estímulos para a inovação na agropecuária. Os gastos em pesquisa científica e aplicada à produção de alimentos cresceram em mais de 70%.

Enquanto isso, o Uruguai foi também descolando-se da dependência da performance econômica do Brasil e da Argentina. De 2001 a 2018, as exportações para esses dois países caíram de 37% para 19%.

O resultado é que, hoje, o Uruguai está muito mais fortalecido para enfrentar as tormentas que possam surgir. Se em 2001, quando veio o maremoto causado pela crise argentina, as reservas cambiais do país giravam em torno de US$ 1 bilhão, hoje elas são de US$ 18 bilhões.

Há ainda outros índices de fazer inveja —65% de sua população está na classe média, e o país tem o terceiro melhor IDH (Índice de Desenvilvimento Humano) da América Latina. Também está entre os líderes em outros rankings, como satisfação com a democracia, segundo a pesquisa Latinobarómetro.

Um dos nomes mais citados como responsável pela boa onda uruguaia é a do ministro da Economia e ex-vice-presidente Danilo Astori, 78, à frente da política econômica desde 2005. Em entrevista recente, ele ressaltou que “o Uruguai se fortificou na época em que outras economias da região sofreram atropelos e hoje, diante das circunstâncias difíceis que vive a economia mundial, nossos números são muito bons”.

Ainda assim, às vésperas de um ano eleitoral, as dificuldades surgem para a aliança governista. Os produtores agrícolas mais tradicionais, por exemplo, não tocados pelos benefícios do investimento na agroindústria de ponta, vêm realizando protestos e carreatas com tratores, interrompendo vias no interior do país.

Os sindicatos, ainda muito fortes em todo o Uruguai, vêm pedindo uma melhor distribuição dos lucros com a exportação. Enquanto isso, do ponto de vista político, a Frente Ampla enfrenta casos de corrupção, como o que tirou do cargo o vice de Tabaré Vázquez, Raúl Sendic, filho do líder histórico tupamaro (de mesmo nome).

A recusa em adotar uma política mais dura com relação à Venezuela, posição firme da maioria do Congresso, formada pelo bloco da Frente Ampla liderado por Mujica e que ainda reza a Bíblia tupamara, também causa ao Uruguai desgaste do ponto de vista internacional.

Outro problema que a Frente Ampla necessita enfrentar é o da renovação de seus quadros, se pretende manter-se no poder. Tanto Vázquez como Mujica ou o próprio Astori já passaram da faixa dos 70 anos. O nome mais visível entre a geração mais jovem, o de Raúl Sendic, 56, está manchado pela corrupção.

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