Liberais enfrentarão conservadores nacionalistas nos 27 países
Por Tony Barber* | Valor Econômico
Na Europa, 2019 será um ano de conflitos entre as forças pró-União Europeia (UE), do internacionalismo progressista, e as de reação nativista e eurocéticas. O principal campo de batalha será as eleições para o Parlamento Europeu, a serem realizadas em 27 de maio em 27 países. Esses prognósticos, frequentemente ventilados em Bruxelas e nos círculos liberais da Europa Ocidental, não estão necessariamente muito errados.
Pois é verdade que Emmanuel Macron, o presidente liberal francês que defende a integração europeia, é talhado de um tecido político diferente do de Viktor Orbán, o premiê nacionalista e conservador da Hungria. Se Orbán e aqueles de convicções políticas similares se saírem bem nas eleições da UE, eles poderão exercer influência suficiente para sabotar, de dentro do parlamento, a Comissão Europeia e outros organismos, a visão de Macron para a Europa.
É uma intensa disputa ideológica, identitária e sobre o futuro da UE. Mesmo assim, alguns desses europeus ocidentais apresentam o conflito em termos geográficos simplificados demais: um duelo entre os liberais virtuosos e de mente aberta em sua metade do continente, e os reacionários ignorantes e antidemocráticos no leste.
A realidade é mais complicada e menos agradável para os europeus ocidentais. Em primeiro lugar, porque o conceito de uma Europa dividida em duas metades é uma distorção intelectual da era da Guerra Fria. Crianças educadas entre o fim da década de 1940 e 1989 aprenderam um mapa mental da Europa em que grades de prisões e torres de vigilância dividiam o Ocidente livre e próspero do Leste comunista e pobre. Uma metade da Europa era iluminada, a outra era escura.
Esse mapa não tinha espaço para os fatos geográficos e políticos que desacreditavam suas generalidades cruas. Praga, que fica a oeste de Viena, era de fato uma cidade "oriental"? De que maneira Atenas, que fica ao sul de Tirana, era "ocidental"? Grécia, Portugal e Espanha ficavam no campo ocidental liderado pelos Estados Unidos, mas foram ditaduras de direita durante uma parte dessa era. Enquanto isso, os dissidentes pró-democracia da Checoslováquia, Hungria e Polônia exibiam um entendimento mais profundo dos direitos humanos e da liberdade política do que muitos ativistas anti-establishment ocidentais.
O 'Oeste' e o 'Leste' da Europa não são opostos polares. Todas sociedades europeias sofrem com segmentações parecidas, em especial a grande diferença política e cultural entre as áreas metropolitanas liberais e as mais conservadoras comunidades rurais e cidades menores
Quase 30 anos após o fim do comunismo, o mito de uma Europa binária teimosamente se recusa a morrer. Alguns europeus ocidentais o mantém vivo para justificar propostas para uma União Europeia dualista ou de múltiplas camadas. Sua região formaria um grupo superior e mais integrado, enquanto que o "leste", ou a maior parte dele, ficaria numa classificação inferior. O desvio recente da Hungria, Polônia e Romênia das normas democráticas e do Estado de direito, juntamente com as rixas sobre as políticas de migração e para os refugiados, servem de desculpa perfeita para esses planos. No entanto, em relação aos valores liberais e a concretização das políticas da UE, não há uma linha divisória clara entre o "Oeste" e o "Leste" da Europa.
Tome, por exemplo, a Itália, por excelência um país ocidental e membro fundador da UE. Matteo Salvini, o vice-premiê italiano e líder da Liga, um partido de direita, previu que as eleições da UE serão "um referendo entre a Europa das elites, bancos, finanças, imigração e trabalho precário, e a Europa do povo e do trabalho". Isso é um desafio tão ousado para as ortodoxias da UE, quanto qualquer coisa dita por Orbán ou Jaroslaw Kaczynski, o líder do Partido da Lei e da Justiça, que está no poder na Polônia. Salvini, Marine Le Pen, da França, e Geert Wilders, da Holanda, são a prova de que o radicalismo de direita e o populismo marcam o cenário da Europa ocidental tanto quanto no ex-bloco comunista.
Pela mesma medida, nem todo político europeu "oriental" é um nacionalista linha-dura inclinado a acabar com o Estado de direito e bloquear a integração da União Europeia. Os três Estados bálticos, cuja principal preocupação é se protegerem da Rússia, quase nunca causam problemas à UE. Eles possuem laços mais próximos com seis vizinhos escandinavos do que, digamos, com a Hungria ou a Bulgária.
Portanto, longe de serem opostos polares, o "Oeste" e o "Leste" da Europa se parecem mais um com o outro do que muitos ocidentais gostariam. Os conservadores nacionalistas do Leste gostam de se apresentar como verdadeiros defensores da cristandade, ao contrário dos multiculturalistas, decadentes e descrentes do Oeste. Mas todas as sociedades europeias sofrem com segmentações parecidas, especialmente a grande diferença política e cultural entre as áreas metropolitanas liberais e as mais conservadoras comunidades rurais e cidades menores.
Os protestos dos "coletes amarelos" na França expuseram um abismo entre a sofisticada Paris e províncias desfavorecidas que tem paralelos com as divisões urbanas-rurais do centro e leste da Europa. As eleições locais da Polônia ilustram esse ponto. O Partido da Lei e da Justiça, que se viu na lista negra da UE, perdeu feio as eleições para prefeito de Varsóvia, para o liberal Plataforma Cívica, da oposição. No entanto, o Partido da Lei e da Justiça teve um forte desempenho nas pequenas cidades e áreas rurais, que não compartilham da abertura e cosmopolitismo da capital polonesa.
Nas eleições parlamentares da Hungria, os oponentes de Orbán derrotaram seu partido Fidesz em Budapeste, um bastião do liberalismo, e se saíram bem entre os eleitores jovens e de mentalidade internacional. Os eleitores mais velhos, conservadores e menos instruídos das províncias, apoiaram Orbán. Padrões de votação semelhantes se deram nas eleições presidenciais da Áustria em 2016 e no plebiscito sobre o Brexit no Reino Unido.
Todos na Europa, sejam do "Oeste" ou do "Leste", deveriam se esforçar em 2019 para entender melhor o que têm em comum. Sem esse esforço, as tensões que estão separando a UE somente aumentarão.
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*Tony Barber é o editor de Europa do Financial Times.
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