quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A revolta quer ser revolução:: Clóvis Rossi

O Egito pós-Hosni Mubarak se inspira na Turquia de Erdogan, que enquadrou as Forças Armadas do país

Quem acreditou que a revolta da praça Tahrir teria um desenlace rápido e feliz, com o triunfo da massa sobre a ditadura, ou era ingênuo ou romântico ou ambas as coisas.

Ingênuo porque um Exército como o egípcio, que respaldou ditaduras desde sempre, não poderia mesmo transformar-se da noite para o dia em paladino da democracia. Ainda mais que entregar realmente o poder significaria pôr em risco o controle de 25% da economia do país. É quanto se calcula que as Forças Armadas gerenciam.

Daí decorre que "o que começou como um genuíno levante popular, no dia 25 de janeiro, terminou 18 dias depois em um golpe palaciano -com a ala militar do regime descartando Mubarak para preservar sua influência", como escreve, para a "Foreign Policy", o jornalista Ashraf Khalil, que está para lançar um livro sobre a revolução.

Khalil relata também ter ouvido do respeitado autor Alaa Al Aswany que a mentalidade dos militares não cabe em um ambiente democrático como o que deveria surgir após a queda do ditador.

Reforça Thanassis Cambanis, professor da Escola de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade Columbia: "Os militares claramente querem que as eleições [legislativas na segunda-feira] sejam realizadas para que possa haver a coreografia de um processo de transição que acalme o público sem diminuir os poderes militares".

Se era esse o jogo, não está funcionando.

O que é explicável: pesquisa feita em outubro sobre atitudes das sociedades do Oriente Médio pela Cadeira Anuar Sadat para a Paz e o Desenvolvimento da Universidade de Maryland perguntou aos egípcios com que tipo de personalidade gostariam que se parecesse o seu futuro líder. Deu, disparado, Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro da Turquia.

Não deve ser mera coincidência o fato de que Erdogan é o homem que enquadrou os militares turcos, forçando-os à subordinação ao poder civil, como é da praxe em qualquer democracia.

Também não deve ser coincidência o fato de que Erdogan lidera um partido islamita, mas moderado, e chefia um regime que é, a rigor, a primeira combinação de islamismo e democracia do planeta.

Aliás, a mesma pesquisa mostra que 30% dos egípcios se dispõem a votar na Irmandade Muçulmana, que, pelo menos verbalmente, aderiu ao binônimo islamismo/democracia do partido de Erdogan.

Tudo somado, parece relativamente fácil entender o esquema mental dos dois principais atores da atualidade egípcia, os militares e boa parte da opinião pública.

Mais complicado, no entanto, é entender e explicar o que Ashraf Khalil chama de "a segunda República de Tahrir".

Segundo ele, "a nova Tahrir revolucionária é um animal muito diferente de sua versão original. É mais zangada e mais violenta".

Embora continue sendo "inspiradora de muitas maneiras, é também tensa e de abalar os nervos".

Os nervos dos militares cederam primeiro, ao anunciar a antecipação das eleições, mas é pouco para a nova República de Tahrir, agora menos inclinada ao romantismo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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