Na visão do Ministério da Fazenda a crise pode ser tão grave quanto a do Lehman Brothers, está afetando os países emergentes com redução do crescimento e um dos efeitos no Brasil é sentido no saldo comercial dos manufaturados. O déficit comercial de produtos industriais atingiu US$86 bilhões. A Fazenda ainda aposta num crescimento de 3,8% do PIB este ano, mas a previsão no mercado é um pouco menor.
O ministro Guido Mantega fez um balanço da economia numa apresentação na Câmara. Vários gráficos chamam atenção. Um é o do aumento forte do déficit comercial de produtos manufaturados. O Brasil exportou US$90 bi de manufaturados e importou US$177 bi nos últimos 12 meses até setembro. O resultado é crescentemente negativo, como se pode ver abaixo. Ele usou os dados para justificar o aumento do IPI dos carros. Esqueceu de dizer que a maioria da importação é feita por montadoras no país, que não pagam o IPI. Disse que "a crise nos atinge, sim, mas menos do que a outros países". Teme que os problemas da Europa virem uma crise financeira, "um novo Lehman Brothers". Mantega justificou a desaceleração do PIB como necessária porque, segundo ele, o país cresceu muito em 2010.
O ministro disse que o país "teve problemas com a inflação" mas garante que agora ela está sob controle. O que não disse é que o crescimento de 2010 foi resultado de uma pisada no acelerador dos gastos públicos, por razões eleitorais, que deixou como efeito colateral a pressão inflacionária. Quando analistas alertavam para o risco, no ano passado, Mantega desdenhava. Agora o país está num período de queda na taxa acumulada em 12 meses. Mesmo assim, a inflação está acima do teto apesar de a desaceleração do PIB ter sido maior do que a imaginada pela Fazenda. O governo previa 5% de alta, ainda aposta em 3,8%, mas a pesquisa feita pelo Banco Central junto a instituições financeiras registra 3,16%. A inflação ainda tem que passar por testes como a alta do salário mínimo de 14% e a inflação de serviços, em 2012. A inflação de serviços está em 8,94%.
Um ponto ressaltado por Mantega explica em parte o Brasil ter mantido algum crescimento apesar da crise: o mercado de trabalho está forte, com criação líquida de vagas. Isso eleva a renda e alimenta a confiança do consumidor na economia. Mas o consumo foi incentivado também pela ampliação do crédito. O BC divulgou ontem que o crédito cresce 18,4%.
Segundo Mantega, "o governo fará o que for necessário" para reduzir o custo financeiro do país. De fato, as taxas de juros são altas demais. Algumas chegam a ser uma aberração, como as do crédito rotativo do cartão de crédito, em torno de 200%. É até por isso que o BC deveria ter mantido a proposta de elevar de 15% para 20% o pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito. Aliás, o BC deveria restringir ainda mais o rotativo. Outras modalidades de crédito são mais baratas e sustentáveis do que deixar o cartão ir virando uma bola de neve. O ministro não disse o que é esse fazer "o que for necessário". O ideal é que seja feito sem pressão sobre a inflação e sem incentivo ao endividamento excessivo. O mundo nos tem dado provas demais de que todos os erros na economia um dia cobram sua conta.
Um gráfico interessante apresentado por Mantega é o do CDS (Credit Default Swap) de 5 anos. O CDS representa o preço do seguro contra calote, pago por quem compra títulos dos países. Quem compra um papel brasileiro paga mais de seguro do que quem compra um título americano ou alemão, mas paga menos do que quem investe na dívida francesa, espanhola ou italiana. Fica claro que o mercado já passou a ignorar as notas das agências nesta operação. A França com seu AAA é visto como mais arriscada em cinco anos do que o Brasil, que tem apenas BBB.
FONTE: O GLOBO
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