terça-feira, 2 de julho de 2013

O fio da navalha - Denise Rothenburg

Pela entrevista que concedeu ontem, no início da noite, a presidente Dilma Rousseff já fez sua escolha: Ser fiel ao lema “país rico é país sem pobreza”. Os programas sociais seguem sem qualquer alteração e, quanto aos cortes de despesas reclamados pelo mercado, o governo fará estudos para verificar o que é passível de redução. No mais, é tocar a vida, em um dilema que, conforme bem relatou a presidente, existe “todos os dias em uma administração pública”: gastar ou economizar.

O problema é que as prioridades do governo, hoje, conforme avaliam alguns, são de toda ordem. Para usar a linguagem das crianças, “é do tamanho do céu”. A própria Dilma deixou escapar certa vez, em uma audiência durante o seu primeiro ano de governo, que Lula havia deixado obras demais. E, para completar, ela não economizou até aqui. Só de custeio são mais de R$ 600 bilhões, incluindo parte das novas estatais.
Nos últimos tempos, há todo um esforço governamental no sentido de repassar pelo menos as obras de infraestrutura à iniciativa privada. Entraram nessa dança portos, aeroportos, estradas, ferrovias — concessões que o PT há tempos criticava e a presidente, com coragem, enfrentou de peito aberto, ao deixar parlamentares de seu próprio partido sem o velho discurso de que Fernando Henrique Cardoso havia vendido o país.

O fato de o PT ter perdido esse discurso é o de menos, e ainda não resolveu o problema da escassez de recursos. As próprias concessões são difíceis e Dilma terá que terminar muita coisa, em especial, estradas, com o Orçamento da União, onde o cobertor é curto e, as votações, lentas. Para se ter uma ideia da lentidão, há três semanas, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2014, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), tenta levar adiante seu parecer sobre o tema. Não consegue porque, simplesmente, a base governista não dá quorum às reuniões. Há alguns dias, ele não tinha sequer com quem conversar a respeito, porque o Planalto não tinha designado um interlocutor dentro do Congresso. A LDO define as regras que valerão para elaborar o orçamento do próximo ano e é a proposição que, se não for aprovada até 15 deste mês, prorroga automaticamente os trabalhos da Casa.

Uma das razões pelas quais a LDO travou é a “greve” não declarada dos parlamentares, até que sejam convocadas sessões do Congresso para apreciação dos vetos. E nestes tem de tudo: fator previdenciário, Código Florestal e uma gama de dispositivos legais que aumentam as despesas públicas, algo que o governo não quer nem ouvir falar ou ver aprovado. Para completar esses problemas orçamentários, vem por aí o tal Orçamento impositivo para as emendas de deputados e senadores. Geralmente, essas referem-se a pequenas obras que o governo se acostumou a liberar em conta-gotas, por dois motivos: primeiro fazer economia e, segundo, é sempre uma forma de “prender” o voto do deputado ou senador ao que deseja o Planalto. E a tendência é a de que o Orçamento impositivo seja votado em breve, criando mais uma despesa obrigatória para um governo pressionado em duas frentes — as ruas exigindo mais gastos e gestão dos serviços e os economistas cobrando parcimônia nas despesas. Até aqui, Dilma tem garantido que as duas coisas não são excludentes, e nem a reunião ministerial conseguiu definir os limites de gastos.

Enquanto isso, no Planalto…

Com a popularidade em baixa, Dilma dificilmente terá voz ativa o suficiente para fazer segurar a vontade dos congressistas em defender os recursos para as bases via Orçamento impositivo. Também não abandonará a política de desonerações do setor produtivo para tentar dinamizar a economia. Isso tudo, somado à contabilidade política de não arredar um milímetro dos problemas sociais do governo, põem Dilma no fio da navalha. Ela sabe, entretanto, que a classe mais pobre está a seu lado, suas pesquisas indicam isso. Portanto, é esse público que a presidente atenderá primeiro. Sendo assim, resta, segundo seus assessores mais diretos, torcer para que as manifestações, ainda que em número bem menor do que há 15 dias, não mantenham a sensação de descontrole total sobre o país.

Uma das formas que o governo acredita que funcionará no sentido de passar a sensação de controle é uma agenda ativa no Planalto. Reuniões com ministros e até entrevistas coletivas devem ser mais recorrentes e divulgadas. Aliás, a conversa de ontem entre a presidente e os jornalistas foi umas das primeiras a ocorrer de forma organizada em solo brasileiro. Geralmente, essas entrevistas são restritas aos cafés da manhã de final de ano, ou concedidas em viagens internacionais, com pauta restrita aos temas tratados nos eventos dos quais Dima participou. Seja reunião dos Brics seja Assembleia Geral da ONU. Talvez, ela devesse usar essas entrevistas de forma mais frequente, com a mesma serenidade na voz que demonstrou ontem.

A aparição da presidente tem um efeito positivo em todos os sentidos. Passa a sensação de que ela não está tão acuada, como querem fazer crer até mesmo parte dos aliados interessados em arrancar um algo mais do governo. Ou mesmo os petistas saudosos de Lula. Aliás, a entrevista de Lula ao jornal Valor Econômico deixa claro a essa parcela que ele não é candidato. Seja para o bem ou para o mal, dentro do PT, a candidata é Dilma. E o discurso é pelos mais pobres. Dentro da base aliada, entretanto, há quem diga que é bom tomar cuidado para não voltar ao tempo dos discursos em defesa dos “descamisados”, empreendido no governo Collor. Afinal, como todos sabem, o resultado ali não foi dos melhores.

Fonte: Correio Braziliense

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