O Congresso resiste ao plebiscito, preferindo ele mesmo aprovar a reforma política, seguida ou não de referendo popular
O extraordinário não para de acontecer. Depois dos protestos, que não foram captados por qualquer radar, tomando forma e rumos inéditos, sobrevém a derrocada na aprovação da presidente Dilma Rousseff de governadores e prefeitos do Rio e de São Paulo. Era previsível, mas não com a intensidade e a rapidez de um terremoto, como indicado pela pesquisa Datafolha. Outros governantes certamente foram também alcançados. A erosão da popularidade e das intenções de voto em Dilma é mais eloquente por conta dos índices confortáveis de que ela desfrutava, embora já tivesse perdido oito pontos no momento que antecedeu a eclosão dos protestos. As placas tectônicas continuam se movendo na sociedade, não recomendando previsões impressionistas sobre o que virá, especialmente no plano eleitoral. O que está posto para Dilma e para os demais governantes é a urgência de respostas, se não para salvar projetos eleitorais, para assegurar a centralidade das instituições.
Ninguém previu, dizia ontem o senador José Sarney, mas pesquisas bem recentes já haviam apontando a inquietação com a inflação e a descrença nas instituições que foram achincalhadas pelos manifestantes: governos, Congresso, partidos políticos. Se havia essa amargura toda acumulada, fica uma interrogação sobre o que vinha blindando Dilma. Por que ela se mantinha bem avaliada? Possivelmente, a irritação não estava ainda fulanizada e, com os protestos, foram dirigidas para a presidente e repartidas com os outros. Dilma perdeu 27 pontos de aprovação, caindo menos apenas que o governador do Rio, Sérgio Cabral, que perdeu 30. O prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes, campeão de votos na reeleição, no ano passado, perdeu 20. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin perdeu 14, e o prefeito Fernando Haddad, eleito como símbolo de renovação política, 16. A vertigem da queda está sempre posta para qualquer político, mas raramente os atinge tão repentina e intensamente, alterando todo o quadro político e, especialmente, o jogo eleitoral prematuro que vinha sendo jogado para 2014. Tanto para a Presidência como para governos estaduais.
Tempo e resultados
Dilma, que tinha uma reeleição aparentemente tranquila, deixou de ser tão favorita. Não significa, porém, que esteja liquidada. Faltam 18 meses para a eleição, tempo suficiente para uma recuperação. Aqui entra uma coleção de “se”: se a economia deslanchar, se o governo produzir respostas que contentem as ruas, se outros candidatos não se viabilizarem… Foi assim que Lula, tendo caído a 28% de aprovação em 2005 (índice menor que o de Dilma agora, portanto), conseguiu emergir, recuperar-se e se reeleger em 2006.
Mas, quando ocorre a derrocada, outras variáveis que independem do empenho ou da competência do governante passam também a influir no desenvolvimento da situação. No caso de Dilma, a queda já começou a ser usada como senha para a explicitação do desejo que sua coalizão acalentava em surdina: a troca da candidatura pela do ex-presidente Lula. Negativas categóricas, como a que ele fez ontem, não bastam para conter o “queremismo”, que é motivado por antagonismos com a personalidade da presidente, seu distanciamento dos políticos e o que eles chamam de “falta de reciprocidade”. Apesar das negativas de Lula, se a hegemonia do bloco liderado pelo PT ficar efetivamente ameaçada, sobrevirá a pressão e o instinto de preservação do poder, de forma também avassaladora.
O plebiscito ameaçado
Dilma interrompeu ontem a reunião ministerial para reiterar que enviará hoje ao Congresso as propostas de temas que constariam da cédula do plebiscito sobre a reforma política que ela propôs na semana passada. Confirmou que suas sugestões — este é o nome preciso — devem se restringir ao financiamento de campanhas e ao sistema eleitoral. “Isso não significa que outros nortes não vão aparecer”, disse ela, referindo-se, com certeza, à plena autonomia do Congresso para decidir sobre matéria de sua exclusiva competência.
E o que se está ouvindo no Congresso é um galope para barrar a proposta de plebiscito. Muitos oradores se revezaram ontem na tribuna do Senado para falar contra a proposta, destacando-se o discurso do senador Francisco Dornelles, sempre mais afeito à ação que às palavras. Mas ontem ele foi prolixo, lembrando a proposta de reforma política da qual foi relator, aprovada pelo Senado e enviada à Câmara, onde empacou. Um sistema político, ponderou, para ser atualizado, exige mudanças que vão além do financiamento e do modo de votar. E, para ouvir a população sobre todas as mudanças necessárias, seria preciso uma inviável consulta com quase 50 itens. Como outros, insistiu na legitimidade do Congresso para aprovar uma reforma que envolve aspectos tão técnicos e complexos.
O que é nítido no Congresso é a preferência pela imediata votação da reforma pelas Casas, com ou sem referendo popular. O decreto legislativo de convocação do plebiscito proposto por Dilma tende a ser aprovado no Senado, com o decidido empenho do presidente da Casa, Renan Calheiros. Mas são enormes as chances de ser rejeitado pela Câmara, criando a situação que obrigará o próprio Congresso a aprovar a reforma com a rapidez com que se moveu na semana passada. Dilma poderá sempre dizer que foi sua iniciativa que rompeu a inércia em torno do assunto.
Mas as ruas querem respostas para os problemas cotidianos, que ocuparam a reunião ministerial de ontem.
Maioria silenciosa
Dilma foi enfática ao declarar ontem que não cortará gastos sociais. “Cortar o Bolsa Família, jamais.” A fala tem endereço. Há, no governo, a crença de que uma maioria silenciosa, beneficiada pelas políticas sociais, ficou à margem dos protestos e não se afastou do governo.
Fonte: Estado de Minas
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