A presidente Dilma Rousseff está efetivamente convencida de que só o plebiscito é capaz de levar o Congresso a fazer a reforma do sistema político, uma pauta travada desde a constituinte de 1988. O assunto já esteve por mais de uma vez na agenda de senadores e deputados, mas nunca andou porque não é do interesse do Congresso mudar as regras pelas quais foram eleitos os parlamentares. Principalmente com o jogo em andamento, como já ocorre agora em relação a 2014.
Essa é a razão pela qual a maioria dos líderes partidários é contrária à mensagem de convocação do plebiscito que a presidente Dilma deve enviar entre hoje e amanhã ao Congresso, como era previsto no plano de voo original feito no governo em resposta às chamadas "revoltas de junho". O governo tem pressa, mas o coronograma do Palácio do Planalto não é necessariamente o mesmo da Justiça Eleitoral e muito menos do Congresso. O TSE é quem implementa e o Congresso, quem convoca a consulta popular.
Na empreitada, a presidente conta com o apoio de seu vice, Michel Temer, que abraçou integralmente a proposta do plebiscito. Temer se posicionou contrariamente ao projeto de constituinte exclusiva (que nunca chegou a ser proposta nesses termos por Dilma), mas considera adequados tanto o plebiscito quanto o referendo sobre a reforma.
Temer: "Democracia não combina com demofobia"
Particularmente, prefere o plebiscito, pois assim "você ouve preliminarmente a voz das ruas". Ou seja, bastaria ao Congresso transformar em letra da lei o que a população decidir no voto. "Sem desfazer o referendo, o mais democrático é o plebiscito", diz o vice-presidente da República, ex-presidente da Câmara, presidente do PMDB, professor de Direito Constitucional da USP e autor de obra considerada referência sobre o assunto.
Na opinião do vice-presidente, a Constituição brasileira tem vários dispositivos de consulta popular que poderiam ser mais exercitados: o plebiscito e o referendo estão na ordem do dia. Mas há também os projetos de iniciativa popular como aquele que instituiu a lei da Ficha Limpa no país. "Democracia não combina com demofobia", diz Michel Temer.
O Congresso, sem dúvida, precisa de um empurrão para fazer a reforma política, muitas vezes pautada mas sempre adiada. Nem que seja para valer a partir de 2016 ou de 2018. Dilma pode mesmo ter ficado com a bandeira mais popular, quando se observa o rescaldo dos protestos, e mais adiante receber dividendos eleitorais, como acreditam colaboradores mais próximos. Ninguém sabe. Nem a presidente.
A oposição vê com reservas a imposição de uma pauta que até dias atrás não estava na agenda de ninguém. Ou que o governo aproveite o pretexto dos protestos para impor ao Congresso uma proposta de reforma política que o PT sempre tentou mas também nunca conseguiu aprovar.
Nos últimos dias, a oposição manteve-se em estado de alerta máximo, junto ao telefone ou observando cada mensagem de e-mail: não queria correr o risco de receber e não ver um convite da presidente para uma reunião sobre a proposta de convocação do plebiscito. À esta altura da disputa presidencial, que já está nas ruas, ninguém quer ser apanhado desprevenido. Talvez não seja realmente o melhor ambiente para uma reforma complexa.
Câmara e Senado, por seu turno, gostariam de inverter a mão do processo: em vez de a população dizer o que precisa ser mudado no sistema político (plebiscito, conforme sugeriu Dilma), deputados e senadores prefeririam primeiro votar a Proposta de Emenda à Constituição e submeter o texto aprovado (referendo), segundo líderes de bancada. Isso deixa nas mãos da classe política fazer a pauta dos assuntos sobre os quais a população deve deliberar. Algo assim: o eleitor gostaria de sugerir o fim do voto obrigatório, mas na relação do referendo só vai encontrar a pergunta sobre se o voto deve ou não ser em lista. Aberta ou fechada.
O que talvez não queria dizer muita coisa, como prova o referendo que rejeitou a parte do Estatuto de Desarmamento que proibia a comercialização de armas de fogo e munição, em 2005. No início, as pesquisas diziam que a população era a favor; depois, a permissão acabou mantida por folgada maioria.
Há um outro aspecto que também reuniria a maioria do Congresso, segundo os líderes de bancadas: a rejeição à proposta de que as mudanças devem valer já para as eleições de 2014. Candidatos a deputado estadual, deputado federal, senador e a governador já estariam em campanha no pressuposto de que as regras, para as eleições do próximo ano, serão as mesmas de 2010. Com um ou outro retoque, como sempre acontece, na lei eleitoral, o que já está sendo analisado na Câmara.
Para o Palácio do Planalto, o risco é o Congresso acabar com a reeleição já para a disputa de 2014. Isso, em tese, impediria que a presidente da República disputasse a reeleição. Mas o governo disporia de pesquisas segundo as quais a reeleição tem o apoio da maioria da população, que vê nessa possibilidade uma oportunidade de reiterar ou não o seu voto no governante. Uma espécie de "recall", como existe nos Estados Unidos e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, sugeriu em recente entrevista.
Apesar da queda de 27% na aprovação de seu governo, segundo medição do Datafolha, a presidente Dilma Rousseff, de fato, não foi a única a derreter nas pesquisas. Mas assumiu um risco calculado ao propor o plebiscito ainda na crista da onda dos protestos. Não havia nas faixas exibidas nas ruas pedidos eloquentes de reforma política. Mas é disso o que fala o grito de "abaixo a corrupção". Este sim, ouvido em alto e bom som.
Dilma pautou, e agora a palavra está com o Congresso. De acordo com os líderes, deputados e senadores prefeririam não mudar nada agora, mas, sendo inevitável, o ideal seria fazer a reforma para as eleições depois de 2014. Para já poderia se instituir a cláusula de barreira e a proibição de coligação nas eleições proporcionais, o que dificultaria a disseminação de partidos pequenos e sem representatividade, como atualmente.
Fonte: Valor Econômico
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