Até agora, só a parcela da população com mais acesso à informação mostrou sua indignação. A reação dos mais simples virá ainda mais forte
Por que os sentimentos de revolta e de indignação --que se constata que estavam em estado latente nas profundezas da alma brasileira-- só agora vieram à tona nas manifestações populares?
A bandeira da gratuidade do transporte coletivo, compreendido por todos como algo inexequível, não foi, isoladamente, a razão das manifestações de milhares de pessoas em todo o país.
Também não se pode creditar o sucesso dessas manifestações à recente oposição da população aos gastos com os estádios, que só era verbalizada por poucos.
Nem foram as deficiências do poder público nas áreas de segurança, saúde e educação, que vêm de muito tempo e exigem ações de longo prazo, as razões das manifestações.
Nem mesmo se originaram da repulsa à corrupção, que marcou o período petista e teve o seu ápice no episódio do mensalão com suas consequências por anos afora abatendo dezenas de altas autoridades da República. Nem da lerdeza do nosso sistema judiciário, que, até agora, não colocou ninguém na cadeia.
Mesmo a reforma política --sobre a qual cada um tem uma preferência e agora tão lembrada como indispensável diante da falta de representatividade dos atuais partidos-- não foi razão suficiente.
Nenhum desses motivos isoladamente explica as manifestações. Todos eles e outros mais, somados, sim!
Enfim, por que essa indignação não explodiu antes? A meu ver, porque Lula e Dilma foram protegidos por bons resultados econômicos: inflação contida, diminuição do desemprego, crédito abundante e barato como incentivo ao consumo e aumentos salariais satisfatórios.
Poucos estavam dispostos a ouvir que a falta de sustentabilidade dos resultados obtidos no curto prazo iria se transformar em graves problemas no médio e no longo prazos.
Aconteceu. Mais cedo do que se esperava, o quadro mudou. A inflação, em especial o custo dos alimentos, deu um salto astronômico. O emprego parou de crescer, o crédito diminuiu, os juros aumentaram e os aumentos de salários apenas recuperam a inflação, quando muito.
A couraça que protegeu Lula e Dilma está se rompendo. A era Lula vai chegando ao fim, e Dilma vai se esvaindo. Passaram a ser atingidos pela revolta que estava encruada na alma dos brasileiros. Pensaram que o povo estava morto.
Até agora, apenas uma parcela da população mostrou a sua indignação. Começou pelos que têm mais acesso à informação. O restante do povo começa aos poucos a se manifestar, o que se percebe nas pesquisas realizadas pelo Datafolha.
Todos tiveram ganhos econômicos nas últimas décadas, mas suas expectativas também são de que a inflação não acabe com as suas conquistas. Que a economia produza mais e melhores empregos e que os serviços públicos respondam às suas demandas. Percebem que a estagnação do país pode frustrar-lhes.
As reações das pessoas mais simples levam mais tempo para se tornarem visíveis, mas não deixam de acontecer. Ainda virão mais fortes, à medida que vão se dando conta dos males que este governo tem feito ao país. A presidente, tendo perdido a credibilidade, não tem mais tempo para reformular o modelo político e econômico que o Lula implementou e que se exauriu.
Dilma ainda tem em suas mãos os meios materiais e a maioria no Congresso. Não será com demagogia ou com a enrolação dos pactos e plebiscitos ninguém sabe sobre o quê, na fase final de governo, que poderá vencer os desafios colocados.
Resta-lhe arrastar-se até os últimos dias do mandato para entregar aos eleitos no próximo ano um país que esteja em condições de superar a herança maldita que vai deixar. Não salvará um novo mandato, mas, pelo menos, salvará a sua honra.
Alberto Goldman, 75, é vice-presidente do PSDB e ex-governador de São Paulo (2010)
Fonte: Folha de S. Paulo
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