quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Míriam Leitão: Amargo regresso

- O Globo

País está fora do mercado de dívida de qualidade. A terceira empresa rebaixando o Brasil não é mais do mesmo. A última porta se fechou ontem, depois da expulsão do país do mercado de dívida de qualidade. A Moody’s demorou mais, mas fez um movimento eloquente: o Brasil caiu dois degraus de uma vez e foi colocado em perspectiva negativa. No alerta, a agência apontou o dedo para o risco de crescimento da dívida.

Este ponto é nevrálgico, uma espécie de resumo dos males econômicos do país neste momento. O governo tem déficit primário, e isso eleva a dívida. Como o PIB está caindo, o índice sobe mais rápido. Com a inflação alta, a taxa Selic tem que permanecer elevada, aumentando o gasto público com juros e piorando o perfil da dívida.

A nota do Ministério da Fazenda, diante do que aconteceu ontem, é constrangedora. Diz que o corte “não altera o comprometimento com o ajuste fiscal”. Ora, se as agências rebaixaram o Brasil é porque não acreditam nesse comprometimento, ou ele não tem sido suficiente. A nota cita ainda como soluções, que o governo estaria encaminhando, a reforma da Previdência — que não está sequer formulada —e o limite de gastos — que não passa de um esboço de ideia.

Parece que o governo não tem noção da trilha de riscos em que colocou o país. A administração Dilma assumiu quando a dívida estava em 52% do PIB, levou- a a 66%, e as projeções são de que em 2018 estará em 80%. Não é um aumento inesperado. Era previsível, e a presidente Dilma escolheu correr este risco.

Durante a campanha de 2010, numa entrevista na rádio CBN, eu perguntei à então candidata se as suas ideias fiscais, já exibidas em entrevistas e nas brigas internas do governo Lula, não elevariam a dívida bruta do país. Ela afirmou que eu estava errando “no número e no conceito”. Estamos agora no quinto ano em que ela usa seus números e seus conceitos. O Brasil está em recessão, com inflação em dois dígitos, déficit primário, foi rebaixado pelas três principais agências que, além disso, apontam o dedo para o crescimento da dívida como sendo o principal risco que corremos. Administrações sérias evitam o crescimento do endividamento, exatamente porque isso tem um alto poder desestabilizador.

Os rebaixamentos levaram o Brasil ao mercado de segunda classe do financiamento mundial. Como consequência, empresas estão tendo dificuldades de rolagem dos seus bônus porque os credores exigem mais juros e concedem condições piores. Felizmente, as companhias e instituições financeiras brasileiras, ou com base no Brasil, estão conseguindo pagar seus papéis no vencimento. Foi o que o “Valor Econômico” mostrou na manchete de ontem, dando alguns exemplos, como o Banco Votorantim e o Banco Santander, que acabaram de resgatar, cada um, US$ 1,2 bilhão de bônus que venceram nos dois primeiros meses do ano.

O governo estava ontem mostrando ou alienação total do que está de fato acontecendo — como expõe a nota da Fazenda — ou subestimando o corte da Moody’s, porque esta é a terceira agência que nos rebaixa. O evento teria, segundo se diz no governo, um impacto “marginal”. A bolsa e o dólar podem ter pequenas alterações, mas isso não é termômetro. O efeito maior se dá ao longo do tempo, em que o Brasil ficará sem ser considerado “bom pagador” por nenhuma das três agências grandes e por isso perderá investimentos. É a derrota do projeto que nos levou a trilhar um longo caminho de mudanças e reformas. Se o grau de investimento foi alcançado no governo Lula, a caminhada até ele começou muito antes e teve como marco fundador o plano que encerrou o período de hiperinflação no Brasil.

Só a partir do real o país pôde buscar a melhora da reputação na economia internacional que nos levou a subir lentamente os degraus da classificação do nível de risco. E é deste caminho que estamos agora fazendo um amargo regresso.

O que precisa ficar claro para este governo é que não se trata apenas do custo dos empréstimos externos ou do interesse que os investidores possam ter em nós. Os grandes financiadores da dívida pública brasileira somos nós mesmos, por isso, a mudança da trajetória do endividamento, a estabilização da dívida/ PIB e sua posterior redução têm que ocorrer para garantir as economias e o patrimônio dos próprios brasileiros.

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