Devemos a um conhecido estudioso da cultura de massas no Brasil a chave hermenêutica precisa para entender determinadas manifestações político-culturais em nosso país, em nosso estado e a nossa cidade. Refiro-me ao uso da categoria estética do “grotesco”, associada pelo russo Mikail Bakhitin à “carnavalização” da cultura ocidental.
Originalmente empregada para no estudo da cultura popular na Idade Média, especificamente a obra do monge Rabelais, a poética do grotesco tornou-se uma espécie de cânone literário e estético de larga aceitação na análise de outros contextos culturais distintos e distantes da límpida e elegante linguagem simbólica da cultura oficial dos bem-pensantes e bem comportados ou socialmente aceitos pelo asceticismo da tradição
judaico-cristã que nos formou.
Segundo o crítico da cultura de massas, nada definiria melhor a identidade do brasileiro (e certamente do pernambucano e recifense) do que o carnaval, enquanto manifestação da estética do riso ou do grotesco. E o seu maior intérprete teria sido, aliás,
um pernambucano, Abelardo Barbosa (Chacrinha). Este seria o modelo, por excelência, da alma “brincante”, “lúdica” “bioenergética” do povo brasileiro. O que o tornaria resistente às crises ou propenso a esquecê-las. Como diz a propaganda da cerveja que patrocina da folia: “Crise? – que crise?”. O carnaval, como estética do grotesco, é um rito de inversão simbólica que empodera “imaginariamente” os de baixo contra os de cima, durante o ciclo momesco .
Assim, não haveria nada mais estranho do que a imagem de um carnaval organizado pelos poderes públicos como principal produto turístico a ser vendido a turistas e visitantes do mundo inteiro, sob a justificativa do “exótico”, do “diferente”, do “telúrico” ou “regional”. Que a tapioca de côco ou a batida de limão seja oferecida como a marca da nossa identidade cultural, entende-se. O carnaval, como rito de inversão, não pode e não deve ser transformado numa espécie de “ativo cultural” ou uma “vantagem civilizatória comparada”, destinada a fazer do Brasil o lugar da confraternização das raças.
Mais surpreendente é ver a folia transformada em altar, monumento ou consagração de notabilidades políticas de aldeia, com a participação de familiares, apaniguados e clientes de toda espécie, para que depois pode ser usado em cartazes de campanha eleitoral antecipada, nas barbas da inerte e cega justiça eleitoral. Como a política de Pernambuco, com ou sem Ariana Suassuna, vem se tornando o palco de um espetáculo armorial, com rainhas, infante e um cordel de áulicos sempre dispostos a aplaudir o espetáculo mambembe, talvez possamos aplicar aos políticos pernambucanos a categoria de “grotesco”, oriunda da poética do riso, da mofa, do escárnio ou da sátira.
A política de Pernambuco hoje é objeto da carnavalização, no sentido mais preciso (e profundo) do termo. O sentido bizarro, grotesco, risível das nomeações pós-carnavalescas do atual representante do Poder Executivo Estadual, só podem ser entendida no registro da política do grotesco e do risível. Pernambuco está sendo objeto de gozações e de riso no Brasil todo como uma espécie de reino armorial onde o seu mandatário (ou mandado) não governa, não administra, cumpre ordens dinásticas ditadas por eminências não tão pardas assim, que apresentam seus pedidos e são regiamente atendidas. Mesmo quando essas medidas parecem contrariar os princípios mais comezinhos da impessoalidade, da moralidade, da legalidade, que caracterizam a administração republicana. Aqui a famosa tese dos cidadãos “superintegrados juridicamente” e dos “subintegrados” virou a tese dos filhos de algo (“fidalgos”) e a vala comum dos outros cidadãos de segunda categoria que estudam, trabalham duro, prestam concursos, não recebem salário condigno, mas são obrigados a pagar impostos para sustentar a vida nababesca dos primeiros.
Quando isto terá fim?
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Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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