terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Andrea Jubé: Todo governo precisa de um "Robertão"

- Valor Econômico

A tarefa de Marun é aprovar a reforma da Previdência

Envolto em polêmicas desde quando liderava a tropa de choque do deputado cassado Eduardo Cunha, o novo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, passou a ser comparado ao ex-líder do governo José Sarney Roberto Cardoso Alves, o "Robertão", morto em 1996. Eles têm em comum o biotipo, a filiação ao MDB, a lealdade e a disposição às missões espinhosas.

"O Marun é o Robertão do Temer, mas não tem jeito, todo governo precisa de um Robertão", conforma-se um ex-presidente do MDB e um dos parlamentares a quem o presidente Michel Temer mais dá ouvidos. Para este cacique emedebista, Marun, parlamentar de primeiro mandato, não tem verniz para o cargo, que assumiu no dia 15 de dezembro.

Avalizado pela bancada do MDB na Câmara, Marun conquistou assento na cúpula do poder em sua estreia parlamentar. Mas a nomeação tem precedente de peso histórico: Tancredo Neves tornou-se ministro da Justiça do presidente Getúlio Vargas em 1953, na metade de seu primeiro mandato de deputado federal.

Embora estreante em Brasília, Marun é filiado ao MDB há mais de dez anos e estreitou laços com Temer tendo como fiador um longevo cacique emedebista, o ex-governador de Mato Grosso do Sul André Puccinelli - preso no dia 14 de novembro pela Polícia Federal na Operação Lama Asfáltica, que investiga desvios de mais de R$ 230 milhões nos últimos dez anos no Estado.

Marun é advogado, engenheiro civil, e foi secretário municipal e estadual de Habitação nas gestões de Puccinelli na Prefeitura de Campo Grande e no governo estadual.

Robertão era o homem das tarefas árduas no Congresso durante a gestão Sarney. Entre tantas, a principal incumbência foi garantir cinco anos de mandato para o emedebista na Assembleia Constituinte de 1988, num momento de escalada da hiperinflação, em que o presidente era pressionado a renunciar. A Constituição de 1988 definiu que os mandatos presidenciais seriam de quatro anos, exceto o de Sarney.

A constatação de que todo governo tem o seu Robertão alcança a era Fernando Henrique Cardoso. O papel de interlocução com a base aliada coube ao ex-deputado federal e ex-ministro extraordinário dos assuntos políticos Luiz Carlos Santos, morto em 2013. Filiado ao MDB, sua principal atribuição foi aprovar a emenda da reeleição em 1997 para garantir mais quatro anos para FHC.

A comparação entre Marun e Robertão é quase automática, até pelo porte corpulento, ambos de quase 2 metros de altura, voz grave e imponente. "Eles têm o mesmo biotipo, mas Robertão era rompedor, atropelava às vezes, enquanto Marun é conciliador", observa o vice-líder do governo, deputado Beto Mansur (PRB-SP), que conviveu no passado com o primeiro e agora compartilha da articulação pró-reforma da Previdência com o segundo.

Outra semelhança é a língua solta e a aparente despreocupação com críticas ao fisiologismo. Foi Robertão quem popularizou a expressão "é dando que se recebe" durante o governo Sarney. "Cargo dá voto para diabo", declarou durante a Constituinte.

Nos últimos dias, Marun causou polêmica ao afirmar que esperava apoio dos governadores à reforma da Previdência em troca de liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal. "Não é chantagem, são ações de governo", desafiou.

Como vice-líder do governo, subiu à tribuna para rebater as acusações de que Temer facilitava a liberação de emendas parlamentares em troca de votos pelo arquivamento das denúncias da Procuradoria-Geral da República. "Aí eles falam em emendas, que liberaram emendas. Ora, as emendas são impositivas! Alguém conhece algum deputado da oposição que tenha dito que não quer mais as suas emendas?", tripudiou no dia 3 de agosto.

Ainda em comum, Robertão, Luiz Carlos Santos e Marun têm a interlocução direta com a maioria da base aliada, formada pelas bancadas do MDB e do Centrão. A incumbência de Robertão era garantir o quinto ano de Sarney na Presidência. A de Luiz Carlos Santos, a emenda da reeleição. A de Marun, depois de salvar o mandato de Temer, aprovar a reforma da Previdência.

Se Marun estender para o Congresso as mudanças que já promoveu no quarto andar do Palácio do Planalto, são razoáveis as chances de atrair mais votos para as mudanças previdenciárias.

Há pouco mais de duas semanas no posto, ele arejou o clima nos arredores. Há mais deputados de todos os matizes na concorrida sala de espera do ministério e até se ouvem risadas no corredor.

Espontâneo, dançou e cantou no plenário "Tudo está no seu lugar, graças a Deus" após a suspensão da segunda denúncia contra Temer. Foi alertado de que um certo "Benito" aborrecera-se com o festejo. Procurou o deputado Benito Gama (PTB-BA) para se desculpar, mas foi corrigido de que se tratava do compositor Benito di Paula.

Na antevéspera do Natal, com o Congresso às moscas, uma dezena de deputados da bancada gaúcha aguardava impaciente o novo articulador político. Ele adentrou o recinto fazendo gracejos. "Mas ninguém me avisou que nesse cargo eu teria que receber gremistas". Gaúcho de nascimento, ele é colorado de carteirinha e teve de digerir a vitória do Grêmio na Copa Libertadores da América.

Uma fonte da Casa Civil relata que, há duas semanas no cargo, Marun já contribuiu para esvaziar o gabinete de Padilha dos deputados que o procuravam porque recusavam a interlocução com Antonio Imbassahy (PSDB), de estilo oposto - sóbrio e circunspecto. As próximas semanas, até fevereiro, dirão se a aposta no perfil espontâneo e expansivo de Marun renderá frutos, ou melhor, votos.

Leituras de verão
O recesso acomoda as planilhas de votos nas gavetas e abre brecha para as leituras de verão. O presidente Michel Temer dedica mais tempo à leitura de "Homo Deus - Uma breve história do amanhã", de Yuval Noah Harari, o mesmo autor de "Sapiens". O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está lendo "Organizações Exponenciais", de Salim Ismail, sobre padrões das empresas mais importantes do mundo. O ministro Moreira Franco, mantém o foco eleitoral com "A vertigem das urnas", do publicitário francês Jacques Séguéla, sobre dez campanhas eleitorais na França.

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