segunda-feira, 6 de março de 2017

Manifestações e delações - Denis Lerrer Rosenfield

- O Estado de S. Paulo

As delações da Odebrecht, que começam a aparecer sob a forma de depoimentos prestados ao Tribunal Superior Eleitoral, são estarrecedoras. Até o mais cético pergunta-se como pudemos ter chegado lá, com o Estado tendo sido tomado de assalto por uma organização criminosa. Foi o esplendor dos governos lulopetistas.

A abrangência, contudo, destes depoimentos e delações, mostra que a praga, capitaneada pelo PT, não se restringiu a este partido, tendo contaminado profundamente o PMDB, o PP, o PDT e, agora, o PSDB, além de outros partidos. É praticamente toda a classe política que foi posta em questão.

A questão política tornou-se uma questão policial, tendo como pano de fundo uma profunda recessão e um amplo desemprego produzidos pelos sucessivos governos petistas. O desmonte foi total, tendo atingido empresas estatais, como a Petrobras, que se tornou instrumento de corrupção e propina, sustentando um projeto de Poder e enriquecendo políticos e funcionários. Empresas “vermelhas”, como a Odebrecht, foram colaboradoras entusiastas e aproveitadoras do projeto socialista.

Ocorre que a desestruturação política foi de tal porte que produziu um imenso enfraquecimento institucional, que só não foi maior pelo comprometimento com a Justiça, personificado pela Lava Jato. O bem público foi colocado em primeiro lugar. Poderosos, pela primeira vez, foram investigados, condenados e presos. Eis a luz no meio de um cenário sombrio.

O presidente Temer, alçado constitucionalmente à posição de presidente, foi resultado de todo esse descalabro econômico, social, político e institucional. Determinantes foram as manifestações de rua, em particular a de 13 de março do último ano, que deu um não definitivo à ex-presidente Dilma e ao PT, e um sim indireto ao novo mandatário.

Coube a ele empreender a transição, enfrentando uma herança maldita que só aos poucos foi se tornando clara. Medidas urgentes na área econômica foram postas como prioritárias, tendo como resultados a PEC do Gasto Público, o envio da PEC da Previdência, o Projeto de Lei da Modernização da Legislação Trabalhista, a profissionalização da Gestão da Petrobras, a efetiva independência concedida ao Banco Central, tendo se traduzido pela queda da inflação, além de outras medidas igualmente importantes como uma nova Política Externa após o descalabro bolivariano-petista e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos).

Contudo, a sociedade está insatisfeita, e com razão! Exigiu — e continua exigindo — uma nova forma de fazer política, ancorada no princípio da moralidade pública. O “não” dito à ex-presidente Dilma e ao PT não foi um “sim” à permanência das mesmas formas de governar. E neste quesito, o novo governo deixou a desejar.

Premido por aprovar as novas reformas econômicas, o novo presidente terminou privilegiando a relação com a Câmara dos Deputados e com o Senado, consciente de que este era o caminho. Descuidou, porém, da parte da moralidade pública, cercando-se de assessores e ministros que não correspondem ao novo padrão ético estabelecido pela sociedade brasileira. Entrou em descompasso.

É bem verdade que o novo presidente só poderia governar com deputados e senadores que tinham sido eleitos na onda populista-esquerdista, estando estes acostumados aos privilégios e aos mais diferentes tipos de “negócios”. Entretanto, houve um evidente desbalanceamento, com as novas demandas éticas tendo sido relegadas a segundo plano.

Neste sentido, o presidente Temer está sendo responsabilizado por suas escolhas iniciais. Nada há que o desabone pessoalmente, algo que foi inclusive mostrado no recente depoimento de Marcelo Odebrecht. O mesmo não pode ser dito de várias pessoas de seu entorno.

O volume de vazamentos nas próximas semanas, senão dias, será equivalente ao de uma avalanche, levando alguns a desonra, outros a condenações e prisões. Não haverá controle sobre esse processo. E seus efeitos serão os mais impactantes, em uma espécie de terra política arrasada.

O procurador Janot, se estivesse verdadeiramente à altura de seu cargo, deveria partir imediatamente para oferecer denúncias para os mais envolvidos na Lava Jato, abrindo caminho para que o presidente Temer, conforme sua promessa, possa imediatamente afastar alguns ministros, segundo critérios por ele mesmo estabelecidos. Não há, porém, nenhum indício de que vá seguir esta via, contentando-se com a abertura de inquéritos que podem levar anos.

Aumenta aí a responsabilidade do presidente, pois não poderá ele aguardar que denúncias se produzam se o volume de delações e depoimentos for avassalador. A sociedade pode entrar em estado de indignação, traduzindo-se por fortes manifestações de rua. Não irá esperar!

Refiro-me, evidentemente, às manifestações do tipo que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma, e não às do tipo circense, organizadas pelo PT e seus movimentos sociais, os mesmos que levaram à grave crise atual. Só podem pretender uma crise ainda mais profunda que permita realizar seus delírios socialistas.

Aliás, neste quesito, estão sendo apoiados por intelectuais igualmente circenses, que pretendem fazer voltar ao Poder o ex-presidente Lula, que se esmera em fugir de condenações e da prisão. É o conluio da esquerda com o crime.

Não há o que temer de uma sociedade que reage e exige de seus governantes padrões éticos de conduta. Se não aprova o modo de fazer política do novo governo, reproduzindo comportamentos anteriores, é seu dever manifestarse. Manifestações tanto mais legítimas se souberem igualmente reconhecer os enormes avanços da agenda econômica reformista do novo governo.

Manifestações são gritos de uma sociedade que quer se fazer ouvir. O presidente Temer tem uma rara oportunidade de se tornar seu verdadeiro interlocutor. Para isto, deve tomar medidas de moralidade pública no seu círculo ministerial, que mostrem sintonia com uma opinião pública que clama por mudanças.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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