- O Estado de S. Paulo
Há quem sonhe com a volta da exuberância das commodities da era Lula
Aqui dentro, como todos podem ver, as coisas continuam difíceis. É verdade que, aos poucos, vão se enfraquecendo algumas amarras à atividade econômica, com a ajuda da queda da inflação, da derrubada dos juros, que ainda passa ao largo dos pobres mortais, e de alguns incentivos pontuais, como a liberação das contas inativas do FGTS.
Mas outras tantas resistem. A mais visível é, sem dúvida, a persistência do desemprego, que atua para inibir a volta dos consumidores às compras e, por tabela, mantém os negócios em fogo brando.
Vem de fora, no entanto, um certo ânimo para a combalida economia brasileira. Há sinais de recuperação da economia global, com forte impacto na valorização das commodities – o que interessa diretamente ao Brasil. Em fevereiro, a balança comercial brasileira exibiu um superávit de US$ 4,56 bilhões – o maior desde 1989, para os meses de fevereiro. E, pelo critério da média diária, as exportações cresceram 22,4% sobre fevereiro de 2016, com aumentos superiores a 100% no caso de commodities: minério de ferro (126,2%) e soja em grão (106%), só para citar dois exemplos. O comportamento das bolsas de valores aponta na mesma direção: altas seguidas, sustentadas pelas empresas com negócios baseados em commodities.
De olho nesses números, já há quem ouse sonhar com a volta da exuberância das commodities, que favoreceu a economia brasileira na era Lula. Mas, como a experiência mostra que num segundo o sonho pode virar pesadelo, é mais do que conveniente fazer algumas ressalvas, neste momento em que se manifesta uma natural ansiedade por descobrir indícios de melhora no cenário. Antes de mais nada, mesmo os especialistas mais entusiasmados não estão contando com a hipótese de que a nova onda das commodities venha com a mesma força da anterior. Alguns inclusive consideram que essa onda já teria atingido o seu ponto máximo.
Em segundo lugar, o governo Trump e seus efeitos no quadro internacional ainda são uma interrogação. Quem disser que sabe exatamente o que o impetuoso presidente americano fará, ao longo de todo o seu mandato, em termos de política econômica e de relações internacionais – na verdade, em todos os campos – ou é presunçoso ou está mentindo. Trump tomou posse há um mês e meio com um discurso menos agressivo, logo em seguida anunciou medidas mais radicais do que seus rompantes de campanha eleitoral – caso da repressão aos imigrantes. E, na semana passada, em sua primeira visita ao Congresso, surpreendeu com um tom mais moderado, a ponto de animar os mercados. Na política comercial, ele rompeu com a Parceria Transpacífica (TPP), prometeu renegociar o Nafta, desafiou a China e, agora, a bola da vez é o fechamento de acordos bilaterais com cláusulas de “aviso prévio”.
No meio desse vendaval, a economia americana caminha razoavelmente bem – a previsão é de um crescimento próximo de 2% em 2017, mesmo com a esperada elevação gradual de juros a partir deste mês, confirmada pela presidente do Fed, Janet Yellen. Os países da zona do euro contam com um resultado mais modesto, de cerca de 1,6%, e a China fixou uma meta de crescimento de 6,5%. Mas até quando esse “equilíbrio” vai durar?
Em terceiro lugar, há a própria política externa do Brasil. Com José Serra à frente das Relações Exteriores, ensaiou-se a formação de um superministério, encorpado com toda a área de comércio exterior, mais de acordo com o tamanho do seu titular, mas isso acabou ficando no meio do caminho – o Itamaraty recebeu o reforço da Camex. O que se concretizou, de fato, foi uma volta do pragmatismo e uma guinada em direção aos países mais desenvolvidos. Seu sucessor, Aloysio Nunes Teixeira, promete seguir a mesma trilha, apesar dos arroubos anti-Trump. Fala em dar nova vida ao Mercosul, aproximar o bloco da União Europeia e da Aliança para o Pacífico. Falta ainda, porém, uma estratégia mais definida, que amplie a presença do País nos mercados internacionais.
Mesmo com essas dúvidas, a contribuição do exterior à recuperação da economia brasileira não deve ser minimizada. Até porque, com a intempestiva chegada de Trump ao poder, as perspectivas eram opostas, ou seja, de desarrumação do mercado global. Portanto, se a economia lá fora não atrapalhar, já será uma boa ajuda.
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