Para o presidente Michel Temer, a investigação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre uso de dinheiro desviado da Petrobras na campanha da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff se transformou em mais um "fator de instabilidade" na já volátil conjuntura política do país. Temer é parte interessada no caso. Se a ação for considerada procedente, o presidente perde o cargo e Dilma, os direitos políticos surpreendentemente preservados pelo Senado na votação do impeachment. Mas a reflexão de Temer, um presidente no olho do furacão da crise, merece análise cuidadosa, sobretudo a partir dos recentes desdobramentos da investigação no TSE.
Na última quinta-feira, por exemplo, o ministro Herman Benjamin, relator do processo no TSE, tomou o depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura , Benedito Júnior, mais conhecido pela sigla BJ. Ao falar, o executivo, em vez de se concentrar em esclarecer seu papel no financiamento da chapa vitoriosa em 2014, formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, preferiu rasgar o verbo sobre um suposto pedido de caixa 2 feito por Aécio Neves, o candidato do PSDB na mesma eleição, que chegou em segundo lugar e disputou com Dilma o segundo turno.
O experiente ministro Herman só se deu conta de que BJ tratava de assuntos não pertinentes ao caso muito depois, quando o executivo já havia misturado as bolas. Bem diferente do que costuma fazer o jovem juiz Sérgio Moro, que no comando dos processos decorrentes da Operação Lava-Jato, em Curitiba (PR), trata de interromper sempre que um depoente avança sobre assuntos da competência do Supremo Tribunal Federal (STF), o que poderia implicar na nulidade do processo em questão.
Na teia do ministro Herman, que demonstra pressa inusitada para fechar o processo antes de voltar para o Superior Tribunal de Justiça, do qual é originário, entraram outros candidatos de 2014, além de Aécio Neves - casos de Marina Silva, à época no PSB, e de Eduardo Campos, que morreu em plena campanha, em acidente aéreo.
Desde o início, a ação do PSDB no TSE causa divergências no mundo jurídico. Dois dos mais conceituados juristas brasileiros, por exemplo, estavam em campos opostos: Dalmo Dallari, 83 anos, dizia que o TSE não tinha competência para cassar Dilma, depois dos 15 dias contados da diplomação; Ives Gandra Martins, por seu turno, defendeu a tese da competência do TSE para anular a eleição. A propriedade de o tribunal conduzir uma investigação chegou a ser posta em dúvida.
A ação para a impugnação de um presidente da República é inédita no TSE, o que provavelmente explica e pode justificar a adoção de procedimentos igualmente singulares. E dúvidas também pertinentes. O relator vai julgar com base em depoimentos que mais tarde ainda serão avaliados pela Corte competente, que pode aceitá-los ou simplesmente rejeitá-los como prova? A delação, por si só, não é uma prova. Ela será cotejada com outros elementos nos autos, antes de uma sentença definitiva que não caberá ao TSE, no caso de acusados com foro especial, mas ao STF. E se o Supremo absolver quem o TSE condenar ou vice-versa?
O momento delicado que atravessa o país exige serenidade das instituições e dos homens públicos à frente delas. A luz dos holofotes não é boa conselheira. A melhora de alguns índices econômicos, sem dúvida, não pode justificar a paralisação de investigações, cada qual na instância competente, muito menos a impunidade dos responsáveis pelo saque do Estado brasileiro, do qual a versão mais bem acabada é o rombo de mais de R$ 2 bilhões deixado na Petrobras. Mas a queda da inflação e da taxa de juros são, sim, ganhos que não podem ser sacrificados no altar da luta política.
O país avançou muito no combate à corrupção e à impunidade, dentro das regras vigentes e das instituições forjadas na redemocratização, não há mais recuo possível nessa área. A sociedade está atenta às manobras arquitetadas na calada da noite, no Congresso Nacional - onde se costuram anistias - ou fora dele, e elas não vingarão como até agora não vingaram. A instabilidade política é real, fruto inclusive do amadurecimento democrático. Que a radicalização política não seja fator para o desmoronamento do que precisou de tanto esforço para ser reconstruído, nos últimos 32 anos, e que está dando conta do recado.
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