quarta-feira, 25 de abril de 2018

Delação da Odebrecht fica fora de processos contra Lula

Segunda Turma do STF tira provas das mãos do juiz Sergio Moro

Três ministros avaliaram que casos do sítio de Atibaia e do terreno para Instituto Lula não se relacionam à Lava-Jato. Para defesa, decisão permite questionar competência para julgar petista

A Segunda Turma do STF decidiu retirar do juiz Sergio Moro trechos da delação de executivos da Odebrecht que citam o ex-presidente Lula em supostos esquemas de corrupção da empreiteira. Para os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, a reforma do sítio de Atibaia e a compra do terreno para o Instituto Lula não têm relação com os crimes contra a Petrobras, investigados pela Lava-Jato em Curitiba. A defesa do petista avalia que a decisão abre caminho para questionar a competência de Moro para julgar os casos relacionados a Lula. A Procuradoria-Geral da República pode recorrer. A PF pediu à Justiça a transferência de Lula de sua sede em Curitiba, por conta dos gastos e transtornos.

Restrições a Moro

Segunda Turma do STF retira do juiz trechos da delação da Odebrecht que citam Lula

André de Souza, Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt | O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por três votos a dois, retirar das mãos do juiz Sergio Moro trechos da delação dos executivos da empreiteira Odebrecht que citam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em supostos esquemas de corrupção articulados pela empreiteira. No entendimento dos ministros, os depoimentos dos delatores sobre casos como o sítio de Atibaia e a sede do Instituto Lula não têm relação com os crimes praticados contra a Petrobras e investigados pela Lava-Jato em Curitiba, foco da atuação de Sergio Moro.

A decisão levantou uma série de questionamentos sobre o futuro das investigações que tramitam em Curitiba sob a responsabilidade de Moro. Isso porque a defesa de Lula sustentou, tão logo encerrado o julgamento, que o entendimento adotado pela Segunda Turma abriria espaço para questionamentos mais amplos, como a própria competência de Moro para julgar os casos relacionados ao petista — o que pode ser objeto de um novo recurso da defesa. Moro e os investigadores da força-tarefa não quiseram comentar a decisão do STF.

A decisão da Segunda Turma foi tomada a partir de um tipo de recurso chamado “embargos de declaração”, apresentado pela defesa de Lula. A PGR, se quiser, pode recorrer na própria turma e protocolar novos recursos sobre a decisão de ontem. A procuradora-geral, Raquel Dodge, também pode pedir que o caso seja examinado no plenário do Supremo.

Os trechos dos depoimentos dos executivos da Odebrecht sobre a compra do terreno para a o Instituto Lula e a reforma do sítio de Atibaia foram remetidos no ano passado a Curitiba por terem relação com processos em andamento na 13ª Vara Federal, comandada por Moro, e por se referirem ao esquema de corrupção investigado pela Lava-Jato. No fim do ano passado, a defesa de Lula recorreu da decisão do STF que enviou os trechos dessas delações para o juiz da LavaJato. Esse recurso começou a ser julgado em março. Depois de o relator Edson Fachin ter votado pela manutenção desses depoimentos com Moro, o ministro Dias Toffoli pediu vista. O julgamento só foi concluído ontem.

DECISÃO PODE SER EXPLORADA EM OUTROS CASOS
Em setembro de 2015, o plenário do STF decidiu que investigações com origem na Lava-Jato continuariam com Moro apenas se tivessem ligação com a Petrobras. Outros casos seriam distribuídos pelo país. Foi assim, por exemplo, que o juiz Marcelo Bretas ficou responsável por vários processos que tratam de irregularidades no Rio. No ano passado — depois, portanto, da decisão de 2015 —, Fachin determinou o envio dos trechos da delação da Odebrecht para Moro.

Há depoimentos, no entanto, que vinculam Lula a desvios na Petrobras. Pelo menos três delatores falaram do envolvimento do ex-presidente no acerto de propinas na estatal. Quando o ex-ministro Antonio Palocci cobrou 1% ao PT pelos contratos de seis sondas, um dos delatores da Odebrecht Rogério Araújo, por exemplo, disse ter ouvido que era Lula, tratado pelo apelido de “Sapo Barbudo”, que daria “orientações”. Marcelo Odebrecht também disse ter confirmado tal acerto diretamente com Palocci.

Lula recorreu, mas, em outubro, a Segunda Turma negou por unanimidade o pedido da defesa e determinou que os depoimentos continuariam com o juiz. Reconheceu, assim, sua relação com a Petrobras. Mas agora três ministros mudaram de posição e entenderam que os depoimentos deveriam ser enviados para a Justiça Federal de São Paulo. A nova decisão poderá ser explorada em outros casos, envolvendo Lula ou demais réus. Ainda não está claro o real impacto da decisão, tanto em Curitiba quanto em São Paulo.

Ontem, Gilmar minimizou essa alteração de entendimento.

— É só juízo prévio. Se for constatada uma outra razão que justifica a declinação da competência (enviar para determinada instância), se pode fazê-lo — argumentou Gilmar.

Os ministros determinaram que deve ser remetido à Justiça Federal de São Paulo um conjunto de depoimentos sobre favores prestados pela empreiteira ao ex-presidente, como a reforma do sítio, mas também de negócios internacionais, que teriam contado com a atuação e influência de Lula para serem feitos pela Odebrecht. É o caso dos depoimentos sobre obras do setor elétrico e de projetos da empreiteira em Cuba e na Venezuela.

— Ainda que o Ministério Público possa considerar que pagamentos teriam origem em fraude na Petrobras, não há demonstração desse liame (ligação) nos autos — disse Toffoli.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram com Dias Toffoli. Já o relator Edson Fachin e Celso de Mello concordaram com a PGR, que se manifestou pela permanência dos depoimentos da Odebrecht com Moro.

Apesar de a Segunda Turma da Corte ter decidido retirar trechos da delação de Curitiba e remetê-los a São Paulo, os processos que envolvem o sítio de Atibaia e a sede do Instituto Lula vão continuar nas mãos de Moro porque a decisão dos ministros só tratou da questão específica do conteúdo da delação da Odebrecht.

Ao G1, a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná informou que a força-tarefa da Operação Lava-Jato ainda está analisando o impacto da decisão e, por enquanto, não iria se manifestar.

Depois do julgamento, o ministro Gilmar Mendes indicou que a decisão poderá ser usada para retirar as ações penais de Moro. O ministro, no entanto, não soube avaliar todas as implicações do julgamento desta terça-feira.

— Poderá haver recurso em relação a processos que estão com Moro sob argumento de que não se trata de Petrobras. — disse Gilmar, acrescentando. — Não sei quais implicações em todos os casos.

ADVOGADOS DE LULA BUSCARÃO MAIS RECURSOS
A defesa do ex-presidente Lula comemorou a decisão, por considerar que abre margem para questionamentos ainda mais amplos ao trabalho deMoro. O advogado Cristiano Zanin afirmou, em nota, que a posição dos ministros da Segunda Turma “impõe” a retirada dos processos de Lula das mãos de Moro: “Não há qualquer elemento concreto que possa justificar a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba nos processos envolvendo o ex-presidente. Entendemos que essa decisão da Suprema Corte faz cessar de uma vez por todas o juízo de exceção criado para Lula em Curitiba, impondo a remessa das ações que lá tramitam para São Paulo”.

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