quinta-feira, 1 de junho de 2017

A plataforma Jobim | Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Coluna foi suspensa para preservar convocação

Os leitores do "Zero Hora", de Porto Alegre, estão há duas semanas sem um dos seus principais colunistas. A seção fixa que o advogado Nelson Jobim mantinha no jornal às segundas-feiras foi descontinuada por tempo indeterminado. A suspensão de suas colunas coincidiu com a ascensão do ex-ministro de três governos, ex-ministro de dois tribunais superiores (STF e TSE) e sócio de André Esteves no BTG-Pactual, como o nome mais suprapartidário para o colégio eleitoral que pode vir a ser convocado para a escolha de um eventual substituto do presidente Michel Temer.

No seu escritório de advocacia, informa-se que a suspensão temporária se deu em função do momento político do país. O ministro temia ser mal interpretado em seus contundentes artigos. Entre seus leitores mais atentos, e não apenas dentro das fronteiras gaúchas, a suspensão das colunas foi vista como uma iniciativa de Jobim para se preservar da percepção de que poderia vir a ser o coveiro da Lava-Jato. O colunista tem o destemido mérito de cultivar a tese, cada vez mais impopular, de que não há saída fora da política. A leitura dos textos sugere que a suspeita sobre sua licença procede.

Seis dias depois da divulgação da delação dos executivos da Odebrecht, Jobim publicou coluna intitulada "A crise". Dedicou-se, no texto, a desautorizar, com seis pontos de exclamação, a validação, como prova, daquilo que fora dito pelos delatores: "Aqueles que visaram a vantagens com suas delações passaram a ser fonte da verdade absoluta (!!!). (Os corruptores passaram a ser fonte de certeza (!!!))". O ex-ministro também contestou a interpretação de que o sistema político ruíra frente à abundância de deputados, senadores e governadores alvos de inquérito. Nas contas expostas no texto, apenas 12% dos congressistas haviam sido atingidos. Ao esgrimir seus conhecimentos na matéria, adquiridos em mestrado na Universidade Federal de Santa Maria, nunca concluído, disse que o país estaria diante do "erro lógico da generalização empírica", tese do filósofo austríaco Karl Popper.

A constatação de que o país está à beira de uma catástrofe, na visão de Jobim, viabilizaria o aparecimento de um "caudilho redentor" que apenas substituiria um problema por outro. A ausência do prefeito de São Paulo, João Doria, e do deputado Jair Bolsonaro das listas das empreiteiras não era tema de sua coluna, mas o ex-ministro não disfarçou a preocupação com as consequências das delações sobre o plantel de opções para 2018: "A criminalização da política serve a impostores e déspotas. A crise política se resolve pela política".

Quando começou a escrever no "Zero Hora", Jobim não estava no Conselho de Administração do BTG. Ainda atuava como consultor jurídico de empresas atingidas pela Lava-Jato. Com sua nova ocupação, os textos incorporaram as abordagens de que passou a ser alvo. "Quando Lula será preso?" é um texto de abril deste ano: "É pergunta recorrente. Ouvi em palestras, festas, bares, encontros casuais. Alguns complementam: 'Foste ministro de Lula e da Dilma, tens que saber...' Não perguntam qual conduta de Lula seria delituosa. Nem mesmo perguntam sobre ser, ou não, culpado. Eles têm como certo a ocorrência do delito, sem descrevê-lo. Pergunto do que se está falando. A resposta é genérica: é a Lava-Jato".

O colunista cita J.L.Borges ("Mas não vamos falar sobre fatos. Ninguém se importa com os fatos. Eles são meros pontos de partida para a invenção e o raciocínio") e Nietzsche ("As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras") para criticar aqueles que identificam justiça com vingança, se comprazem de conduções coercitivas e se orgulham de seus ódios. Em sua temporada paulistana, além de não ter aposentado a segunda pessoa do singular, parece desconfortável com a garoa do antipetismo: "A indignação, para alguns, verte-se em espanto e raiva ao mencionarem pesquisas eleitorais, para 2018, em que Lula aparece em primeiro lugar. Dizem: 'Essa gente é maluca, esse país não dá...".

A plataforma de Jobim pode não ter grande apelo junto à classe média, mas encontra guarida no colégio eleitoral que pode vir a escolher o sucessor de Temer. Numa coluna escrita em setembro do ano passado, quando o Ministério Público apresentou suas propostas de combate à corrupção com grande alarido, o ex-ministro desafiou quem conheceria seu conteúdo. Sondou algumas pessoas e descobriu que todas apoiavam as medidas mas ninguém as tinha lido. Concluiu que as propostas eram muito condescendentes com provas ilícitas e que a boa-fé dos agentes públicos que delas se valem não os exime de responsabilidade.

Em outro texto, o ministro ainda se insurgiu contra um dos pilares da Lava-Jato. Tomou as dores dos ministros que revogaram prisões preventivas da operação e foram alvos de críticas. Valeu-se de argumentos comuns à advocacia: as prisões estavam se prolongando, indefinidamente, no tempo; não havia remanescentes de seus fundamentos iniciais; e a gravidade do delito não pode ser usada como justificativa. Com o silogismo que o caracteriza, diz que a preventiva é a redução, para uma única instância, da prisão para a qual o tribunal havia determinado serem necessárias duas instâncias.

Avesso a entrevistas, o ex-ministro disse, em palestra recente no BTG, que não acreditava mais na permanência de Temer no governo. A delação da JBS parece ter sido definitiva para o juízo de Jobim. Até muito recentemente, seus artigos defendiam o presidente das críticas de que opera com a velha política, negociando acordos partidários e cargos. "Em política não se escolhe o interlocutor", advertiu o ecumênico advogado. "Os interlocutores são aqueles que estão aí, que estão à mesa e na gerência das instituições. Lá chegaram pelo voto e pelos meios constitucionais".

O tom pedagógico sugere que não prega para convertidos. Escreve com a disposição de quem pretende desfazer convicções arraigadas contra a política. Até para aprovar reformas reclamadas pelo novo estamento ao qual passou a pertencer. Diz que as alegadas 'conquistas sociais', em muitos casos, são escudo para privilégios, mas adverte que nada será alcançado sem o respeito ao embate de forças. Não restaria nenhuma, ou só um "Trump caboclo", se prevalecer o que diz ser retaliação do passado e destruição do presente. Quer pactuar uma travessia, que um dia foi anistia e hoje, com o inédito inquérito presidencial, ganhou o nome de indulto. Dela depende a volta do colunista à política.

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