- Valor Econômico
Questão é saber se nova rodada será possível em 2018
O governo conta com uma receita extraordinária de cerca de R$ 49 bilhões até o fim deste ano para fechar suas contas, reduzir o corte de gastos já realizado e cumprir a meta fiscal. No cálculo, não foi considerada a arrecadação com as concessões de serviços públicos. Como o Congresso Nacional recusou elevar os tributos, caminho inicialmente proposto pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a Secretaria da Receita Federal (SRF) e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se desdobraram para encontrar alternativas que garantam um aumento da arrecadação.
Duas medidas provisórias foram editadas pelo presidente Michel Temer nas últimas semanas, outra foi baixada ontem e mais uma está em gestação. Ao mesmo tempo, um projeto de lei foi encaminhado ao Congresso para permitir que o governo use os recursos de precatórios pagos e que estão há mais de dois anos nos bancos sem serem sacados pelos beneficiários.
Todos os atos legais têm o objetivo explícito de arrecadar mais e garantir receita suficiente para pagar as contas e evitar uma revisão da meta fiscal, o que seria desastroso para as expectativas do mercado. Há ainda a previsão de receita com a segunda rodada da regularização de ativos mantidos por brasileiros no exterior - a chamada repatriação de recursos, que foi permitida por lei aprovada neste ano.
Um fato precisa ser entendido: de 2011 a abril de 2017 (anualizado), a receita líquida da União apresentou queda de 1,7 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN). A redução foi provocada pela recessão econômica mais profunda da história do país e por uma desastrosa desoneração tributária realizada no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, cujo objetivo era estimular a economia e os investimentos, mas que apenas sangrou os cofres públicos. No mesmo período, segundo a STN, a despesa total da União aumentou 2,9 pontos percentuais do PIB.
É essencial para o governo, portanto, recuperar pelo menos parte da receita perdida, pois não há outra possibilidade de reverter o atual déficit primário das contas públicas e produzir um superávit, mesmo com o teto estipulado para as despesas da União pela emenda constitucional 95. Enquanto não ocorrer essa recuperação, o governo ficará na dependência de receitas extraordinárias, que cada ano ficam mais difíceis de serem obtidas.
A estratégia inicial da atual equipe econômica pressupunha uma rápida recuperação da receita tributária federal. Não foi o que aconteceu. Depois da posse de Temer na presidência não houve a esperada reversão da atividade econômica e a trajetória da arrecadação de tributos federais continuou caindo. No fim de 2016, ela reduziu o ritmo de queda, mas está estabilizada no mesmo patamar desde outubro passado, de acordo com a STN.
Para saber se o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) cumprirá a sua meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões, é necessário verificar, portanto, se a previsão para a receita extraordinária é consistente.
No cálculo dos R$ 47 bilhões estão R$ 13,1 bilhões com a "repatriação"; R$ 2 bilhões com a medida provisória 778, que autorizou o parcelamento das dívidas previdenciárias dos Estados e municípios; R$ 3,38 bilhões com a MP 780, que instituiu o programa de regularização de débitos não tributários junto às autarquias e fundações públicas federais; R$ 10 bilhões com a nova medida provisória, editada ontem, que criou um Refis para parcelamento de débitos tributários, com redução de multa e juros; e R$ 8,6 bilhões com o projeto de lei que, se aprovado, permitirá o uso dos precatórios não resgatados.
Além disso, a Receita Federal prevê uma arrecadação de R$ 12,1 bilhões que será obtida com aplicação de autos de infração ou cobrança de débitos em atraso. Há ainda uma medida provisória em gestação, que permitirá o parcelamento dos débitos dos produtores rurais com o Funrural. Este projeto de MP não foi incluído na conta.
Para fechar as suas contas, o governo elevou também a sua previsão de receita com concessões de serviços públicos neste ano, de R$ 20,9 bilhões para R$ 27,9 bilhões. Neste total, estão R$ 11,1 bilhões estimados para o bônus de assinatura das usinas hidrelétricas não renovadas, R$ 4,35 bilhões com a 3ª rodada da partilha de petróleo e gás no pré-sal e R$ 2,5 bilhões com a medida provisória 779, que permitiu a reprogramação do pagamento de outorga das concessões de aeroportos.
Analisando os dados do relatório sobre receitas e despesas relativo ao segundo bimestre, o consultor da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados José Fernando Cosentino, especialista em finanças públicas, considera que a previsão para a arrecadação com concessões é consistente e poderá, até mesmo, ser superada, se não houver um acontecimento que piore as condições do mercado.
O consultor questiona, no entanto, as previsões para a "repatriação" e para os parcelamentos de débitos tributários. Ele disse não entender a projeção de R$ 12 bilhões a serem obtidos com autos de infração ou cobrança de débitos em atraso e acha que, como em anos anteriores, a previsão de receita de R$ 2,9 bilhões com a tributação sobre a venda de ativos não deve se realizar. A questão é saber se será possível conseguir uma nova rodada de receita extra em 2018.
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A lei complementar 157, que alterou a cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS), tinha três dispositivos que destinavam o imposto devido nas operações com cartões de débitos e crédito, de leasing e de planos de saúde ao município do domicílio do tomador dos serviços. O Ministério da Fazenda propôs que o presidente Michel Temer vetasse os dispositivos, com o argumento, entre outros, de que a tributação do ISS deve se dar onde ocorrem a análise do cadastro, o deferimento e o controle do financiamento concedido e não em função do domicílio do tomador dos serviços. O argumento utilizado é contrário ao espírito da reforma tributária defendida pelo próprio governo, pois o princípio da tributação no destino é a base do novo sistema. Temer seguiu o conselho da Fazenda. Na terça-feira, o Congresso derrubou o veto de Temer.
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