terça-feira, 6 de agosto de 2019

O que pensa a mídia: Editoriais

Mercados têm forte correção com temor de guerra cambial: Editorial / Valor Econômico
A China tem sido econômica em palavras desde o início da guerra comercial deslanchada pelo boquirroto presidente americano, Donald Trump. Irritado com a resistência dos chineses em ceder às suas demandas, Trump disse que em 1º de setembro os EUA colocarão tarifa de 10% em US$ 300 bilhões em importações da China, levando a taxação ao total das vendas de mercadorias chinesas no mercado americano. O renminbi, que se aproximava da cotação de 7 por dólar, ontem cruzou a linha, perdeu 1,6% de seu valor e foi a 7,05 - e os mercados vieram abaixo. Em seguida, sem anúncios oficiais, o governo chinês proibiu suas estatais de comprarem produtos agrícolas americanos.

A rigor, a cotação de ontem do renminbi não fere o sistema de bandas de variação instituído - 2% para cima ou para baixo em um dia - e é a mais baixa desde maio de 2008. No ano a moeda teve desvalorização modesta, de 3,2% em relação ao dólar. Em algum momento, o limiar de 7 seria ultrapassado, mas o fato de tê-lo feito ontem foi uma demonstração calculada de Pequim das armas alternativas que possui, já que as tarifas de retaliação cobrem praticamente o total das exportações americanas, de US$ 133 bilhões.

O governo chinês sente-se mais seguro agora para enfrentar Trump, depois de ter domado a primeira onda contracionista sobre sua economia provocada pela guerra comercial. Foram usados os recursos de sempre, com mais investimentos na infraestrutura, forte aumento do crédito disponível, elevação do déficit público (para 4% do PIB), redução dos depósitos compulsórios, medidas que colocaram as atividades em linha com os objetivos do PC, de crescimento entre 6% e 6,5%.

A nova investida de Trump exigirá possivelmente mais estímulos para a economia chinesa, plenamente manejáveis. O uso do câmbio pode ser um deles, lembrou ontem a China a Trump. Há, porém, limitações à desvalorização, que não deverá ser intensa nem rápida, mas "controlada". Em 2016, o BC chinês queimou os dedos e mais de US$ 700 bilhões em reservas quando a depreciação provocou fuga sem precedentes de recursos do país. Hoje elas estão um pouco acima dos US$ 3 trilhões.

Há ainda a estratégia política da China, em uma curiosa inversão de posições com os EUA. Ela tornou-se defensora do livre comércio contra o protecionismo de Trump, e das regras em vigor da Organização Mundial do Comércio. Uma desvalorização "competitiva" - ou manipulada - colocaria em xeque discurso e posições do governo que são, ao mesmo tempo, convenientes e convergentes com o as de países desenvolvidos que rejeitam a política comercial americana.

Além disso, para continuar a mudança de rumos na economia, que supõe maior consumo doméstico (e menos investimentos), e sua transformação em potência tecnológica em 2025, o aumento de preços das importações que as tarifas sobre bens americanos e a desvalorização cambial acarretam é um obstáculo incômodo. O consumo tende a cair e as exportações não avançarão pela guerra comercial em si e pela redução do crescimento global que ela tem. Por isso, a arma cambial foi brandida, mas deve ser usada com parcimônia.

Trump também têm vulnerabilidades que seus discursos de valentão encobrem. Ele está em campanha pela reeleição e sua guerra encarecerá agora os bens de consumo vindos da China, que somam US$ 120 bilhões dos US$ 300 bilhões tarifados. A beligerância protecionista já derrubou os investimentos no país e a economia ruma para uma expansão moderada - antes do novo surto de Trump. Incertezas maiores e crescimento menor não favorecem suas chances eleitorais.

O temor da desvalorização competitiva, com o deslizar do renminbi, trouxe de volta ao cenário a fragilidade das enormes dívidas dos países emergentes, que aumentarão com terremotos cambiais vindos de fora - o que vale também para empresas chinesas. Uma guerra de moedas não interessa nem a Pequim nem aos EUA. O anúncio de mais tarifas contra a China afrouxou as condições financeiras, até mais que o corte de juros de 0,25% feito pelo Federal Reserve. O título do Tesouro de 10 anos pagava 1,73% ontem.

Os mercados agora apostam em mais cortes de juros do Fed e contam com nova rodada de estímulos na zona do euro. Se a bagunça que Trump está causando resultar em mais protecionismo e depreciações cambiais destrutivas, o recurso a juros menores (e há pouco espaço para caírem) seria de pouca eficácia para conter efeitos de guerra comercial aberta. No meio do caminho, a sensatez deve prevalecer.

A pauta que interessa: Editorial / O Estado de S. Paulo
O Congresso retoma seus trabalhos hoje, depois de 20 dias de recesso, tendo em sua pauta diversos temas de grande relevância para o País. A Câmara pode encerrar o segundo turno de votação da reforma da Previdência já nesta semana, encaminhando a matéria para o Senado. Também estarão em discussão propostas para uma reforma tributária, além da revisão do marco regulatório para o saneamento básico.

Tudo isso está sendo negociado com escassa participação do governo federal. No período em que o Congresso não funcionou, o presidente Jair Bolsonaro não tocou em nenhum dos assuntos que serão apreciados pelos parlamentares. Passou as últimas semanas a dar declarações polêmicas sobre as mais variadas questões, com entrevistas e manifestações públicas diárias, causando mal-estar aqui e no exterior em diversos momentos.

Em condições normais, tal comportamento por parte do presidente da República poderia tumultuar o processo legislativo, especialmente diante de uma agenda tão politicamente espinhosa como a que se apresenta agora para os parlamentares. Pelo que se observa até aqui, no entanto, os arroubos presidenciais não têm sido capazes de abalar de modo significativo o ambiente no Congresso nem o empenho das lideranças parlamentares em tocar os projetos de interesse do País.

É uma situação peculiar. Algumas das grandes crises nacionais do passado se deram em razão da dificuldade de superar impasses entre Executivo e Legislativo, momentos em que a agenda política foi dominada por interesses imediatistas e particulares em detrimento do coletivo e do longo prazo. Hoje, aparentemente, não existe esse impasse, pela simples razão de que a relação entre Executivo e Legislativo é pouco menos que protocolar, ainda que sujeita a alguns acidentes.

Desde a posse de Jair Bolsonaro, ficou claro que o Executivo, por decisão do presidente, não teria nenhuma base no Congresso. Bolsonaro até ensaiou uma aproximação com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e também com os líderes de partidos potencialmente governistas, mas a maioria dessas tentativas se revelou desastrosa. Em lugar de construir pontes para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do governo, tais reuniões serviram para deixar claro aos parlamentares que Bolsonaro não estava disposto a dividir com eles o ônus da aprovação de medidas que exigirão sacrifícios da população.

O resultado disso foi a mobilização dos parlamentares, capitaneada por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, para que o Congresso passasse então a ser o protagonista das reformas. Nesse processo, aliás, não foram poucas as vezes em que os líderes reformistas tiveram que enfrentar o próprio presidente da República quando este procurou defender os interesses de corporações para preservar privilégios no sistema de aposentadorias.

Assim, se não ajuda, o presidente Bolsonaro poderia se esforçar um pouco para atrapalhar menos. No curto período de recesso parlamentar, o presidente ofendeu governadores do Nordeste e os nordestinos, vilipendiou a memória de um perseguido pela ditadura militar, atacou a imprensa e prejudicou a imagem do Brasil no exterior na área ambiental, entre outros desatinos. Tal comportamento, naturalmente desagregador, não costuma render votos no Congresso.

Felizmente, ao que parece, o Congresso tem se mostrado indiferente aos rompantes do presidente. Mais do que isso: tem enfrentado as grandes questões nacionais sem esperar as propostas do Executivo – que, quando finalmente são encaminhadas, ou chegam tarde, ou vêm carregadas de irregularidades.

É evidente que essa situação sui generis não pode perdurar. Num regime presidencialista, é o presidente da República que conduz o debate político, porque foi eleito com uma plataforma de governo apoiada pela maioria dos eleitores. No entanto, se o presidente se ausenta desse debate, ou se prefere intoxicá-lo com impropérios e temas de pouca relevância, resta torcer para que o Congresso continue a fazer sua parte, a despeito da desorientação dos governistas, da vocação fisiológica dos oportunistas de sempre e da escassez de uma oposição digna do nome.

Entulho burocrático: Editorial / Folha de S. Paulo

Governo acerta ao simplificar normas obsoletas que regulam segurança no trabalho

A tarefa de reduzir o custo de fazer negócios no Brasil e facilitar a geração de empregos é multidisciplinar. Pode depender de reformas de grande envergadura, como a trabalhista, mas no mais das vezes pequenas alterações, acumuladas, fazem a diferença.

Depois da ampla flexibilização da CLT, ainda em sedimentação na jurisprudência e na prática cotidiana, o governo agora se debruça num esforço de simplificação do cipoal de dispositivos infralegais que regulam as relações entre empresas e contratados.

O plano passa pela modernização das 36 Normas Regulamentadoras (NR), que tratam de saúde e segurança e dão margem a mais de 6.000 possibilidades de autuação, pela consolidação de 160 decretos em quatro textos apenas e pela revisão de centenas de instruções normativas e portarias.

Em relação às NR, o governo anunciou alterações em duas delas, 1 e 12, que dispõem, respectivamente, sobre regras gerais e normas relativas a máquinas e equipamentos. Também foi revogada a de número 2, que exigia inspeção prévia de fiscais do trabalho em novos estabelecimentos.

As mudanças, em termos gerais, buscam adaptação aos novos tempos e redução de custos de conformidade, sem prejuízo para a segurança. Exigências ineficazes e pouco racionais foram revistas.

No caso da NR 12, havia distanciamento em relação a padrões internacionais —que encareciam a implantação de maquinário importado, mesmo o mais sofisticado.

Segundo o governo, apenas a revisão desses regulamentos permitirá economia de R$ 68 bilhões em dez anos. Ainda que cálculo tão grandiloquente deva ser encarado com cautela, não resta dúvida quanto às vantagens que podem resultar de um esforço sistemático de remoção de burocracias.

Pode parecer que ganhos desse tipo implicarão prejuízos para a segurança do trabalhador. Quando se observam algumas das exigências agora eliminadas, contudo, a impressão se desfaz.

Não faz sentido, em exemplo mencionado pelo Secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, que uma simples loja de roupas precise gastar R$ 1.500 a R$ 3.000 por ano em prevenção contra riscos químicos e biológicos.

Regras do gênero só beneficiam, até onde se percebe, firmas que fornecem o serviço fixado no papel.

Outra constatação importante é que as alterações promovidas não suscitam controvérsia. Ao contrário, resultam de entendimento unânime da comissão tripartite formada para analisar o tema, que reúne representantes de governo, empresas e trabalhadores.

Eis uma prova de que substituir regras obsoletas constitui agenda de interesse geral, de fácil aceitação, e que deve ser aprofundada.

Segurança jurídica é abalada por inquérito no STF: Editorial / O Globo

Investigação feita pelo Supremo aguça divisões, e a PGR registra que STF vira ‘tribunal de exceção

O polêmico inquérito aberto em março no Supremo pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, nomeando o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo, continua a demonstrar grande capacidade de propagar insegurança jurídica. Desde seu início, o inquérito é alvo de juristas, entre outros motivos, por passar ao largo do Ministério Público, instituição responsável por encaminhar denúncias à Justiça. Caso prospere esta tentativa de via rápida judicial, o Supremo terá de julgar acusados por ele mesmo.

Ao ser aberto o processo, com alegada base no regimento interno da Corte, para investigar ameaças e fakenews contra ministros do STF, o presidente do inquérito determinou que a revista digital “Crusoé”, do site “O Antagonista”, retirasse do ar uma informação específica. A de que, segundo a delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht, o “amigo do amigo do meu pai”, Emilio, de quem Lula se aproximara, era Dias Toffoli — nomeado pelo então presidente da República como o responsável pela Advocacia-Geral da União (AGU).

A revelação, tachada de fake news e portanto incluída no escopo do inquérito, foi, na verdade, uma ação de censura, contrária a dispositivos constitucionais. Terminou sendo revogada por Moraes. Não por isso, mas porque de fato havia um documento nos autos com essa referência, mas retirado posteriormente a pedido do próprio MP, por considerar que ele não tinha relação com aquele processo.

O inquérito paira como ameaça sobre a sociedade, a depender do que determine o relator Alexandre de Moraes, à marg em do MP. Àé poca de sua instalação, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez um pronunciamento contra a iniciativa de Toffoli e pediu formalmente o seu arquivamento, rejeitado pelo presidente do Supremo.

Na semana passada, ao se manifestar sobre mandado de segurança pedido pela Associação Nacional dos Procuradores da República pela nulidade do inquérito, Raquel Dodge registrou que, em decorrência dele, o Supremo se transforma em um “tribunal de exceção”. A guerra deflagrada em torno da questão foi ampliada pela prisão dos hackers que teriam invadido os celulares do ex-juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol, entre outros. O material das mensagens trocadas entre Moro, Dallagnoletc., nã ore conhecidas pelos dois, foi enviado a Alexandre de Moraes, por determinação da Justiça Federal, apedido do ministro.

Haveria mensagens que citariam ministros do Supremo passíveis de serem usadas como provas pelo menos contra Dallagnol. Já que a amplitude do inquérito Toffoli/Moraes é suficientemente grande para incluir todo tipo de denúncia que envolva o Supremo.

Delineia-se em todo este imbróglio talvez o mais agudo ataque à Lava-Jato, da qual Dallagnol é chefe em Curitiba. A procuradora-geral da República já se pronunciou contra a retira dado procurador das investigações. Mais conflitos à frente, portanto.

Aguçam-se também as divisões dentro do Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso disse publicamente que não entende a “euforia” que tomou conta de alguns “diante dessa fofocada produzida por criminosos”. Os hackers, por exemplo.

Também deve-se acompanhar como a divisão na Corte entre “garantistas” e “punitivistas” pode passar por uma revisão ou radicalização, devido à crise deflagrada por este processo. Os “garantistas” são conhecidos por defendera aplicação estrita da letra da lei, sem condenações a qualquer custo. Mas os “punitivistas” parecem estar à frente do inquérito.

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