- O Estado de S.Paulo
Como a desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes?
Era palpável o nervosismo nas mesas de operação no Brasil ontem logo cedo, com o novo capítulo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, quando o Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês) nada fez para impedir que o dólar ultrapassasse a barreira psicológica de 7 yuans na sessão de negócios tanto no mercado “onshore” quanto no de Hong Kong.
Como essa desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes, incluindo o real brasileiro?
O câmbio entrou de vez como artilharia chinesa para retaliar os Estados Unidos, que anunciaram na sexta-feira que vão impor tarifas de 10% sobre US$ 300 bilhões em produtos chineses e que essa alíquota poderá ser elevada para além de 25%. Os americanos já taxam em 25% outros US$ 200 bilhões em produtos chineses.
Na opinião de vários interlocutores, a guerra comercial entre americanos e chineses deve piorar nas próximas semanas.
E a preocupação agora é com o impacto sobre os mercados emergentes via contágio, pois os efeitos sobre a economia global poderão ser maiores do que se imaginava inicialmente, afetando ainda mais o sentimento empresarial e, por tabela, os investimentos. A atividade manufatureira global já vem sofrendo com a piora do sentimento em razão da guerra comercial.
Um gestor paulista de um fundo de investimento disse acreditar que a piora na tensão comercial entre Estados Unidos e China, respingando para o câmbio e outras áreas, poderá levar o real brasileiro a perder terreno ante o dólar no curto prazo. Ele prevê que o dólar poderá atingir até R$ 4,10 no curto prazo.
“Dirão que a China vai parar de comprar produtos agrícolas dos Estados Unidos e comprará do Brasil”, observa ele. “É verdade, mas o efeito disso no câmbio é muito menor do que o efeito de uma desaceleração global.”
Para um gestor de um fundo de investimento carioca, o efeito no Brasil é via contágio. “Mas acredito que a desvalorização do yuan é apenas uma consequência e não causa”, diz. “A causa é a desaceleração global e sua intensificação via um aumento ainda maior de tarifas.”
Ele diz ver o tema hoje em duas frentes importantes: uma relacionada a China e Estados Unidos UA e outra, recente, relacionada a Coreia do Sul com Japão. “Ambas atrapalharão o comércio global e farão com que o mundo tenha menor crescimento dado o maior protecionismo”, explica. “Em resumo, a corrente de comércio global, que já está em contração, ficará ainda pior, levando o mundo para um menor crescimento.”
Um renomado economista brasileiro lembra que a China é um dos maiores competidores mundiais no mercado de manufaturas. “A desvalorização do yuan cria a perspectiva de desvalorizações em seus competidores e de maior desaceleração global e aversão a risco”, explica. “Por contágio, o real não conseguirá ficar imune a esse cenário.”
Para ele, o tema “guerra cambial” voltará ao foco e poderá elevar incertezas nos mercados globais. “E o resultado da combinação disso com uma onda protecionista é menor crescimento do comércio global, aumentando as chances de uma recessão global”, afirma. “Ativos de risco sofrem nesse ambiente de busca por proteção, que em geral está no dólar e nas Treasuries.”
Um gestor de uma asset management (gerenciamento de ativos) em São Paulo diz que a desvalorização da moeda chinesa já afetou as de emergentes. Segundo ele, o real está seguindo os pares com os investidores desfazendo operações de carry trade (aplicação que consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outra moeda, onde as taxas são maiores).
“Por isso, as moedas de países desenvolvidos estão subindo enquanto as de emergentes caindo com a aversão a risco provocada pela escalada da guerra comercial entre EUA e China”, comenta. “O risco é esse movimento seguir sem uma definição por um tempo maior do que o esperado jogando a economia mundial em recessão.”
Assim, qualquer ruído em temas locais – como a votação da reforma da Previdência em segundo turno na Câmara dos Deputados – será amplificado por um cenário externo mais adverso. A aprovação da reforma já está no preço.
E qualquer tropeço mais grave – ou seja, uma desidratação do texto não prevista pelo mercado – poderá deflagrar uma forte correção nos ativos brasileiros.
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