- Valor Econômico
Nomeação de filho é tratada como questão de honra
A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada brasileira em Washington colocou em evidência dois fenômenos recorrentes na história brasileira. A mistura entre o público e o privado, ironicamente um dos objetos das críticas de quem saiu às ruas para atacar a chamada velha política, aparece renovada nestes primeiros meses de governo. A outra prática que ganha nova roupagem é o exercício personalista do poder patriarcal como método para ampliar a influência familiar na política.
É inédito o peso político depositado pelo presidente da República sobre uma indicação para embaixador. O presidente Jair Bolsonaro transformou o caso numa questão pessoal. Reclama que as discussões sobre a capacidade do filho 03 para o exercício do cargo ficaram em segundo plano, mas trata qualquer questionamento técnico sobre o assunto como ataque à sua própria honra e também à do filho.
No Palácio do Planalto, o encaminhamento que o Senado dará à indicação não será visto como a apreciação de uma mensagem trivial do Executivo. Mas como deferência ou ofensa do Legislativo ao presidente da República, uma visão distorcida da relação ideal entre os Poderes.
Pelo roteiro do governo, a chancela dos senadores é dada como certa e garantirá um verniz de legitimidade à indicação.
No campo jurídico, o desafio será sacramentar a legalidade de uma iniciativa que já é alvo de questionamentos e terá como protagonista quem um dia já zombou da facilidade de se fechar o Supremo Tribunal Federal.
O governo precisará derrubar as ações que tentam enquadrar o caso como nepotismo, num momento em que o STF vem lhe impondo uma série de derrotas. Mesmo assim, a aposta em Brasília é que a maioria dos ministros do Supremo também não deve criar obstáculos à nomeação de Eduardo. Primeiro porque o cargo de embaixador pode ser considerado função de representação do presidente em outro país, embora obviamente ele também seja responsável pelo tratamento dos assuntos de Estado. Além disso, aliados de Bolsonaro não tardariam a lembrar exemplos de integrantes da cúpula do Judiciário que ajudaram a impulsionar a carreira de seus próprios filhos na magistratura ou na advocacia.
Aos poucos, o presidente vai testando os limites da institucionalidade e tratando como opositor qualquer um que questione suas ideias e declarações, as quais muitas vezes não são levadas a sério como deveriam.
O plano de nomear o filho Eduardo para a embaixada de Washington, por exemplo, foi gestado muito antes de o deputado ultrapassar a barreira etária imposta pela Constituição para o exercício da função. Vistos em perspectiva, os sinais estavam evidentes e possivelmente não receberam a atenção necessária em razão da enxurrada de ruídos sempre presente nas falas presidenciais.
Em novembro do ano passado, logo depois da eleição, Eduardo viajou aos Estados Unidos para representar o presidente eleito. À época, o discurso adotado foi que lá estava para ajudar o Brasil a recuperar a credibilidade no exterior.
A postura do deputado federal provocou incômodo entre diplomatas e autoridades do governo Michel Temer, que se sentiram excluídos de tratativas mantidas com altos representantes do governo americano. Com direito a imagens que já se tornaram registros históricos, Eduardo desfilou com um boné da campanha à reeleição do presidente americano, Donald Trump, atropelando um limite caro aos diplomatas de carreira: a não interferência em processos políticos internos de outros países.
Depois veio o protagonismo obtido durante a visita oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos, quando sentou-se no Salão Oval da Casa Branca ao lado do presidente, local normalmente ocupado pelo principal auxiliar presidencial da área, o chanceler.
Mas nada se compara a uma entrevista de Jair Bolsonaro à TV Band, em março. Na ocasião, afirmou que foi Donald Trump quem convidou o parlamentar a participar do encontro reservado, pois Eduardo é amigo de seu filho. O presidente negou que tenha havido menosprezo ao ministro Ernesto Araújo, e emendou com tranquilidade: "Inclusive já propuseram até e acham que eu posso indicar meu filho Eduardo, que fala duas línguas e tem um amplo conhecimento de mundo, para ser embaixador nos Estados Unidos".
Bolsonaro não revelou a nacionalidade do autor da sugestão, se americana ou brasileira. Mas demonstrou, por outro lado, já saber o que aconteceria quando a até então inconcebível decisão começasse a ser colocada em prática. "Eu disse: 'A gente vai apanhar de graça da imprensa'. Então, nós vamos ficar, por enquanto... não discutir esse assunto", completou na entrevista, numa época em que o deputado ainda não havia completado os 35 anos necessários para assumir o posto de embaixador.
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro realizou reuniões nos últimos meses com autoridades americanas e defendeu a aproximação entre os dois países em várias oportunidades. É interlocutor de integrantes da oposição ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e recentemente começou a ampliar sua área de atuação com visitas à Indonésia e aos Emirados Árabes Unidos.
A máquina do Itamaraty será colocada em funcionamento para garantir que sua passagem seja bem sucedida. Mas, pelo menos num primeiro momento, sua atuação como embaixador deve servir muito mais ao projeto político dos Bolsonaro do que aos interesses nacionais. Eduardo desembarcará em Washington com a missão de defender a imagem do pai no exterior, será uma fonte sempre à disposição da mídia internacional quando for preciso rebater qualquer tipo de denúncia contra o governo. Trabalho não faltará.
Enquanto isso, aqui e acolá o presidente já começa a mencionar a possibilidade de Eduardo vir a ser nomeado ministro das Relações Exteriores. Convém não tratar as declarações como bravata
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