quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Rodrigo Maia* ('radical ideológico contra a democracia')

Geralmente, na vida, quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem, um estudante no auge da sua juventude. É uma pena que o ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. Muito triste. Não vi por parte dele nenhum tipo de ataque quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva.

*Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, sobre a fala do General Augusto Heleno, O Globo, 20/2/2020.

Entrevista: Brasil sofre vácuo de lideranças, e polarização é ameaça, diz FHC

Para tucano, ataque de Jair Bolsonaro a repórter da Folha é inaceitável e ele deveria se comportar como presidente

Igor Gielow | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Brasil precisa de liderança, e o posto hoje está vago. A opinião é do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que governou de 1995 a 2002.

Para ele, o comportamento de Jair Bolsonaro, que insultou a repórter da Folha Patrícia Campos Mello, foi "inaceitável". O atual titular do Planalto precisa se comportar como um presidente, avalia FHC.

Ele descarta risco institucional. Afirma, contudo, que "o alarme precisa ser dado" porque a polarização vigente no país ameaça a democracia —e aponta para a rejeição à corrupção e ao PT como ponto de partida do debate atual.

No seu campo político, de olho no Planalto em 2022, ele elogia o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) pela gestão e pela juventude (34 anos).

Sobre um protegido político seu, Luciano Huck, ele disse que o apresentador da TV Globo precisa "se transformar num líder político", porque hoje "conhece o caldeirão" [referência ao nome de seu programa e ao contato com a população em quadros da atração]. Já o governador João Doria (PSDB-SP) "conhece o poder".

O tucano, 88, elogiou os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia, DEM-RJ) e do Senado (Davi Alcolumbre, DEM-AP). Ele falou no fim da tarde de quarta (19), na Fundação FHC, no centro paulistano.

• Como o sr. vê o clima político do país?

O risco é a polarização. Você não pode deixar que a polarização afete o jogo democrático, que supõe a diferença. É preciso que algumas pessoas que têm responsabilidade institucional, como foi o caso dos presidentes da Câmara e do Senado, manifestem sua estranheza.

Eu sou bastante cuidadoso, sobretudo no exterior, porque fui presidente e sei que as coisas são difíceis. Mas está chegando um momento em que os que são responsáveis pelas chefias do aparelho institucional se comportem institucionalmente. Quem tem função presidencial tem de se comportar como tal. Eu sei que às vezes você fala por falar.

• No episódio da repórter da Folha, o limite foi ultrapassado, não?

Aí a coisa passou para outro plano. É inaceitável, não tem cabimento você fazer referências assim a qualquer mulher, pelo que apareceu na mídia. Não acho que haja risco institucional, não sou alarmista. Acho apenas que é preciso ter um certo cuidado. Vamos pegar uma pessoa que me deu muita dor de cabeça política, o Lula. Ele agiu institucionalmente no cargo —no que diz respeito às questões pelas quais ele foi preso.

Nós sentimos o gostinho da liberdade. Só quem viveu com censura, como eu vivi, sabe. Isso acabou. Você não pode atacar todo dia a mídia. Eu sei que a mídia exagera também, talvez até seja sua função.

Quem tem poder político não pode utilizá-lo contra isso. Pode reclamar, mas não pode usar sua força para coibir. Não vai dar certo, vai abrir espaço para o regime que não se quer.

• Mas o sr. vê risco disso?

A democracia é uma planta tenra, não pode dar de barato que não vai virar outra coisa. Temos de dizer: "Cuidado, hein? Não passe desse ponto, senão passa". O alerta tem de ser dado, sem alarmismo. Quem tem poder não pode exagerar. Você tem de se autocontrolar.

• Como vê a renovada militarização do governo?

Eu não tenho nenhuma versão negativa das Forças Armadas, nem poderia ter. Meu pai era general, meu avô foi marechal.

Quando vejo os generais nomeados, tudo bem, é preciso ver como é a pessoa, se funciona ou não funciona. Agora, tem limite para tudo. Tem de haver um certo equilíbrio que, quando é rompido, as prejudicadas são as Forças Armadas. Você não pode confundi-las com o poder político.

• Governadores escrevem carta contra o presidente, Maia bate-boca com o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o Congresso toca a agenda mais positiva. Como o sr. vê isso?

Veja as reformas. O Parlamento assumiu a primazia, o que leva a crer que uma parte do Executivo não assumiu como tarefa sua fazer passar.

Isso é inegável. O Brasil não é uma República parlamentarista, o povo rejeitou isso. Num regime presidencialista, a iniciativa é do Executivo, o Parlamento não pode substituir, pode suprir lacunas.

E levar adiante as reformas não significa só mandar a reforma. Tem de falar com os parlamentares e tem de convencer a nação sobre a necessidade delas.

Luiz Carlos Azedo - Como começa a bagunça

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“As declarações do general Heleno nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política“

O que têm a ver as declarações contra o Congresso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o tiro disparado por policiais militares grevistas, encapuzados, contra o senador Cid Gomes (PDT-CE), em Sobral? Aparentemente, nada; em sua essência, porém, tudo: a bagunça. O ex-governador cearense tentou negociar e, depois, conduzindo uma retroescavadeira, enfrentou os grevistas de forma exaltada, imprudente e voluntarista, sendo baleado no peito e na clavícula. O episódio, no entanto, também é uma demonstração da anarquia que começa a vicejar nas polícias militares, pois as greves são ilegais e estão sendo preparadas em outros estados.

As declarações do general são incompatíveis com o cargo que ocupa no governo e nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política durante o século passado, inclusive durante o regime militar, só encerradas no governo Ernesto Geisel, com a demissão do então ministro do Exército, general Sílvio Frota, do qual Augusto Heleno foi ajudante de ordens. Ainda que minimizadas pelo presidente Jair Bolsonaro — diga-se de passagem, o responsável pela sua divulgação —, as declarações afrontam um poder constituído, que está no pleno exercício de suas prerrogativas.

A fala do ministro foi transmitida ao vivo, via internet, pelo perfil do presidente Jair Bolsonaro em uma rede social, na terça-feira. No evento de hasteamento da bandeira em frente ao Palácio da Alvorada, Heleno conversava com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. No diálogo, disse que o governo não pode “aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo”. Ontem, em uma rede social, Heleno tentou minimizar as declarações, mas a emenda foi pior do que o soneto: argumentou que, na conversa com os ministros, estava expondo sua visão pessoal sobre “insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do Orçamento Impositivo”.

As declarações provocaram reações no Congresso, que discute os vetos do presidente Bolsonaro às regras que dão a deputados e senadores maior controle sobre o Orçamento da União. Manter ou derrubar os vetos presidenciais é prerrogativa do parlamento. O que todos os governos democráticos procuram fazer é articular uma base sólida, que garanta a aprovação do que interessa ao Executivo. O Palácio do Planalto, porém, não se empenha muito para garantir que isso aconteça.

Bernardo Mello Franco - Heleno rasgou fantasia da moderação militar

- O Globo

No início do governo Bolsonaro, vendeu-se a tese de que os generais conteriam os rompantes do capitão. Essa conversa foi desmoralizada por Augusto Heleno

No início do governo Bolsonaro, vendeu-se a tese de que a presença de generais no Planalto serviria para conter os rompantes do capitão. Os militares, que submeteram o país a 21 anos de ditadura, voltariam à cena como guardiães da democracia. Seriam o novo Poder Moderador, segundo expressão adotada pelo ministro Augusto Heleno.

A conversa caiu em descrédito em poucos meses. Agora foi implodida de vez pelo próprio general, que abriu uma nova crise entre o governo e o Congresso.

Sem perceber que estava sendo filmado, Heleno defendeu o enfrentamento com o Legislativo. “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se!”, esbravejou. Mais tarde, em reunião fechada, ele bateu na mesa e incentivou o presidente a “convocar o povo às ruas”. Curiosamente, coube a Bolsonaro pedir cautela e pregar a negociação.

Luiz Fernando Verissimo - Apatifam-nos

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Apatifamento de uma nação começa pela degradação do discurso

‘Apatifar”, nos diz o “Aurélio”, significa tornar desprezível, aviltar, envilecer. Pessoas se apatifam, nações inteiras podem se apatifar, ou serem apatifadas. O mundo hoje vive uma assustadora onda de contágio viral que, espera-se, acabará controlada ou, eventualmente, desaparecerá. Já patifaria não mata, mas também contagia, com a diferença de que não tem nem perspectiva de cura.

É impossível observar o Brasil de hoje sem a sensação de estar assistindo a uma pantomima tragicômica, a decomposição de um Estado que, dissessem o que dissessem de governos anteriores — inclusive os lamentáveis —, mantinham, pelo menos, a linha, o que é mais do que se pode dizer da atuação de Bolsonaro & Filhos no palco do poder.

Agora se entende por que Bolsonaro insistia em dizer que não houve um golpe em 64 nem uma ditadura militar nos 20 anos seguintes: ele queria montar o seu próprio regime militar, enchendo o Planalto de generais de fatiota que deixam seus tanques no estacionamento e entram pela rampa principal, rindo da gente. Implícita nessa original tomada do poder está a ideia imorredoura de que só uma casta iluminada, os militares, sabem governar um país.

Ricardo Noblat - Parlamentarismo para enfrentar a usina de crises que é o governo

- Blog do Noblat | Veja

À procura de uma saída para evitar o pior

O parlamentarismo branco experimentado no país avançou mais algumas casas para se materializar até o início do próximo ano em um parlamentarismo para valer. Para isso o Congresso teria de aprovar uma emenda à Constituição que requer dois terços dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado.

Os alfarrabistas do Congresso já se debruçaram sobre a legislação e concluíram que não haveria obstáculos para a troca do sistema de governo. O sacro colégio dos cardeais, formado por experientes senadores e deputados, assunta os demais colegas sobre o momento ideal para se propor a ideia.

Antes das eleições de outubro próximo seria impossível. Este é um ano eleitoral e o Congresso se esvaziará a partir de junho. Até lá, a prioridade será a votação de reformas econômicas que o governo possa parir. A administrativa ainda não foi liberada pelo presidente Jair Bolsonaro. A tributária é muito complexa.

Quanto mais conflitos o governo produz, mais votos brotam no Congresso a favor do parlamentarismo. Em menos de uma semana, Bolsonaro conseguiu atritar-se duas vezes com os governadores, duas vezes deu “banana” para jornalistas, e uma vez agrediu uma jornalista com insinuações sexuais.

Ascânio Seleme - Pequeno deslize

- O Globo

Patrícia busca a verdade. Bolsonaro foge da realidade

São muitos os adjetivos que se pode usar para designar Jair Bolsonaro em razão da mais nova agressão a jornalista. Claro que o presidente atentou outra vez contra a imprensa ao atacar a repórter Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo”. Por isso, cabe chamá-lo de autoritário e antidemocrático. É evidente que o chefe do Executivo gostaria de calar os jornalistas, e nesse caso é apropriado afirmar que ele defende a censura. Nenhuma dúvida que o capitão falava para a sua claque, o que lhe garante a designação de populista.

Bolsonaro desrespeita sistematicamente a imprensa. Se pudesse, fecharia veículos como a “Folha” ou como a TV Globo, que mereceram ataques diretos do presidente em acessos de cólera por causa de reportagens que lhe desagradaram. Também já deu inúmeros sinais de que seria capaz de empastelar um jornal, como gente igual a ele fazia num passado não muito remoto. Por essas razões, pode-se chamar Jair Bolsonaro de truculento e intolerante.

Sua ira insana contra jornais e jornalistas também estimula seguidores digitais. Seus arroubos ofensivos são multiplicados na internet e tem gente, muita gente, que aplaude e acha graça das asneiras expelidas por sua excelência. Nas redes sociais fez o sucesso rotineiro entre os mais desmiolados, que imediatamente reproduziram a estultice. Cabe, então, acusar o indigitado de incitar grosserias e ataques.

Roberto Dias - A palavra do presidente

- Folha de S. Paulo

Entrevista histórica do regime militar mostra diálogo duro, porém civilizado

“A imprensa brasileira, quando não há notícias, tem uma tendência a interpretar as coisas com base em evidências que nem sempre correspondem à realidade.”

“Talvez essas análises estejam até corretas e meu governo venha a ser politicamente fraco e militarmente fraco. Mas eu quero pagar para ver.”

“Se eu não defini minha concepção de democracia, como é que ela pode estar clara? Eu não gostaria de dizer democracia relativa, mas o fato é que democracia plena não existe.”

“Cada poder tem independência na sua seara. Quando um se intromete na seara do outro está errado. Por exemplo, o orçamento. Quando o Legislativo dispunha de plena liberdade para mexer no orçamento, fizemos o levantamento de um número enorme de instituições fantasmas sustentadas pelo Legislativo.”

Bruno Boghossian - Autossabotagem no Planalto

- Folha de S. Paulo

Explosão de ministro contra parlamentares esvazia oxigênio político do governo

Jair Bolsonaro abriu mão de uma parte de seus próprios poderes ainda no ano passado. Em março, o presidente quis emparedar o Congresso pela primeira vez e acusou parlamentares de corpo mole na discussão da reforma da Previdência.

"Fizemos nossa parte, encaminhamos a proposta ao Parlamento. A bola agora está com o Parlamento", disse, para depois provocar deputados e senadores: "O que é articulação? O que está faltando eu fazer?".

O presidente se elegeu apoiado numa repulsa teatral à atividade política. Para se afastar da tarefa de dialogar com outros Poderes, anunciou que sua tarefa seria apenas elaborar ideias e atirá-las ao mundo. Acabou entregando ele mesmo a chave do governo nas mãos do Congresso.

A explosão de Bolsonaro e seus aliados contra as manobras dos parlamentares para sequestrar os últimos bilhões do Orçamento dão a medida da operação desastrosa que toca o dia a dia do Palácio do Planalto.

Mariliz Pereira Jorge - Não há opção

- Folha de S. Paulo

É impossível não reportar o espetáculo grotesco a que somos expostos

Por que jornalistas se prestam a aguentar insultos diários de Jair Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada? Por que os jornais reproduzem ofensas, falas criminosas e dão espaço ao discurso de ódio protagonizado pelo presidente contra imprensa, adversários políticos, entidades internacionais, líderes estrangeiros, Greta e DiCaprio?

Tenho lido e ouvido esse questionamento com frequência. Por que não restringimos a cobertura às notícias que envolvem a administração? Porque é dever do jornalismo se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, e o trabalho envolve o desconforto de lidar com um sujeito asqueroso feito nosso atual mandatário.

Aguentar as grosserias de Bolsonaro sem que haja réplica, o que transformaria suas saídas diárias numa baixaria ainda pior, mostra a competência dos profissionais que têm a dura missão de cobrir o presidente.

Maria Hermínia Tavares* - Perigo no terceiro piso

- Folha de S. Paulo

Militares somam 9 dos 22 ministros deste governo

"Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar", disse o presidente Bolsonaro ao substituir por um general do Exército na ativa o ministro Onyx Lorenzoni, até então chefe da Casa Civil e último político profissional a ter gabinete no Palácio do Planalto. Agora, são todos militares os ministros instalados no coração do governo: coordenando a ação dos diferentes ministérios, fazendo a articulação do Executivo com o Legislativo ou ainda assessorando a Presidência em assuntos de segurança.

Ao todo, eles somam pouco mais de 40% dos que comandam o primeiro escalão: 9 em 22 ministros, sem contar o vice-presidente Mourão. Essa porcentagem supera a da Venezuela de Maduro, onde membros das Forças Armadas comandam 30% das pastas. E é inédita entre as democracias dignas do nome.

Ao mesmo tempo em que se cercou de fardas, Bolsonaro —ele mesmo ex-capitão de carreira tumultuada— tratou de blindar o sistema de previdência dos militares do enxugamento geral promovido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Fernando Schüler* - A dupla face do reacionarismo brasileiro

- Folha de S. Paulo

Movimento é uma mistura de conservadorismo de costumes com estatismo econômico

Há um duplo reacionarismo no debate brasileiro. O primeiro deles é de base cultural. Poderia chamá-lo de “conservadorismo de costumes”, mas sempre que faço isso alguém lembra que o termo conservadorismo é mais amplo, que há a grande tradição de Burke a John Kekes.

Não é disso que estamos falando. É algo bem mais caseiro. Não se trata de Oakeshott, mas de Marcelo Crivella. O “militante de sua nostalgia”, na frase de Mark Lilla. Aqui pelos trópicos, seu grande momento foi a censura à revista com o beijo gay, na Bienal do Livro.

Luc Ferry criticou essa visão dizendo ser um absurdo supor que a natureza deva definir a ética. Perfeito. Hayek, em seu clássico “Porque Não Sou Um Conservador”, ironizou a posição que aplaude a gradual evolução dos costumes no tempo, mas decide que o raciocínio só vale para o passado. Em algum momento tudo deveria ser congelado.

São críticas elegantes, que vão muito além do que merece o nosso conservadorismo de programa de auditório. Ele é legítimo e expressa a visão de uma parcela relevante do eleitorado, mas é um tigre sem dentes no mundo real da política. Rodrigo Maia nem sequer coloca seus temas em pauta no Congresso.

Raul Jungmann* - Combater as causas da criminalidade

- O Estado de S.Paulo

Na nossa gestão colaboramos, sem dúvida, para a queda dos homicídios no País

A vida humana é o maior valor de uma sociedade e o menor para o mundo do crime. Essa síntese se materializa de forma mais perversa no sistema operacional do crime organizado que domina territórios e presídios.

Com o primeiro, elege representantes políticos e formaliza sua presença, com todas as prerrogativas do mandatário eleito – incluída a de efetivar nomeações em todos os níveis da estrutura do poder público. No segundo caso, é o juiz do destino da parcela majoritária da terceira maior população prisional do mundo – os mais de 812 mil detentos em nossas prisões. Os presídios, por sua vez, tornaram-se centros de recrutamento das facções criminosas pela brutal razão de que o Estado não garante a vida dos que lá estão. São apenados obrigados a buscar segurança nas facções para não morrerem, trocando proteção por submissão integral.

No Rio de Janeiro, onde essa realidade é mais visível e aguda, milicianos e traficantes controlam 830 comunidades, onde vive 1,5 milhão de pessoas. Os criminosos têm o controle do território, o controle do voto, elegem suas bancadas na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa, até no Congresso Nacional, e garantem a indicação de pessoas para ocuparem cargos públicos, mesmo na área de segurança. É o que venho chamando há tempos de “coração das trevas”.

Como o Estadão já demonstrou, as milícias não são privilégio do Rio, mas são encontradas em 23 dos 27 Estados da Federação. E todas, sem exceção, são formadas e/ou comandadas por policiais da reserva ou da ativa. Isto é, o poder público treina e forma agentes públicos de segurança que adiante se desviam para o crime e lá exercem as competências adquiridas com o dinheiro do cidadão contribuinte.

Tivemos sete Constituições e em nenhuma delas o governo central deteve responsabilidades com a segurança pública – desde a primeira, de 1824, até a última, de 1988.

William Waack - Mais do mesmo

- O Estado de S.Paulo

O teatro da política no Brasil sugere que pouca coisa vai mudar

É um dos movimentos mais “naturais” na política alguém ocupar o lugar que um outro deixou. No fundo, é o que está acontecendo na mais recente manifestação de queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o Legislativo em torno da manutenção ou não do veto do chefe do Executivo a itens da peça orçamentária votada pelos parlamentares.

Traduzido: o que está em disputa é quem manda quanto no Orçamento. E, se Jair não percebeu antes, nesse ano e pouco de seu mandato, o Legislativo encurtou bastante a capacidade do Executivo de dispor da alocação de verbas por meio do Orçamento – além de limitar consideravelmente a utilização de medidas provisórias.

Trata-se de pura e simples redução de poder do presidente. Que se pode aplaudir ou detestar, mas não ignorar que esse fato resulta em boa parte do que se aponta há meses: a incapacidade ou o desinteresse (ou ambos) do governo em montar no Legislativo uma tropa bem coordenada. Bolsonaro não se livrou da regra do jogo do sistema de governo brasileiro, que opõe a um chefe de Executivo forte um Legislativo cheio e cada vez mais cheio de prerrogativas.

Sem ter nunca contado com uma articulação política eficaz, Bolsonaro agora escalou militares de cabeça bem organizada e acostumados a método e disciplina (além de hierarquia) para cuidar de acordos políticos que o próprio presidente propõe, depois se arrepende. É o caso nesta mais recente disputa: Bolsonaro achou que podia deixar o Congresso derrubar seu veto (ou seja, entregaria mais uns R$ 30 bilhões do Orçamento aos parlamentares), num grande “acordo” do qual foi convencido a se arrepender.

Eliane Cantanhêde - Doria, Gilmar e Maia veem escalada de ‘autoritarismo’ no Planalto

- O Estado de S.Paulo

Governador, ministro do STF e presidente da Câmara discutem em jantar o que consideram investidas de Bolsonaro contra instituições

BRASÍLIA – Em jantar na residência oficial da presidência da Câmara, nesta terça-feira, 18, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governador João Doria (PSDB-SP), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e dez parlamentares discutiram o que consideram uma “escalada autoritária” do presidente Jair Bolsonaro contra a imprensa, os governadores, o Congresso e outras representações da democracia.

Conforme o Estado apurou, Maia está preocupado em não confrontar Bolsonaro, com quem mantém relações difíceis desde o início do mandato presidencial, mas disse que a “linha dura” continua instalada no Palácio do Planalto e lamentou os efeitos negativos da grave polarização entre direita e esquerda na retomada do crescimento econômico. Garantiu, porém, que o Congresso tocará as reformas tributária e administrativa, mesmo sem a iniciativa ou o apoio do Executivo.

O mais incisivo no encontro foi o ministro Gilmar Mendes, que chegou a reclamar da “bonomia” (bondade, falta de maldade, leniência) com que instituições e setores da sociedade convivem, na sua opinião, com as agressões do presidente, que se tornaram praticamente diárias e dirigidas a um número cada vez maior de alvos. O ministro do Supremo defendeu o “fim dessa bonomia”.

Maria Cristina Fernandes - Quem te irrita te domina

- Valor Econômico

Método Bolsonaro desvia debate e desorienta a nação

Quem te irrita te domina. Um general da reserva foi buscar em sua memória de caserna a frase com a qual tenta explicar o método Jair Bolsonaro. Se esgotada em si mesma, a necessária indignação com a abominável ofensa à jornalista Patrícia Campos Mello cumprirá o objetivo perseguido por seu autor. Para cada brasileira indignada, há outra que não entende - ou não quer entender - de que furo Bolsonaro falou e prefere se encantar com o (raro) elogio de Roberto Carlos a um presidente da República.

A misoginia não é um detalhe tão pequeno pra esquecer, mas tornou-se um abrigo para o presidente da República. Seu campo de batalha é outro. No momento em que soltou o despautério, era indagado sobre a relação de sua família com as milícias e sobre a manifestação de 20 governadores a respeito do cabo de guerra do ICMS sobre combustíveis e de seu desempenho como obstáculo à democracia. Mas podia um outro tema, entre tantos que afligem o quarto andar do Palácio do Planalto, como o revelado pelo general Heleno Ribeiro.

A desbocada indiscrição do ministro do Gabinete de Segurança Institucional revela o grau de tensão envolvido na equação da governabilidade bolsonarista. O Congresso adquiriu, neste governo, poderes nunca dantes alcançados, pelo valor e pela prerrogativa de execução de emendas orçamentárias, e pela gestão dos fundos eleitoral e partidário. É um governo paralelo. Tem parlamentar assinando ordem de serviço, ou seja, invadindo prerrogativas de prefeitos, governadores e dos próprios ministros.

Já faz tempo que a saída dos ministérios para fazer investimentos é negociar com parlamentares para que as prioridades de suas pastas estejam contempladas nas emendas orçamentárias. O orçamento impositivo, a crise fiscal e o desenho do governo fez com que aquilo que era um arranjo em consonância com o funcionamento de um parlamento, se tornasse um tenso imperativo.

Ribamar Oliveira - A brecha da capitalização

- Valor Econômico

Governo destina R$ 18,2 bi para estatais em três anos

Enquanto o programa de privatização anda a passos lentos, o governo aumenta o montante de recursos usados para capitalizar empresas estatais, aproveitando o fato de que essa despesa está fora do teto de gastos. Apenas de 2017 a 2019, portanto em plena vigência do teto, os repasses da União para as estatais federais, a título de adiantamento para futuro aumento de capital, atingiram R$ 18,2 bilhões.

O montante não inclui a capitalização de empresas estatais dependentes do Tesouro, que são aquelas que não têm receita própria sequer para pagar despesas com pessoal ou de custeio em geral. A capitalização dessas estatais está dentro do teto e superou R$ 3 bilhões nos três anos.

Os dados indicam que o governo está aproveitando uma brecha legal para dar sustentação aos investimentos de algumas estatais, além de viabilizar, financeiramente, o programa de construção de corvetas para a Marinha. A impressão que fica é que, com a ajuda da capitalização, o governo está compensando o corte que é obrigado a fazer nos investimentos previstos no Orçamento da União, por causa do teto, com os investimentos de estatais. Neste sentido, o mecanismo da capitalização seria uma maneira de “furar o teto”.

Vinicius Torres Freire - São Paulo cresce mais do que o Brasil

- Folha de S. Paulo

Região Nordeste tem sequelas da recessão; PIB de 2020 ainda é incógnita

A economia paulista cresceu 2,75% em 2019, segundo contas feitas com dados do Banco Central. O Nordeste cresceu um quarto disso. O Brasil, 0,89% (1,1%, na mediana da projeção “do mercado”).

São apenas estimativas, que nos últimos anos não têm ficado longe dos resultados do IBGE para o crescimento do PIB, no entanto. Nas contas do Seade, o “IBGE paulista”, São Paulo teria crescido 2,5% nos 12 meses contados até novembro.

A recessão em São Paulo começou antes. O estado começou a afundar no vermelho em 2014 (quando o Brasil ainda cresceria o quase nada de 0,5%). A recessão foi mais profunda. A economia encolheu 8,2% entre 2014 e 2016, ante 6,2% de queda no Brasil; a baixa foi maior do que a de qualquer grande região.

Desde 2018, São Paulo anda mais rápido, em particular pela aceleração do setor de serviços. A média nacional é mais lerda por causa do Nordeste e de resultados ruins ou fracos de grandes economias com governos em crise fiscal feia como a de Minas Gerais (também prejudicada pelo desastre de Brumadinho) e a do Rio de Janeiro, que se recuperou um pouco por causa do petróleo.

Míriam Leitão - O risco chinês entra na projeção

- O Globo

Vários indicadores apontam um forte impacto do coronavírus na economia da China. Risco é de desaceleração também no Brasil

A paralisia econômica na China, por causa do coronavírus, está entrando com força nos modelos econômicos de projeção do que acontecerá em 2020. Há indicadores impressionantes: a atividade nos portos chineses continua 50% mais baixa do que há um ano. O consumo de carvão também caiu 50%, o que o planeta até agradece. A movimentação de pessoas mostra queda de 60% a 80%, dependendo do meio de transporte. A lentidão do PIB que se viu em janeiro continua em fevereiro e isso significa que os efeitos sobre a economia mundial podem ser mais fortes. O departamento econômico do banco BNP Paribas que opera na China cortou para 4,5% a projeção para o PIB chinês. Logo em seguida, a equipe que trabalha aqui reduziu o número do PIB brasileiro para 1,5%.

Ontem foi dia de recordes nas bolsas dos EUA e de alta também no Brasil, depois que o BC chinês falou em impacto curto e localizado do vírus, e o FMI afirmou que a economia mundial terá aceleração este ano, na comparação com o ano passado. O Fundo, no entanto, fez a ressalva de que o vírus é a grande ameaça a esse cenário. O economista-chefe do banco Itaú, Mário Mesquita, em conversa com jornalistas ontem em São Paulo, falou em um choque duplo na China: pelo lado da demanda, com queda do consumo chinês de matérias-primas a artigos de luxo, e pelo lado da oferta, com a redução da exportação do país, afetando as cadeias globais.

Carlos Alberto Sardenberg - Liberalismo desmoralizado

- O Globo

Não pode haver liberalismo sem liberdade de imprensa, sem Congresso e, sobretudo, sem as liberdades individuais

Está em curso no país um meticuloso processo de desmoralização da agenda liberal. Os responsáveis são o presidente Bolsonaro e sua turma mais próxima. Não precisam me dizer que Bolsonaro nunca foi liberal. Ele tem desde sempre uma mentalidade autoritária e corporativista, na qual não cabe o respeito às mais amplas liberdades individuais.

Mas o fato é que foi colocada em andamento uma agenda econômica liberal. Por acaso, porém. Isso porque, não tendo a menor noção de política econômica, o candidato Bolsonaro precisou procurar alguém que preenchesse essa lacuna. A condição era que não tivesse nada a ver com os economistas ligados ao PT e ao PSDB.

Foi bater no Paulo Guedes, ao qual deu uma ampla e inédita autonomia, além de poder para executar as reformas e a abertura liberal da economia.

Mas é preciso acrescentar outro fator ao quadro: havia uma ampla demanda nacional para uma política assim. Depois dos anos do PT, boa parte dos eleitores estava por aqui com o excesso de Estado a atrapalhar a vida das pessoas e empresas. E com a enorme roubalheira que só tinha sido possível devido à ampla dominância do governo sobre a economia. O Estado e as estatais foram assaltados meticulosamente.

Desconfio que a maioria do eleitorado procurava alguém do centro direita, certamente mais liberal, mas não encontrou ninguém competente e limpo nesse campo. Todos os políticos que se apresentaram por aí tinham alguma ligação com as velhas práticas políticas.

Deu no Bolsonaro, com seu antipetismo, forte, mas que não seria suficiente para eleger se não tivesse agregado Paulo Guedes.

Zeina Latif* - Freio de arrumação

- O Estado de S.Paulo

Com o passar do tempo, vai ficar cada vez mais difícil aprovar reformas estruturais

São conhecidos os pilares da agenda econômica, como reduzir o tamanho do Estado e torná-lo mais eficiente. Ainda não estão claras, porém, as prioridades do governo e sua capacidade de entrega. Governar vai muito além de enviar propostas ao Congresso. É necessário trabalho para aprovação. Capacidade política é tão importante quanto boas intenções.

As dificuldades do governo têm consequências.

A reforma tributária, por exemplo, que deveria ser prioritária, talvez se inviabilize. O momento ideal para seu avanço pode ter ficado para trás, após a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Perder o timing pode ter saído caro. Tem crescido muito a resistência a ela e as eleições municipais este ano atrapalham a discussão do tema. Os setores que perdem com a reforma se mobilizam. Alegam a distribuição desigual do ajuste, mas omitem o fato de, no sistema atual, serem os que menos pagam impostos, sendo necessário reequilibrar o peso tributário.

Pelo cálculo político e de curto prazo de Bolsonaro, ele provavelmente não vai apoiar essa iniciativa, pois quase nada teria a ganhar com a aprovação tardia da reforma, e o custo político seria seu.

A política econômica, no entanto, não se resume a aprovar reforma. Evitar retrocessos e consolidar a disciplina fiscal será importante feito. No contexto atual, não se deve subestimar esse desafio. O menor foco do governo na agenda econômica e o descuido na política têm aberto espaço para iniciativas que preocupam.

Cito alguns exemplos.

Primeiro, o aumento de recursos na proposta de emenda constitucional que prorroga o Fundeb, o fundo para educação básica. Pela proposta, os gastos subirão quase R$ 80 bilhões em seis anos. O problema não é apenas o elevado custo fiscal. A medida é inadequada em um país que envelhece e menos crianças ingressam nas escolas. E há impacto nos cofres estaduais, posto que o aumento do custo por aluno se eleva e implica, pela regra atual, o aumento do piso salarial dos professores. Vai aumentar o custo da folha dos Estados, sendo que muitos já estão violando ou estão prestes a violar a regra de não comprometer mais de 60% da receita corrente liquida com o pagamento da folha.

Bolsonaro cria uma atmosfera antidemocrática – Editorial | O Globo

Está neste mesmo contexto a proposta de ministro de o povo ser mobilizado contra o Congresso

O ataque à imprensa profissional e as torpes agressões a Patrícia Campos Mello, jornalista da “Folha de S.Paulo”, são parte de um desejo autoritário de garrotear as instituições. Nada é por acaso. A radicalização avança com suporte nas redes, onde atuam milicianos digitais facilmente identificados. Trata-se de um fenômeno, de antes dos nossos tempos, em que autoritários já chegavam ao poder usando os canais da democracia — o voto, a representação popular — para destruir por dentro a própria democracia. Há projetos de poder similares no campo da esquerda.

Na América Latina, existe o caso da Venezuela, em que o caudilho Hugo Chávez chegou ao Palácio de Miraflores pelo voto no final dos anos 1990, conseguiu da Justiça autorização para convocar uma Constituinte, e ali o “Socialismo do Século XXI” começou a destruição do país. Eleições continuaram a ser feitas, apenas como um rito dissimulador para dar ao regime a fachada de democracia.

Mas não há chance deste projeto vingar no Brasil. O jornalismo profissional persistirá no cumprimento de sua missão de informar a sociedade, gostem ou não os poderosos.

Vale informar-se sobre o processo de esmagamento da democracia representativa na Polônia de Jaroslaw Kaczynski e na Hungria de Viktor Orbán, este convidado improvável para posse de Bolsonaro em Brasília. São governos “legítimos” que não param de pregar a defesa da família, da religião etc. Bolsonaro e alguns dos seus ministros vestem este figurino.

Nada contra a defesa da família e da religião, contanto que sejam respeitados o laicismo constitucional do Estado brasileiro, as liberdades de expressão e de imprensa, e todos os demais direitos civis reconhecidos pelo Supremo como constitucionais: aborto do feto anencéfalo, união homossexual.

Deve-se ficar atento quando o Itaramaty adere à Aliança pela Liberdade Religiosa, ao lado dos notórios Polônia, Hungria e Estados Unidos. Com Trump, o Executivo americano deu uma guinada para a extrema direita.

Descontrole total – Editorial | O Estado de S. Paulo

O destempero do presidente Jair Bolsonaro atingiu nesta semana um nível inaceitável para quem ocupa tão elevado cargo. Já não é mais possível dizer que o presidente está “testando os limites” da democracia e do decoro, pois estes há muito tempo foram superados. O que aconteceu nos últimos dias é mais do que simplesmente uma reiteração da falta de moderação de Bolsonaro; trata-se de demonstração cabal da incapacidade do presidente de controlar a própria língua e, por extensão, o governo que chefia.

Na terça-feira de manhã, o presidente chocou o País ao ofender publicamente uma jornalista com grosseiras insinuações de caráter sexual. Horas mais tarde, quando os brasileiros ainda tentavam se refazer da indignação causada pelo comportamento acintosamente desrespeitoso do presidente da República, Bolsonaro surpreendeu a todos com declarações enigmáticas acerca da permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo. Sem que ninguém lhe perguntasse, Bolsonaro afirmou que “o Paulo não pediu para sair, tenho certeza de que ele vai continuar conosco até o último dia”.

Por estar no topo da hierarquia da administração pública, um presidente da República deve se pautar pela discrição. Tudo o que diz tem o potencial de servir como referência e informação fundamental para a sociedade. Para começar, é principalmente dele que deve partir o exemplo de respeito pelas instituições, sem as quais a própria Presidência da República não se legitima. Um presidente, ademais, deve ser capaz de transmitir serenidade e firmeza na condução de seu governo, pois disso dependem a estabilidade política do País e a confiança dos agentes econômicos.

Quando um presidente dá indícios claros de que ignora, em todos os aspectos, a liturgia e o peso político e institucional de seu cargo, estamos diante de um desgoverno.

Ataque de Heleno a acordo apoiado por Bolsonaro mostra que núcleo militar do governo não é homogêneo

Por Miguel Caballero | O Globo

Um dos elementos da narrativa bolsonarista de que o presidente é um homem de fora da política, eleito para limpá-la, é a tese de que Jair Bolsonaro é vítima da classe política e os parlamentares são "chantagistas". A frase do ministro Augusto Heleno sobre a negociação com o Congresso de um acordo sobre a execução de emendas do Orçamento ilustra o dilema que trava a relação entre o governo e o Parlamento há um ano: o presidente quer avançar seus projetos, mas sem abrir mão do discurso eleitoral que exige o achincalhe dos congressistas.

Até aqui, foi possível manter as duas coisas. Mesmo entrando em choque com o Congresso para acenar a seu público, Bolsonaro conseguiu aprovar a reforma da Previdência no ano passado, com um Legislativo alinhado à sua agenda econômica.

Os ataques do general Heleno ao acordo, costurado pelo também general e ministro Luiz Eduardo Ramos, mostram que o "núcleo militar" do governo não é homogêneo. A Ramos, cabe a articulação política com o Parlamento. Na semana passada, ao GLOBO, ele fez um mea culpa, dizendo que errou ao não manter diálogo institucional com os partidos. Seu discurso mostra que ocupa fileira oposta à de Heleno, contrário a uma moderação na relação com o Congresso.

Parlamentares seguem Maia e reagem a Heleno: 'A perda de compostura está se espalhando por todo o governo', diz Tasso

Fala do ministro contra o Congresso não foi bem recebida no Congresso. 'Ele virou um radical ideológico contra a democracia', disse o presidente da Câmara

Amanda Almeida, Bruno Góes, Naira Trindade, Natália Portinari e Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA — Além do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que acusou o ministroAugusto Heleno de ter virado um 'radical ideológico contra a democracia', outros parlamentares reagiram, nesta quarta-feira, à declaração do chefe do Gabinete de Segurança Pública (GSI) do governo Bolsonaro de que o governo não deve ceder às "chantagens" do Congresso. O embate é a respeito do controle da ordem de execução de R$ 46 bilhões em emendas parlamentares — um acordo devolvia ao governo a gerência sobre R$ 10,5 bilhões. No Planalto, porém, há resistência em cumprir o combinado com deputados e senadores.

— Parece que a perda de compostura, a falta de noção da importância do cargo está se espalhando por todo o governo, contaminou todo o governo. Está se tornando um governo que tem como característica falta de compostura e de noção da dignidade do cargo — diz o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Para ele, Heleno tem de ser convocado para se explicar ao Congresso:

— Claro. As coisas estão passando do limite.

Maia sobre Heleno: ministro virou um 'radical ideológico contra a democracia'

Presidente da Câmara ironiza que Chefe do GSI não reclamou quando Congresso aprovou o aumento de salário dele; presidente do Senado diz que nenhum ataque à democracia será tolerado

Isabella Macedo e Amanda Almeida | O Globo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiu na manhã desta quarta-feira à sugestão feita pelo ministro Augusto Heleno ao presidente Jair Bolsonaro, de enfrentar o que chamou de 'chantagem' do Congresso em relação aos vetos da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que ainda precisam ser analisadas pelos parlamentares. Ao chegar à Câmara, Maia afirmou que a postura do ministro é "triste" e que ele se comporta como um adolescente ao agredir o Parlamento.

Mais tarde, foi a vez do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, criticar a declaração captada por uma transmissão ao vivo nas redes sociais de Bolsonaro.
- Nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento. O momento mais do que nunca é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país - disse Alcolumbre.

Durante a reunião ministerial com Bolsonaro nesta terça-feira, Heleno chegou a bater na mesa afirmando que Bolsonaro precisava "convocar o povo às ruas" e não ceder “às chantagens” do Congresso. Bolsonaro, porém, pediu cautela e aconselhou a articulação política a costurar novo acordo.

Maia comentou hoje:

- Geralmente, na vida, quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem, um estudante no auge da sua juventude. É uma pena que o ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. Muito triste. Não vi por parte dele nenhum tipo de ataque quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva - afirmou o presidente da Câmara.

Maia também afirmou que a postura do ministro ultimamente em relação ao Parlamento seria melhor aproveitada em um "gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos têm feito".

- Não é a primeira vez que ele ataca, mas dessa vez veio a público. É uma pena. Todos nós sabemos da competência dele na carreira militar. É uma pena que ele considere a relação com um Parlamento que tanto tem produzido para o Brasil, muitas vezes em conjunto com o governo, principalmente com a equipe econômica, como um Parlamento que quer chantagear. Muito pelo contrário. Esse Parlamento se quisesse apenas deixar as pautas correrem soltas, o governo não ganhava nada aqui dentro. Tudo é feito por responsabilidade com o Brasil - concluiu Maia.

Maia rebate crítica e diz que general Heleno é radical ideológico contra a democracia

Para o chefe Gabinete de Segurança Institucional, Congresso faz chantagem para ficar com R$ 30 bi do Orçamento

Danielle Brant, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu nesta quarta-feira (19) críticas do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, ao Congresso e qualificou o militar de radical ideológico contra a democracia.

Na terça-feira (18), general Heleno afirmou que o Congresso estava chantageando o Executivo, em falas captadas em transmissão ao vivo da presidência da República durante cerimônia de hasteamento da bandeira no Palácio do Planalto.

“Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se”, afirmou, em relação ao Orçamento de 2020. Heleno defendeu que o presidente deixasse claro à população que está sofrendo uma pressão e “não pode ficar acuado”.

Maia, após qualificar a frase do ministro como “infeliz”, afirmou que Heleno estava falando como um “jovem, um estudante, no auge da sua idade, da sua juventude”.

“Uma pena que um ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. É muito triste”, afirmou.

O presidente da Câmara também alfinetou Heleno e disse não ter visto nenhum ataque ao Congresso quando os parlamentares estavam “votando o aumento do salário dele como militar da reserva”.

“Então quero saber dele se ele acha que o Parlamento foi chantageado por ele ou por alguém para votar ou chantageou alguém para votar o projeto de lei das Forças Armadas”, ironizou.

Maia sugeriu ainda que o ministro-chefe do GSI estaria melhor “num gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos fazem, como ele tem feito ao Parlamento nos últimos meses”. Além disso, reiterou o papel do Congresso na aprovação de medidas importantes para o governo, como a reforma da Previdência.

“Esse Parlamento, se quisesse apenas deixar as pautas correrem soltas, o governo não ganhava nada aqui dentro. Tudo é feito com responsabilidade”, complementou.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), manifestou-se por nota condenando o que chamou de "ataque à democracia".

"Nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento. O momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país. O Congresso Nacional seguirá cumprindo com as suas obrigações”, disse Alcolumbre.

Projeto de Bolsonaro é destruir a imprensa livre, diz Eugênio Bucci

Vitória dele implica destruição da imprensa livre, declara o professor da USP

Maurício Meireles | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O primeiro debate do 3º Encontro Folha de Jornalismo, que aconteceu nesta quarta-feira (19), contou com falas contundentes de Eugênio Bucci, professor da USP e colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Bucci comparou o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores aos bonapartistas do século 19 e aos fascistas do século 20.

“São pregadores do fascismo. São machistas, misóginos, militaristas. Não suportam a ciência. Não suportam o jornalismo. A vitória do projeto dele implica a destruição da imprensa livre, e a vitória da imprensa livre coloca em sítio o projeto de poder autoritário que ele tem”, afirmou.

Com mediação da ombudsman, Flavia Lima, Bucci debateu com Mônica Bergamo, colunista da Folha, e Ana Cristina Rosa, assessora-chefe de comunicação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Como tema da mesa, a pergunta: “Jornalistas são mesmo animais em extinção?”

Flavia iniciou o encontro mencionando levantamento da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que computou mais de cem ataques à imprensa cometidos pelo governo Bolsonaro em seu primeiro ano de governo. Lembrou alguns, como o insulto com insinuação sexual contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, registrado nesta terça-feira (18).

“É um desprazer discutir uma fala tão desqualificada”, afirmou Bucci sobre o ataque. “É um desprazer considerar essas palavras como passíveis de interlocução. Elas não são, são ultrajes, são golpes verbais. Têm o objetivo de nos calar, nos humilhar.”

FHC chama declaração de Bolsonaro sobre morte de miliciano de 'grosseria inaceitável'

Ex-presidente diz que não se lembra de uma reação que tenha unido tantos governadores contra um presidente, após fala contra Rui Costa

Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

Em uma palestra realizada na noite de ontem para prefeitos do interior paulista recém-filiados ao PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou as insinuações do presidente Jair Bolsonaro de que a Polícia Militar da Bahia teria matado de propósito o miliciano Adriano Nóbrega.

Em um movimento que uniu chefes de executivo do PT ao DEM, 20 dos 27 governadores a elaborarem uma carta “em defesa do pacto federativo” e em solidariedade ao baiano Rui Costa (PT).

“Foi uma grosseria inaceitável. Se você precisa tratar bem os deputados, o que dizer dos governadores? Eles representam os Estados. Não me lembro de já ter visto uma carta assinada pela maioria dos governadores contra o presidente da República. Uma coisa rara, que mostra como é rara a gravidade do ato", disse FHC.

Na sexta-feira, Bolsonaro apontou Costa como responsável pela operação policial que resultou na morte de Adriano, classificada por ele como uma “provável execução sumária” para queima de arquivo. Segundo Bolsonaro, a “polícia do PT” não procurou “preservar a vida de um foragido”. Em um discurso que durou mais de uma hora para os novos tucanos, FHC também disse que Bolsonaro “governa por antagonismo” e que essa não é a melhor maneira.

O governador João Doria chegou ao evento durante a palestra de FHC e fez uma fala breve que também mirou Bolsonaro. “Vocês estão assistindo a palestra de um democrata que nunca desrespeitou um jornalista, que nunca mudou o tom para atacar a imprensa”, disse Doria.

O que a mídia pensa – Editoriais

Bolsonaro cria uma atmosfera antidemocrática – Editorial | O Globo

Está neste mesmo contexto a proposta de ministro de o povo ser mobilizado contra o Congresso

O ataque à imprensa profissional e as torpes agressões a Patrícia Campos Mello, jornalista da “Folha de S.Paulo”, são parte de um desejo autoritário de garrotear as instituições. Nada é por acaso. A radicalização avança com suporte nas redes, onde atuam milicianos digitais facilmente identificados. Trata-se de um fenômeno, de antes dos nossos tempos, em que autoritários já chegavam ao poder usando os canais da democracia — o voto, a representação popular — para destruir por dentro a própria democracia. Há projetos de poder similares no campo da esquerda.

Na América Latina, existe o caso da Venezuela, em que o caudilho Hugo Chávez chegou ao Palácio de Miraflores pelo voto no final dos anos 1990, conseguiu da Justiça autorização para convocar uma Constituinte, e ali o “Socialismo do Século XXI” começou a destruição do país. Eleições continuaram a ser feitas, apenas como um rito dissimulador para dar ao regime a fachada de democracia.

Mas não há chance deste projeto vingar no Brasil. O jornalismo profissional persistirá no cumprimento de sua missão de informar a sociedade, gostem ou não os poderosos.

Vale informar-se sobre o processo de esmagamento da democracia representativa na Polônia de Jaroslaw Kaczynski e na Hungria de Viktor Orbán, este convidado improvável para posse de Bolsonaro em Brasília. São governos “legítimos” que não param de pregar a defesa da família, da religião etc. Bolsonaro e alguns dos seus ministros vestem este figurino.

Música | Moacyr Luz e Banda - A Reza do samba

Poesia | Fernando Pessoa - Num dia de verão

Como quem num dia de verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

Quando o verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...