- Valor Econômico
Método Bolsonaro desvia debate e desorienta a nação
Quem te irrita te domina. Um general da reserva foi buscar em sua memória de caserna a frase com a qual tenta explicar o método Jair Bolsonaro. Se esgotada em si mesma, a necessária indignação com a abominável ofensa à jornalista Patrícia Campos Mello cumprirá o objetivo perseguido por seu autor. Para cada brasileira indignada, há outra que não entende - ou não quer entender - de que furo Bolsonaro falou e prefere se encantar com o (raro) elogio de Roberto Carlos a um presidente da República.
A misoginia não é um detalhe tão pequeno pra esquecer, mas tornou-se um abrigo para o presidente da República. Seu campo de batalha é outro. No momento em que soltou o despautério, era indagado sobre a relação de sua família com as milícias e sobre a manifestação de 20 governadores a respeito do cabo de guerra do ICMS sobre combustíveis e de seu desempenho como obstáculo à democracia. Mas podia um outro tema, entre tantos que afligem o quarto andar do Palácio do Planalto, como o revelado pelo general Heleno Ribeiro.
A desbocada indiscrição do ministro do Gabinete de Segurança Institucional revela o grau de tensão envolvido na equação da governabilidade bolsonarista. O Congresso adquiriu, neste governo, poderes nunca dantes alcançados, pelo valor e pela prerrogativa de execução de emendas orçamentárias, e pela gestão dos fundos eleitoral e partidário. É um governo paralelo. Tem parlamentar assinando ordem de serviço, ou seja, invadindo prerrogativas de prefeitos, governadores e dos próprios ministros.
Já faz tempo que a saída dos ministérios para fazer investimentos é negociar com parlamentares para que as prioridades de suas pastas estejam contempladas nas emendas orçamentárias. O orçamento impositivo, a crise fiscal e o desenho do governo fez com que aquilo que era um arranjo em consonância com o funcionamento de um parlamento, se tornasse um tenso imperativo.
O loteamento ainda corre solto nos Estados e mantém janelas de oportunidades na Esplanada traduzidas pelas infindáveis disputas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ou pelas agências reguladoras. A própria oposição reconhece, no entanto, que a corrupção foi reduzida no primeiro escalão.
Os caciques partidários já não têm a mesma liberdade de instalar pedágios nas autarquias do governo. Em contrapartida, têm pátrios poderes sobre as verbas da política. Se os ministros têm um ministro da Economia de quem podem se queixar e os prefeitos, um caixa favorecido pelo fôlego do setor de serviços, contribuintes municipais, o mesmo não se dá com os governadores.
Em outros tempos, uma carta assinada por 20 deles teria reverberado de uma maneira muito mais eloquente no Congresso do que esta o fez. Em grande parte porque tão inaudita quanto a manifestação, é a autonomia adquirida pelos parlamentares em relação aos chefes dos executivos estaduais.
Em regiões como o Nordeste, com gestões majoritariamente de esquerda, a aliança pontual entre Bolsonaro e parlamentares têm o objetivo de desalojá-las a partir de seu enfraquecimento nas eleições municipais.
São os governadores - e não os parlamentares ou o presidente - que têm de lidar com o subproduto da asfixia fiscal dos Estados, como a ameaça de greve policial deflagrada no Ceará e que ontem resultou nos tiros contra o ex-governador do Ceará, Cid Gomes.
Some-se a isso a estratégia do presidente de se vitimar no episódio da morte do ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, jogando a responsabilidade numa polícia militar sem controle e tem-se aí a tempestade perfeita para os governadores, um dos temas encobertos pela cortina de fumaça bolsonarista da semana.
Outro, sem solução fácil, é aquele que hoje mobiliza, principalmente, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a mudança constitucional que lhe permitiria disputar a recondução ao cargo. A pretensão do senador é alimentada pelos arroubos bolsonaristas. A cada sandice presidencial, o discurso de que o Congresso pode servir de anteparo ganha terreno.
Parlamentares que não querem perder seus feudos no Estado, dos Correios à Eletrobras, também fazem das pretensões de Alcolumbre um guarda-chuva para sua guerrilha parlamentar. A causa ainda tem como trunfo o parecer de um ex-advogado, hoje ministro do Supremo, encomendado pelo ex-senador Garibaldi Alves e favorável à tese da recondução.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, igualmente interessado no tema, tem sido mais discreto. Além de os adversários da tese na Casa serem mais barulhentos, o deputado parece confiar que, se a porteira for aberta para o Senado, não terá como se manter fechada para a Câmara.
A pretexto de conter um desabalado presidente da República, o movimento liderado por Alcolumbre arrisca transformar o Congresso num legislativo como aquele que um dia foi comandado pelos Picciani, no Rio. O que começa com a recuperação de privilégios, como aquele que estendeu o plano de saúde para filhos de servidores de até 33 anos, não custa a desandar para um feudo de desmandos e corrupção. É um vetor contrário àquele pretendido pela reforma administrativa. Não surpreende que a proposta, anunciada para hoje, tenha sido adiada.
A despeito da cidadela de austeros generais, o presidente enfrenta essas batalhas com peões egressos da velha ordem em funções-chave. É o caso, por exemplo, do ex-subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da gestão Michel Temer, Gustavo do Vale Rocha, que hoje ocupa função semelhante no governo do Distrito Federal mas mantém o pé no Palácio do Planalto como integrante do Conselho de Ética da Presidência.
Foi ele o relator da decisão que inocentou Fabio Wajngarten, dono de empresas beneficiadas por sua gestão como chefe da comunicação do presidente. Eis um soldado do qual Bolsonaro não pretende prescindir para manter em operação as milícias digitais com as quais irrita, desorienta e radicaliza. É dessa guerra que o capitão emerge, em seu palácio militarizado, como a força pacificadora de uma nação bestificada.
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