Bolsonaro cria uma atmosfera antidemocrática – Editorial | O Globo
Está neste mesmo contexto a proposta de ministro de o povo ser mobilizado contra o Congresso
O ataque à imprensa profissional e as torpes agressões a Patrícia Campos Mello, jornalista da “Folha de S.Paulo”, são parte de um desejo autoritário de garrotear as instituições. Nada é por acaso. A radicalização avança com suporte nas redes, onde atuam milicianos digitais facilmente identificados. Trata-se de um fenômeno, de antes dos nossos tempos, em que autoritários já chegavam ao poder usando os canais da democracia — o voto, a representação popular — para destruir por dentro a própria democracia. Há projetos de poder similares no campo da esquerda.
Na América Latina, existe o caso da Venezuela, em que o caudilho Hugo Chávez chegou ao Palácio de Miraflores pelo voto no final dos anos 1990, conseguiu da Justiça autorização para convocar uma Constituinte, e ali o “Socialismo do Século XXI” começou a destruição do país. Eleições continuaram a ser feitas, apenas como um rito dissimulador para dar ao regime a fachada de democracia.
Mas não há chance deste projeto vingar no Brasil. O jornalismo profissional persistirá no cumprimento de sua missão de informar a sociedade, gostem ou não os poderosos.
Vale informar-se sobre o processo de esmagamento da democracia representativa na Polônia de Jaroslaw Kaczynski e na Hungria de Viktor Orbán, este convidado improvável para posse de Bolsonaro em Brasília. São governos “legítimos” que não param de pregar a defesa da família, da religião etc. Bolsonaro e alguns dos seus ministros vestem este figurino.
Nada contra a defesa da família e da religião, contanto que sejam respeitados o laicismo constitucional do Estado brasileiro, as liberdades de expressão e de imprensa, e todos os demais direitos civis reconhecidos pelo Supremo como constitucionais: aborto do feto anencéfalo, união homossexual.
Deve-se ficar atento quando o Itaramaty adere à Aliança pela Liberdade Religiosa, ao lado dos notórios Polônia, Hungria e Estados Unidos. Com Trump, o Executivo americano deu uma guinada para a extrema direita.
É impensável não apoiar a liberdade de culto. Mas deve-se saber o que esses governos entendem por liberdade religiosa. O presidente Bolsonaro com suas falas debochadas, mal-educadas, na saída ou entrada de palácio, aplaudido por sua claque, cria uma atmosfera antidemocrática, acirra o radicalismo.
É neste ambiente que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, aparece, gravado involuntariamente na manhã de terça, irritado com o que chama de “chantagens” de parlamentares nas negociações sobre os vetos presidenciais à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Depois, em uma reunião, Heleno conclamou o presidente a chamar o “povo às ruas” contra o Congresso.
Bolsonaro pediu calma ao ministro. Mas é ele que tem contribuído para este ambiente que já vinha polarizado. Quando o chefe sobe o tom, e até toma atitudes desqualificadas, a tropa acha que é sinal de avançar.
Descontrole total – Editorial | O Estado de S. Paulo
O destempero do presidente Jair Bolsonaro atingiu nesta semana um nível inaceitável para quem ocupa tão elevado cargo. Já não é mais possível dizer que o presidente está “testando os limites” da democracia e do decoro, pois estes há muito tempo foram superados. O que aconteceu nos últimos dias é mais do que simplesmente uma reiteração da falta de moderação de Bolsonaro; trata-se de demonstração cabal da incapacidade do presidente de controlar a própria língua e, por extensão, o governo que chefia.
Na terça-feira de manhã, o presidente chocou o País ao ofender publicamente uma jornalista com grosseiras insinuações de caráter sexual. Horas mais tarde, quando os brasileiros ainda tentavam se refazer da indignação causada pelo comportamento acintosamente desrespeitoso do presidente da República, Bolsonaro surpreendeu a todos com declarações enigmáticas acerca da permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo. Sem que ninguém lhe perguntasse, Bolsonaro afirmou que “o Paulo não pediu para sair, tenho certeza de que ele vai continuar conosco até o último dia”.
Por estar no topo da hierarquia da administração pública, um presidente da República deve se pautar pela discrição. Tudo o que diz tem o potencial de servir como referência e informação fundamental para a sociedade. Para começar, é principalmente dele que deve partir o exemplo de respeito pelas instituições, sem as quais a própria Presidência da República não se legitima. Um presidente, ademais, deve ser capaz de transmitir serenidade e firmeza na condução de seu governo, pois disso dependem a estabilidade política do País e a confiança dos agentes econômicos.
Quando um presidente dá indícios claros de que ignora, em todos os aspectos, a liturgia e o peso político e institucional de seu cargo, estamos diante de um desgoverno.
Não é trivial que o presidente venha a público, sem ser provocado, para manifestar-se sobre a possibilidade de demissão de seu principal ministro, responsável pela condução da economia e avalista de Bolsonaro ante investidores internos e externos. Ao informar que se cogitou a saída de Paulo Guedes, Bolsonaro dá materialidade a rumores de que a equipe econômica estaria descontente. Motivos, afinal, não faltam: além de ser notória a falta de apoio do presidente às reformas, Bolsonaro não demonstrou empenho em defender seu ministro da Economia depois que este deu declarações desastrosas sobre funcionários públicos “parasitas” ou sobre os efeitos, a seu ver absurdos, do dólar barato, como a possibilidade de uma empregada doméstica viajar para o exterior.
Ademais, Paulo Guedes estaria descontente porque o governo aceitou negociar com o Congresso o controle de execução de emendas parlamentares ao Orçamento, embora o presidente Bolsonaro tenha dito que não aceitaria se tornar “refém” do Legislativo. Ao ministro da Economia se juntou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que se queixou das “insaciáveis reivindicações” dos parlamentares e acusou “esses caras” do Congresso de fazerem “chantagem”.
A barafunda obrigou Bolsonaro a se reunir às pressas, a portas fechadas, com Paulo Guedes, Augusto Heleno e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política. Oficialmente, o encontro serviu para discutir a reforma administrativa, mas o fato de que a reunião, fora da agenda, obrigou o governo a cancelar em cima da hora um evento para quase mil convidados, muitos dos quais já estavam no Palácio do Planalto, indica que havia um incêndio de grandes proporções a ser debelado.
Num governo em permanente autocombustão, os bombeiros infelizmente ainda terão muito trabalho, pois o próprio presidente Bolsonaro, desde sempre, quando se manifesta sobre qualquer assunto, costuma adicionar gasolina ao fogo. A confusão de seu governo é reflexo de uma profunda incompreensão acerca de seu papel como presidente. Governar não é ofender – seja a honra das pessoas, seja a inteligência alheia.
Vista grossa – Editorial | Folha de S. Paulo
Comissão de Ética toma decisão camarada no caso do secretário Wajngarten
A decisão da Comissão de Ética Pública da Presidência de arquivar sem nem mesmo investigar o caso que envolve Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), revela muito sobre a atual Presidência e pouco sobre ética.
Como revelou a Folha em janeiro, Wajngarten é o sócio majoritário da empresa FW Comunicação, condição pela qual recebe pagamentos de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo órgão que comanda. Não se necessita de maior imaginação para perceber que há aí um conflito de interesses.
O próprio Wajngarten parece ter percebido esse fato singelo, uma vez que, quando foi para o governo no início do ano passado, omitiu dos formulários da comissão seus vínculos com a FW.
E não é que Wajngarten fosse um sócio menor na firma —algo comparável ao técnico que tem algumas ações da Petrobras e vai para um cargo no Ministério de Minas e Energia. O secretário de comunicação detém nada menos que 95% das cotas da empresa, enquanto os 5% restantes pertencem a sua mãe.
Desde que assumiu o posto, o auxiliar do Planalto participou de pelo menos 67 reuniões com representantes de clientes e ex-clientes de sua empresa. Parte desses encontros exigiu viagens, algumas das quais pagas pelo poder público.
Não obstante, pelo placar de 4 votos a 2, a maioria dos membros da comissão concluiu que o simples fato de o secretário ter-se afastado da gestão da empresa já bastava para eliminar o conflito de interesses —não importando que ele continue a auferir lucros com a firma.
O colegiado também desconsiderou outros aspectos delicados do episódio. Em seu lugar à frente da FW Comunicação, Wajngarten colocou o empresário Fabio Liberman, irmão de Samy Liberman —este, ninguém menos que o número dois da Secom.
As relações familiares não se encerram aí. Quando confrontado com a inadequação de todo esse arranjo, Wajngarten sugeriu solucionar o problema transferindo suas cotas na empresa para a mulher. A manobra nem foi necessária, dada a camaradagem da comissão.
Exceto pela omissão em documento oficial, não se pode afirmar que o secretário cometeu ilícitos. Essa hipótese existe e é investigada pela Polícia Federal, que abriu um inquérito sobre o caso.
A Comissão de Ética, porém, não deve zelar apenas pelo cumprimento da lei e de regulamentações mas também, como ensina o próprio site da comissão, deve “inspirar o respeito no serviço público e promover a ética na administração pública”. Com a decisão de terça (18), ela fez o contrário.
Paralisia paulista – Editorial | Folha de S. Paulo
Obras atrasadas no estado desperdiçam verbas e emperram prestação de serviços
Mazelas relacionadas à execução de obras públicas ocupam, há muito, lugar de destaque na lista de disfuncionalidades do Estado brasileiro.
As causas desse fenômeno são múltiplas e atávicas: planejamento inepto, entraves burocráticos, distribuição intermitente de recursos, gestão deficiente e, não menos importante, corrupção.
Combater essa chaga, que atinge os três níveis da administração, exige conhecê-la em detalhes —o que muitas vezes não acontece.
Em São Paulo, essa lacuna começou a ser preenchida recentemente. Desde abril de 2019 o Tribunal de Contas do Estado vem produzindo um amplo mapa de obras paralisadas ou atrasadas.
No seu levantamento mais recente, encerrado em janeiro, o órgão de controle listou 1.412 empreendimentos nessa situação. Desse total, 716 encontravam-se parados e 696 já deveriam ter sido inaugurados. Os contratos referentes às obras estagnadas somam cerca de R$ 43 bilhões, dos quais já foram pagos R$ 14,4 bilhões.
Tais números são decerto maiores, visto que o levantamento não inclui a capital, que possui seu próprio tribunal de contas.
Na pesquisa, a área que concentra o maior número de construções problemáticas é a educação, com 315. Atrás, vêm equipamentos urbanos (227), mobilidade (214) e saúde (151). Isoladamente, o Tribunal de Justiça congrega o maior número de obras nesse rol, com 72.
Destacam-se ainda, nessa lista, quatro órgãos estaduais —CDHU (companhia habitacional), CPTM (trens), Metrô e Dersa (rodovias)—, incumbidos de grandes obras como os trechos da Nova Tamoios que deveriam estar prontos desde 2015, e da linha 17-ouro, aguardada desde a Copa do Mundo de 2014.
Por diluídas que possam ser as responsabilidades em todos esses casos, os sucessivos governos tucanos no comando do estado há mais de 20 anos sem dúvida carregam parcela expressiva da culpa pelo ritmo claudicante de execução.
Tais problemas, como seria de esperar, se reproduzem em âmbito nacional. De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União, 14,4 mil obras financiadas com recursos federais estavam paralisadas no país em 2019 —o que corresponde a um investimento previsto de R$ 144 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões já haviam sido gastos.
Os custos dessa ineficiência vão muito além de verbas desperdiçadas e se espraiam por toda a sociedade, na forma de empregos que deixam de ser gerados e de serviços não prestados à população.
A nova previdência paulista – Editorial | O Estado de S. Paulo
Essencial para assegurar a sustentabilidade do sistema de aposentadoria e pensões dos servidores públicos estaduais de São Paulo, a proposta de reforma previdenciária apresentada pelo governador João Doria Jr. foi votada e aprovada em primeiro turno pela Assembleia Legislativa de São Paulo na terça-feira à noite, poucas horas depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, derrubar duas liminares concedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que impediam a tramitação da matéria.
A maioria dos deputados estaduais paulistas entendeu a necessidade de rápida aprovação de uma proposta destinada a garantir o direito dos servidores à aposentadoria digna e paga sem risco de atraso ou interrupção, embora com novas regras, e a manter a capacidade do governo do Estado de aplicar recursos em áreas tão essenciais como educação, segurança e saúde. A urgência era óbvia. Sem a reforma, em algum momento no futuro, não haveria mais recursos públicos suficientes para sustentar o atual regime, mesmo que todos os demais compromissos financeiros do governo fossem ignorados. Quanto antes forem estabelecidas regras que assegurem a preservação do sistema de aposentadorias e pensões dos servidores estaduais, menores os riscos de colapso financeiro do setor público paulista e mais depressa se recuperará sua capacidade de investir naquilo que beneficia a população do Estado.
De acordo com o Executivo, os gastos com pensão e aposentadoria pagos a cerca de 550 mil beneficiários somaram R$ 34,3 bilhões em 2018. Desse valor, R$ 29,5 bilhões (ou 86%) vieram do governo (Tesouro e outras fontes) e apenas R$ 4,8 bilhões (14%) das contribuições dos servidores. Mantida a evolução das despesas observada até agora, a projeção era de que em 2022 os gastos com aposentados e pensionistas superaria a folha de pagamentos dos 643 mil servidores da ativa.
Daí o governador João Doria ter dito, em novembro do ano passado, ao apresentar a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma, que a mudança era imprescindível. “A previsão do governo do Estado de São Paulo é de uma economia de R$ 32 bilhões em dez anos com a reforma da previdência”, disse então. Essa economia permitirá que haja mais recursos no orçamento estadual para a manutenção e ampliação de serviços essenciais que o governo do Estado precisa prestar à população. Além de preservar direitos de quem já tem, a reforma, segundo Doria, deixa o sistema sustentável a médio prazo, garantindo “que as aposentadorias sejam pagas sem atraso e sem corte”.
Muitas alterações no regime previdenciário dos servidores públicos do Estado de São Paulo estão em linha com as aprovadas na esfera federal. A idade mínima de aposentadoria passa para 62 anos para mulheres e 65 anos para homens (atualmente são, respectivamente, de 55 e 60 anos). Algumas categorias terão critérios diferentes. Para professores, a idade mínima de aposentadoria passará a ser de 51 anos para mulheres e 56 para homens. Policiais civis e agentes penitenciários poderão se aposentar a partir de 55 anos.
O tempo de serviço só passa a elevar o cálculo da aposentadoria depois de 20 anos de contribuições. Até lá o servidor tem direito a 60% da média dos salários; depois, para cada ano trabalhado, terá mais 2% no valor, até completar a aposentadoria integral.
A reforma será completada por um projeto de lei complementar ainda não votado pela Assembleia. O projeto prevê o aumento da alíquota de contribuição, de 11% para 14%.
A tramitação da PEC da reforma previdenciária estava suspensa desde dezembro, por duas liminares concedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ao derrubar as liminares, o ministro Dias Toffoli argumentou que elas implicavam indevida “intromissão do Poder Judiciário em norma interna de outro Poder”. Na Assembleia, a proposta já tinha sido relatada pelo deputado Heni Ozi Cukier (Novo), o que permitiu a rápida deliberação do plenário.
Mediação de uma ilegalidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
Há poucos dias, o ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), declarou ilegal a greve dos petroleiros iniciada no dia 1.º deste mês. No entender do ministro, a paralisação, liderada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), “tem motivações políticas e desrespeita ostensivamente a lei de greve e as ordens judiciais de atendimento às necessidades inadiáveis da população em seus porcentuais mínimos de manutenção de trabalhadores em atividade” (90%). O ministro Ives Gandra Filho autorizou a Petrobrás a aplicar “eventuais sanções disciplinares” – inclusive a demissão de grevistas – e fixou o pagamento de multas diárias que variam de R$ 250 mil a R$ 500 mil a todos os sindicatos envolvidos na greve.
Sob quaisquer ângulos que se analise esta paralisação, o que se tem é uma completa desmoralização da greve como justo instrumento de que dispõem os trabalhadores para fazer valer os seus interesses. Neste episódio, igualmente desmoralizada ficou a Justiça do Trabalho.
Parte dos petroleiros – a FUP afirma que são 15 mil, cerca de 80% dos 18,5 mil trabalhadores federados – decidiu cruzar os braços após a Petrobrás anunciar a decisão de fechar a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), localizada no município de Araucária. A empresa tem registrado sucessivos prejuízos, razão para o anúncio de seu fechamento, há pouco mais de um mês.
O encerramento das atividades da Fafen no Paraná causará a demissão de 396 funcionários diretos e 600 indiretos, aproximadamente. É compreensível o drama das famílias afetadas pelo fechamento da fábrica. No entanto, não é razoável esperar que uma empresa defina sua estratégia de negócios e tome ou deixe de tomar decisões em linha com essa estratégia, por mais duras que sejam, movida pelo sentimento de empatia por aqueles que serão diretamente afetados por aquelas decisões. Frise-se que a Fafen-PR é deficitária há alguns anos e, sendo a Petrobrás uma empresa de economia mista, sua renitente operação deficitária cobra a conta de um número muito maior de cidadãos do que os que estão diretamente ligados à empresa.
Inadmissível seria a Petrobrás desrespeitar os funcionários da Fafen-PR, ignorar seus direitos e praticar outros atos em desacordo com as leis. Mas, a julgar pela decisão do ministro Ives Gandra Filho, não parece haver desrespeito e tampouco ilegalidades no que concerne ao fechamento da empresa paranaense.
Sob o ponto de vista estritamente pragmático, a paralisação produziu um efeito que, a bem da verdade, se volta contra os próprios petroleiros. Não há qualquer indicador de que nestas três semanas de greve tenha havido queda na produção petrolífera ou problemas na distribuição de derivados. Em entrevista ao Estado, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, afirmou que “nenhum barril de petróleo deixou de ser produzido nem refinado” no período de greve dos petroleiros.
A FUP recorreu da decisão do ministro Ives Gandra Filho. Mais do que isso: a FUP ignorou uma decisão do TST e manteve a greve enquanto seu recurso era julgado pela desembargadora Rosalie Michaele Bacila, do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. A magistrada determinou a suspensão das demissões na Fafen-PR até que a Petrobrás e os representantes dos petroleiros cheguem a um acordo.
Não só a decisão da magistrada desrespeita a determinação de instância superior, como põe o Poder Judiciário como mediador de um acordo a respeito de uma greve já declarada ilegal pela própria Justiça do Trabalho. O próprio ministro Ives Gandra Filho se dispôs a intermediar as conversas, marcando audiência em seu gabinete entre a Petrobrás e a FUP a fim de tratar da paralisação que ele declarou ser ilegal. As esquisitices do Poder Judiciário são menos raras do que o desejável, mas a mediação de uma ilegalidade é novidade.
Novo plano de socorro dá mais um alívio a Estados – Editorial | Valor Econômico
Péssimas gestões criam situações de calamidade pública em que a União é obrigada a intervir. E os responsáveis ainda tentam reeleição
A fuzarca provocada pelo presidente Jair Bolsonaro, que motivou duas cartas de protestos de governadores, tende a acirrar os ânimos políticos no Congresso e a prejudicar a votação do Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (Plano Mansueto), após meses de submersão do projeto entre os parlamentares. As propostas são boas, sem que, porém, seja dada uma condição básica para seu sucesso. Se houvesse consenso, já seria difícil obrigar os governadores a cumprirem regras mínimas de cuidado com os gastos públicos. Com um Executivo aloprado, que não hesita em hostilizar parlamentares e governadores, o acordo e a possibilidade de cumprimento das regras almejadas se tornam mais remotas.
O plano atual é mais uma tentativa para disciplinar os gastos estaduais e municipais, o mesmo objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi aos poucos sendo deixada de lado até o ponto em que mais da metade dos Estados estouraram o teto de gastos com a folha de salários e três das principais unidades da Federação - Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul - entraram em colapso. A LRF deu boa parte dos instrumentos para limitar prudentemente as despesas e mecanismos para corrigir a trajetória de endividamento antes que se tornasse crítica. Apesar de estipular sanções, elas jamais foram aplicadas e nenhum governador até hoje foi punido por usar de forma irresponsável o dinheiro público.
Os Estados deram vários bailes na União e desta vez não deve ser diferente. O ministro da Fazenda de Dilma, Joaquim Levy, diante da deterioração das contas estaduais (incentivadas pela própria União), amarrou um auxílio provisório vinculado à unificação do ICMS. Saiu a ajuda, mas não o fim da guerra fiscal. O BNDES deu mais 10 anos de prazo para pagamento de empréstimos dos entes federados. Sob Henrique Meirelles, no governo de Michel Temer, esticou-se em 20 anos os prazos de pagamentos de uma dívida rolada por 30 anos.
Meio século de prestações também não foi suficiente. Devastado pelo mais amplo e longevo esquema de corrupção de que se tem notícia - com quatro governadores entrando e saindo da prisão, e um deles, ainda lá, Sérgio Cabral - o Rio de Janeiro ganhou direito de não pagar as dívidas até setembro deste ano, em um sistema de auxílio que contemplaria, sob contrapartidas, outros Estados. Rio Grande do Sul e Minas precisariam entrar, mas não entraram. O Rio, como se previa, não cumpriu seus compromissos. O governador Wilson Witzel, presidenciável desde o primeiro dia no cargo, propôs um adiamento genial - os pagamentos começariam no próximo governo. É um exemplo extremo de um padrão de comportamento que, em maior ou menor grau, é comum à maioria dos Executivos estaduais.
O Plano Mansueto estabelece condições para empréstimos com aval da União para investimentos e pagamento de despesas correntes, com um cronograma de liberação sujeito ao cumprimento de obrigações dentro do mandato do governador. Para respeitar a lei a as sensibilidades estaduais, as contrapartidas não serão impostas com uma receita fechada. Os Estados terão de optar três ações em um menu de oito. O cardápio inclui privatizações de saneamento e energia, redução de 10% dos incentivos fiscais, suspensão de novas isenções, mecanismos para limitar o avanço das despesas correntes, desvinculação de receitas, reformas estruturantes e gestão financeira unificada.
O relator do plano, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), secretário executivo da prefeitura do Rio na gestão de Eduardo Paes, está flexibilizando as medidas, em acordo com seus pares. Uma das ideias é estender o prazo de recuperação da capacidade de pagamento (período em que o Estado deixa de cumprir ou cumpre parcialmente seus compromissos) de seis para 10 anos. Presume-se que após esse prazo a quitação da dívida segue o cronograma original, isto é, a conta pode ser estendida a 60 anos.
A LRF tinha ótimas ideias e o Plano Mansueto tem outras muito boas. Sem que os governadores sejam punidos com o rigor da lei e respondam com bens ou privação da liberdade, os dispositivos não serão cumpridos. Sob plano de emergência, o Rio de Janeiro dança à beira do abismo e joga o problema par a União. Romeu Zema (Novo-MG), governador de uma falida Minas, propôs aumento de 41,7% para policiais, enquanto os serviços públicos, já precários, pioram. Péssimas gestões criam situações de calamidade pública em que a União é obrigada a intervir. Os responsáveis saem da enrascada e ainda tentam reeleição.
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