sexta-feira, 8 de maio de 2009

Sem atalho para o respeito do eleitor

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


De 18 países da América Latina apenas quatro fizeram reformas eleitorais nos últimos 20 anos, considerando-se como tal mudanças no modelo em que o voto se converte em representação política e excluindo-se da lista alterações produzidas por rupturas institucionais.

Em todos quatro, as reformas foram incapazes de reduzir a volatilidade eleitoral dos partidos e contribuir para a sedimentação institucional. Três dos reformistas estão entre aqueles que mais sinais de instabilidade política vêm produzindo no continente: Venezuela, Bolívia e Equador. O quarto da lista é a Colômbia.

Nenhum deles se inclui na lista de países que mais avançam no levantamento anual da Freedom House, instituição americana que avalia o conjunto das liberdades civis e direitos políticos. Entre os países que têm incrementado sua posição nesses critérios estão Brasil, Chile, El Salvador, México, Panamá, República Dominicana e Uruguai.

Os dados estão em trabalho apresentado pelo cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, André Marenco, em seminário internacional sobre reformas eleitorais promovido em Santiago pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no ano passado.

Nele se descreve como os países mudancistas abriram suas listas fechadas, caminho inverso do pretendido no Brasil. Apenas o vezo de se transformar problemas políticos em crises institucionais explica por que se pretende mover o país para a crista das turbulências.

Na comparação para além da América Latina, o impulso reformista no Brasil também vai na contramão. A quase totalidade dos países que hoje adotam lista fechada o fizeram depois de regimes de exceção. Apenas a Polônia fez o que PT, PMDB, DEM, PPS e PCdoB preconizam - sair de um sistema em que a lista de parlamentares é definida diretamente pelo voto do eleitor para outro em que um ordenamento prévio do partido direciona a escolha.

A dobradinha com o financiamento público de campanhas já diz tudo. As cúpulas partidárias, que já têm poderes desmedidos, querem assegurar sua manutenção reduzindo a competição eleitoral. Para isso, além de acenar aos atuais deputados com prioridade na lista de 2010, espera dobrá-los com a proposta de dinheiro público a rodo nas campanhas eleitorais.

Os mudancistas não se dignam a esclarecer ao público pagante que as regras em vigor no país já contemplam as virtudes apregoadas tanto na lista fechada quanto no financiamento público. O que é o voto de legenda senão uma modalidade mais democrática de lista fechada? E o que dizer do horário eleitoral gratuito e o gordo fundo partidário?

O silogismo dos reformistas relaciona uma premissa real - o encarecimento das campanhas - à falsa solução do dinheiro público. Não é irrigando o caixa 1 que se coíbe o 2. Se é a traficância de interesses no Estado que paga os custos de campanha 2, é mais eficiente e barato coibi-lo com mais transparência nas licitações públicas e execução orçamentária.

Parte da lição de casa vem sendo feita pela justiça eleitoral com o cruzamento das declarações do Imposto de Renda com as declarações de gastos de campanha, além do estudo em curso para coibir as doações ocultas via partidos. Isso talvez explique, em parte, o motor dessa nova investida pelo financiamento público.

A iniciativa ressurge no momento em que caiu de moda no resto do mundo. Basta ver o que aconteceu nos Estados Unidos nas últimas eleições presidenciais. Depois de três décadas de vigência iniciada depois dos escândalos de Watergate, o financiamento público de campanha entrou em desuso nos Estados Unidos. Os candidatos abriram mão da verba a que teriam direito pelo comitê eleitoral em troca de poder levantar livremente recursos junto a empresas e eleitores.

A iniciativa, inicialmente tomada por Hillary Clinton e seguida pelos demais, sinalizou a oxigenação política que estava em vias de mostrar a porta de saída para a crise econômica. O resultado foi a maior arrecadação de contribuições eleitorais já vista na história do país, com ampla divulgação na Internet. Apenas o presidente Barack Obama arrebanhou 3,5 milhões de contribuintes. Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva amealhou 1,2 mil.

É a terceira vez, na era lulista, que se tenta levar a cabo uma reforma política. A primeira surgiu com o mensalão e a segunda, com a operação policial que quase custa o mandato do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Desta vez, o pretexto é a desavergonhada farra das passagens aéreas.

Tantas outras surgirão enquanto os parlamentares não acordarem para as evidências de que as políticas públicas mais relevantes que hoje estão em curso no país foram levadas a cabo pelo Executivo com uma participação mais decisiva do Judiciário do que do Legislativo.

Num momento em que ícones do moralismo parlamentar se deixam vitimar pelo próprio discurso é que o Congresso deveria reforçar o voto como a opção do eleitor na disputa de rumos para o país. Correção no trato da coisa pública é apenas um meio para isso. E reforma do sistema eleitoral tampouco lhe serve de atalho.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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