Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Foi-se o tempo em que podíamos discutir temas como voto distrital, ou em lista, ou financiamento público de campanhas como se estivéssemos decidindo os destinos políticos do país. Acabou a graça, já não há mais ambiente para que um debate como esse produza no cidadão comum a sensação de que, afinal, estamos caminhando para alguma direção definida, com um objetivo claro de aperfeiçoar nosso sistema político-eleitoral. Falar de voto em lista ou financiamento público a esta altura do campeonato, com os políticos completamente desmoralizados e sem credibilidade, ainda sangrando em público por uma série de irregularidades que vêm sendo cometidas no correr dos anos sem que houvesse uma só administração disposta a coibir os abusos evidentes, é querer levar mais lenha à fogueira.
Como explicar para a população que vamos colocar mais R$ 1 bilhão no orçamento público para financiar campanhas políticas desses mesmos políticos que estão sendo vistos pela opinião pública como usurpadores, em vez de defensores do cidadão? A situação do deputado Sérgio Moraes, que relata o processo contra o deputadocastelão Edmar Moreira e diz não estar ligando para o que a opinião pública pensa, já antecipando seu voto favorável ao colega, é típica de uma instituição que não se dá ao respeito, que não tem instrumentos nem vontade política para controlar seus “aloprados”.
No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) abre um processo contra o deputado do castelo, por sonegação de impostos e apropriação indébita de contribuição dos funcionários ao INSS, seus pares caminham para livrá-lo de qualquer punição.
Antes de fazer essa pantomima em torno de uma reforma política que está para sair há anos e nunca se realiza porque são muitos os interesses em jogo, os parlamentares deveriam tratar de recuperar a credibilidade da instituição, fazendo uma limpeza em regra, e não apenas nos seus membros.
Vê-se agora que foi montada dentro do Congresso uma estrutura burocrática que ganhou vida própria, e que tem em suas entranhas segredos e mistérios que não se coadunam com as normas básicas de moralidade e impessoalidade do serviço público.
A promiscuidade entre a burocracia do Congresso e os senhores parlamentares, com uma mão lavando a outra e todos se dando bem, com interpretações lenientes de regimentos e condescendência com desvios de conduta suprapartidária, só poderia dar no que está aí.
Os políticos se queixam de que o Judiciário avança muito nas suas decisões, a famosa “judicialização” da política, mas têm culpa no cartório por seu comportamento e, sobretudo, pela inação.
Só decidem se mexer quando, às vésperas das eleições, sentem-se ameaçados pela repulsa do eleitorado e tentam, em cima do laço, fazer as reformas que dormem nas gavetas do Congresso há anos.
Como uma maneira de proteger seus interesses imediatos ou, no mínimo, de desviar a atenção dos seus problemas, jogando no ar a discussão de temas fundamentais, que precisariam de tempo de discussão com a sociedade para serem aprovados.
O fato é que, por pressão dos próprios políticos, o Judiciário assumiu decisões retrógradas para o funcionamento de nosso sistema eleitoral.
O caso da flexibilização da interpretação sobre a verticalização, que na verdade significou o seu fim, é exemplar. O TSE, que havia reafirmado o princípio da verticalização para a eleição de 2006, recuou em conjunto depois que vários líderes partidários, entre eles os senadores José Sarney, Renan Calheiros e o falecido Antonio Carlos Magalhães, foram pressionar os juízes.
As alianças fora das coligações nacionais, que haviam sido chamadas de “concubinato” pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, acabaram voltando a serem permitidas, e a “ordem na bagunça partidária das coligações para as próximas eleições” acabou não se estabelecendo.
Outra decisão, desta vez do Supremo, também atingiu em cheio uma reforma eleitoral que entraria em vigor nas últimas eleições.
Dez anos depois de terem sido introduzidas na Constituição, exatamente para que os partidos políticos se preparassem, as cláusulas de barreira foram eliminadas pelo STF por unanimidade, sob a alegação absurda de que feriam os direitos dos pequenos partidos e impediam o pluralismo partidário.
Os partidos não deixariam de existir, apenas não teriam representação no Congresso se não tivessem um número mínimo de votos, como acontece em vários países, o que ajudaria a organizar o funcionamento das alianças políticas dentro da Câmara e do Senado, onde hoje têm representação nada menos que 19 partidos.
Com a cláusula de barreira, estariam reduzidos a cerca de dez.
Já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor.
Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar.
E essa renovação de ares só poderá ser feita com o próximo Congresso, quem sabe mais depurado pelas urnas do que gostariam os sérgios moraes da vida, e pelo novo presidente da República, que deveria assumir o compromisso de fazer da “mãe de todas as reformas” sua prioridade de governo.
DEU EM O GLOBO
Foi-se o tempo em que podíamos discutir temas como voto distrital, ou em lista, ou financiamento público de campanhas como se estivéssemos decidindo os destinos políticos do país. Acabou a graça, já não há mais ambiente para que um debate como esse produza no cidadão comum a sensação de que, afinal, estamos caminhando para alguma direção definida, com um objetivo claro de aperfeiçoar nosso sistema político-eleitoral. Falar de voto em lista ou financiamento público a esta altura do campeonato, com os políticos completamente desmoralizados e sem credibilidade, ainda sangrando em público por uma série de irregularidades que vêm sendo cometidas no correr dos anos sem que houvesse uma só administração disposta a coibir os abusos evidentes, é querer levar mais lenha à fogueira.
Como explicar para a população que vamos colocar mais R$ 1 bilhão no orçamento público para financiar campanhas políticas desses mesmos políticos que estão sendo vistos pela opinião pública como usurpadores, em vez de defensores do cidadão? A situação do deputado Sérgio Moraes, que relata o processo contra o deputadocastelão Edmar Moreira e diz não estar ligando para o que a opinião pública pensa, já antecipando seu voto favorável ao colega, é típica de uma instituição que não se dá ao respeito, que não tem instrumentos nem vontade política para controlar seus “aloprados”.
No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) abre um processo contra o deputado do castelo, por sonegação de impostos e apropriação indébita de contribuição dos funcionários ao INSS, seus pares caminham para livrá-lo de qualquer punição.
Antes de fazer essa pantomima em torno de uma reforma política que está para sair há anos e nunca se realiza porque são muitos os interesses em jogo, os parlamentares deveriam tratar de recuperar a credibilidade da instituição, fazendo uma limpeza em regra, e não apenas nos seus membros.
Vê-se agora que foi montada dentro do Congresso uma estrutura burocrática que ganhou vida própria, e que tem em suas entranhas segredos e mistérios que não se coadunam com as normas básicas de moralidade e impessoalidade do serviço público.
A promiscuidade entre a burocracia do Congresso e os senhores parlamentares, com uma mão lavando a outra e todos se dando bem, com interpretações lenientes de regimentos e condescendência com desvios de conduta suprapartidária, só poderia dar no que está aí.
Os políticos se queixam de que o Judiciário avança muito nas suas decisões, a famosa “judicialização” da política, mas têm culpa no cartório por seu comportamento e, sobretudo, pela inação.
Só decidem se mexer quando, às vésperas das eleições, sentem-se ameaçados pela repulsa do eleitorado e tentam, em cima do laço, fazer as reformas que dormem nas gavetas do Congresso há anos.
Como uma maneira de proteger seus interesses imediatos ou, no mínimo, de desviar a atenção dos seus problemas, jogando no ar a discussão de temas fundamentais, que precisariam de tempo de discussão com a sociedade para serem aprovados.
O fato é que, por pressão dos próprios políticos, o Judiciário assumiu decisões retrógradas para o funcionamento de nosso sistema eleitoral.
O caso da flexibilização da interpretação sobre a verticalização, que na verdade significou o seu fim, é exemplar. O TSE, que havia reafirmado o princípio da verticalização para a eleição de 2006, recuou em conjunto depois que vários líderes partidários, entre eles os senadores José Sarney, Renan Calheiros e o falecido Antonio Carlos Magalhães, foram pressionar os juízes.
As alianças fora das coligações nacionais, que haviam sido chamadas de “concubinato” pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, acabaram voltando a serem permitidas, e a “ordem na bagunça partidária das coligações para as próximas eleições” acabou não se estabelecendo.
Outra decisão, desta vez do Supremo, também atingiu em cheio uma reforma eleitoral que entraria em vigor nas últimas eleições.
Dez anos depois de terem sido introduzidas na Constituição, exatamente para que os partidos políticos se preparassem, as cláusulas de barreira foram eliminadas pelo STF por unanimidade, sob a alegação absurda de que feriam os direitos dos pequenos partidos e impediam o pluralismo partidário.
Os partidos não deixariam de existir, apenas não teriam representação no Congresso se não tivessem um número mínimo de votos, como acontece em vários países, o que ajudaria a organizar o funcionamento das alianças políticas dentro da Câmara e do Senado, onde hoje têm representação nada menos que 19 partidos.
Com a cláusula de barreira, estariam reduzidos a cerca de dez.
Já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor.
Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar.
E essa renovação de ares só poderá ser feita com o próximo Congresso, quem sabe mais depurado pelas urnas do que gostariam os sérgios moraes da vida, e pelo novo presidente da República, que deveria assumir o compromisso de fazer da “mãe de todas as reformas” sua prioridade de governo.
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